domingo, 31 de agosto de 2008

DIÁRIO DE CUBA (9)
DOMINGO: ALMOÇO COM FAMÍLIA CUBANA (09/03/2008)
Às 12h30, no horário combinado, VICTOR SERRA adentra o hotel Vedado e somos avisados pelo interfone. Descemos ansiosos. Íamos almoçar na casa de HILDA MARIN, a mãe da professora de música ROSA TOLON (dá aulas na USC, em Bauru). Victor é casado com a irmã de Rosa. Na chegada dele, outro mito de esvai e é desmascarado. Circula na imprensa brasileira a falácia de que cubano não adentra hotel de turista em Cuba. Entram e saem a toda hora, quando querem. Quem não o faz são os jineteros. Iria me impressionar muito mais com a liberalização do país, bem diferente do que lia ou ouvia no Brasil. Continuam fazendo questão de desmerecer tudo o que provém da ilha.

Descemos e após uma rápida apresentação, seguimos de carro até a casa de Hilda. O caminho já é nosso conhecido, pela avenida 23, sempre em frente. Primeiro, tentamos nos entender, depois vamos quebrando o gelo, falando de Bauru e de Rosa. Ambos, marido e mulher são um tanto fechados. Sentimos uma certa precaução, até natural, pois nada sabe a nosso respeito. Na chegada, diante de um prédio de quatro andares, a impressão é de ser um tanto feio por fora, mas muito confortável por dentro. Tudo modesto, não diferindo muito do que vivenciamos no Brasil. Hilda mora só aos 79 anos, na copa mantém um piano, pouco usado, pertencente a filha no Brasil. A decoração é das mais simples, a divisão dos cômodos é feita por blocos e placas, porém, tudo me atrai, além da hospitalidade, presente em todos os instantes. Quem também estava por lá era Indira, neta de Hilda.

Ficamos na sala por um bom tempo, numa conversa interminável. Queríamos saber de tudo. Por quase duas horas, ficamos nessa. Victor se mantém reservado, observador. Disse trabalhar para uma empresa espanhola, há quase trinta anos, de maquinário hidráulico para indústrias. Já esteve no Brasil, na Usiminas e nos fala de Itapira, a terra do Drummond. Muitas fotos da família pela casa. O almoço foi ótimo. Um arroz escuro já misturado ao arroz, carne de porco com cebola, banana frita e salada de tomate com pepino. Repetimos tudo. Havíamos trazido as bebidas, refrigerantes, que lá eles chamam de refresco. Saio da linha e tomo duas cervejas. Marcos não bebe, só come, e muito.

Foi durante o almoço que Victor, após ouvir o discurso revolucionário de Marcos acaba se abrindo e diz ser filiado ao PCC – Partido Comunista Cubano há 32 anos. Uma filha reside em Bauru, com Rosa e o outro nos EUA. Esse ele não reve há cinco anos. Se voltar para Cuba, não poderá retornar aos EUA. Nos dá várias explicações sobre o país, os jovens e a prostituição no entorno dos hotéis, a Associação Nacional de Pequenos Agricultores, os Comitês de Defesa da Revolução e os escritórios da União da Juventude Comunista. “E one ficam esses”, pergunta Marcos. “Experimente perguntar para o porteiro do hotel e ele te dirá onde encontrá-los”, nos diz. Explica também sobre as duas moedas e os estudos do Governo para unificá-las (“Um peso convertível vale 24 do cubano e para nós vale muito, pois tudo aqui nos é vendido nessa moeda”). Fala muito sobre a saúde e a educação e quase ao fim quand lhe perguntamos sobre Raul e o futuro, foi claro: “Estamos bem, não queremos e não precisamos passar para o outro lado”.

Ficamos com uma ótima impressão da verdadeira aula ali ministrada. Ela seria de grande serventia para os futuros contatos. Hilda relata sua passagem por Bauru, as aulas na Faculdade da Terceira Idade do SESC e os clubes onde foi dançar. Não aceitamos a carona até o hotel. Queríamos caminhar. Victor nos deixa defronte o Teatro Karl Marx. Tínhamos um longo caminho pela frente. Era nossa intenção andar, vasculhar, fotografar, se perder, perguntar, olhar, cheirar, ver e ser visto. Fizemos isso tudo a cada contato. Por volta das 16h conseguimos chegar na famosa Praça da Revolução e dá-lhe fotos. Na volta para a avenida 23, dois jineteros nos abordam e começamos um longo papo. Comunicativos, vamos dando corda e acabamos num restaurante popular, daqueles instalados em residências. Tomamos morritos, compramos charutos e pagamos muito acima do que valia o que consumimos. Foram convincentes, queríamos ver até onde chegariam, um deles nos disse que o filho havia nascido, comemoramos juntos. Pela simpatia, se dizendo estudantes, fomos todos até o hotel e acabaram ganhando camisetas. Eu dei uma do Azulão do Morro e Marcos, uma do São Paulo FC. Na despedida, na mão de um deles, um folheto de uma igreja evengélica. Quando questionado, me diz que os pastores cubanos são revolucionários. Finjo acreditar e não me atrevo a debater antes de me inteirar melhor.

Escrever sobre Cuba é muito fácil e gratificante. Escrever mal, mais fácil ainda. Bastaria olhar para tudo o que presenciamos com os olhos da maldade. Cuba possui erros mil, defeitos também, como todos os países desse planeta. Não tenho dúvidas de que os acertos superam os erros, compensando tudo, todas as pisadas na bola. É dentro dessa perspectiva que escrevo esse diário. E é com esse pensamento que começaríamos a semana, com um agendamento logo pela manhã.

Continua...

sábado, 30 de agosto de 2008

UMA ALFINETADA (36)
Outro dia me perguntaram: Que negócio é esse de Alfinete? Explico. É um jornal semanário de Pirajuí, 50 km de Bauru. Marcelo Pavanato, um grande amigo, dirigia o négocio, enviava textos meus e ele publicava. Morreu de enfarte, a esposa Fátima prosseguiu até onde pode. Continuei enviando textos. Hoje, quem dirige tudo é o Américo, de uma FM local. Continuo com os textos. Não sou de lá, sou daqui, de Bauru. Peguei gosto e enquanto não me pedirem para parar, batuco algo semanal e envio a eles. Como esse aí embaixo, que sai também na edição impressa de hoje:
UM PASSEIO VAPT-VUPT EM PIRAJUÍ
Estive na cidade do "Rio do Peixe Dourado" durante a semana. Foi uma passada daquelas de rever tudo em poucas horas, estilo vapt-vupt. O motivo foi levar uma pesquisadora daqui de Bauru, para um bate-papo com dois entendidos da questão indígena, Cássio "Cururu" Mello Filho e Rejane Bush. Indicados por representante da FUNAI, eles foram de uma atenção muito grande, abrindo seus arquivos, onde foi constatado a grande quantidade de material sobre o tema, tudo já desenvolvido por eles. Impressionados ficamos os dois, pois realizando tudo ali, dentro da própria residência, o casal possui um aparato de causar inveja. São pesquisadores de fato e de direito, devendo ser reconhecidos como tanto, pois têm grande cabedal na área, pelos longos anos dedicados à causa. E falam a mesma língua, se completam e se necessitam.

O tempo era curto e tinha em mente rever e conhecer outras pessoas. Queria trazer o novo CD do Levi Ramiro, "Nosso quintal", recentemente lançado. Não precisei matutar muito para saber onde procurá-lo. Se tivesse tempo disponível, iria para a Estiva. Ciente de que ir lá só para comprar o CD seria um desperdício muito grande, pois diante de tudo o que acontece no espaço do Levi, a visita deveria se estender por muitas horas, não fui. Se ele permitir, volto em breve só para conhecer aquele santuário encravado dentro da mata da região.

Procurei pelo Marcelo Lemos, na esquina da praça central, na conhecida Padaria Santa Edwirges. Adentrei o local e dei de cara com uma estante repleta de CDs, todos de MPB. Foi empatia a primeira vista. Bati os olhos naquilo e vi que a trilha sonora tocada 24h por dia naquele estabelecimento é também a minha. Conheci o Marcelo e não foi difícil convencê-lo a me vender o seu CD do Levi. "Se ele me trouxer outro te vendo", me disse. Ligou, Levi passa o preço e a confirmação de que lhe levaria um novo. Sai de lá meio que extasiado, pois o astral do lugar é contagiante. Na pressa, acabei esquecendo de provar os pães, mas do café ele não escapou.

Queria demais ter encontrado por lá, um mineiro perdido em Pirajuí, o engenheiro Henrique, que aqui em Bauru tinha um bar dos mais movimentados, o Coisas da Roça. Henrique, que foi por um tempo o "engenheiro que virou suco", em alusão ao nome do filme famoso, voltou às origens profissionais, embrenhando-se de vez na roça. Deve andar de botinas o dia todo e criando sacis. Virou amigo do Marcelo, do Levi e de outros mateiros. Não encontrei o dito cujo, mas deixei recado e prometi voltar, num daqueles dias em que o Marcelo promova algo com música ao vivo, talvez com a Audren aqui de Bauru. Não sei como faço para aderir ao grupo, se precisa virar sócio, pagar taxa, contribuir mensalmente, mas sei que não posso ficar fora dessa.

Por fim, atrasado para retornar, passo na casa da Fátima, a ex-d'OAlfinete. Cheguei numa hora desagradável, arroz no fogo, feijão fumegante, bife em tiras na frigideira, cheiro incontrolável espalhado pelo ar. Não deu outra, sentei, proseei um pouco e voltei de barriga cheia. Ela continua rindo gostosamente, junto da irmã e da mãe. Sai da casa dela sem saber direito se o que tinha montado era um estabelecimento de massas ou um canil, pois na tentativa de contar, acho que passaram fácil de sete os cães espalhados pelo quintal . "Esses últimos o Pedro encontrou na rua, ficou com dó e adotamos", me diz. Voltamos voando baixo e ouvindo na estrada o novo CD do Levi (recomendo para todos). De todas as faixas, fiz minha escolha, "Sossego de riacho" ("e passo horas pescando um peixe que nem existe"), com viola, bandoneon e até uns batuques, no estilo dos pampas gaúchos e argentinos. Não queria voltar para minhas atividades rotineiras, mas as contas em atraso me fizeram cair novamente na realidade.

Henrique Perazzi de Aquino, 48 anos, tentando escapar da vida real por alguns instantes, tentando viver a vida fazendo o que gosta e tentando experiências novas a cada virada de esquina

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

UMA MÚSICA (30)
Ouvia meus CDs e LPs todos aqui do mafuá somente aqui nessa bagunça, mas decidi comprar um rádio toca CDs novo para o carro e agora saio com eles pelas ruas bauruenses. Quem sairam perdendo foram as rádios (a Veritas e a Unesp Fm, principalmente), pois vou revezando todos. Nessa semana, quem fez minha cabeça e estou riscando uma faixa de tanto ouví-la é Adriana Calcanhoto, no CD "Público". Sintam a música e curtam a letra (do Mano Chao), com toda sua latinidade e mais atual do que nunca.

CLANDESTINO - Adriana Calcanhotto
Composição: Manu Chao
Solo voy con mi pena/ Sola va mi condena/ Correr es mi destino/ Para burlar la ley/ Perdido en el corazon/ De la grande babylon/ Me dicen el clandestino/ Por no llevar papel/ Pa una ciudad del norte/ Yo me fui a trabajar/ Mi vida la deje/ Entre Ceuta y Gibraltar/ Soy una raya en el mar/ Fantasma en la ciudad/ Mi vida va prohibida/ Dice la autoridad/ Solo voy con mi pena/ Sola va mi condena/ Correr es mi destino/ Por no llevar papel/ Perdido en el corazon/ De la grande babylon/ Me dicen el clandestino/ Yo soy el quebra ley/ Mano negra clandestino/Peruano clandestino/ Africano clandestino/ Marijuana ilegal
UMA CARTA (15)
Gosto muito de elogiar. Não criei esse mafuá só para criticar e cutucar, como ouvi. Nessa semana fiz um elogio explícito para o Núcleo de Documentação da USC. Estive lá e não me contive. Assim como o poder público (não só os daqui, mas todos), as duras penas, eles resistem bravamente e prosseguem trilhando o caminho do bom atendimento na parte museal. O Jornal Bom Dia publicou minha carta na edição de 27/08:

O NÚCLEO DA USC É PARTE DO BRASIL QUE FAZ (E ACONTECE)
O bom atendimento é primordial em todos os lugares. Quando isso ocorre de uma forma rápida e eficiente, se faz necessário ressaltar o tratamento dado, para que ele não sofra interrupção, seja valorizado e acabe se propagando para todos os locais de visitação pública.

Precisei de uma cópia de última hora, de documento do acervo do Núcleo de Documentação da USC – Universidade do Sagrado Coração. Uma pesquisa teria que ser feita para localizá-lo. O tempo conspirava contra mim, tinha prazos a cumprir e ciente de que o documento procurado estava naqueles arquivos, para lá me dirigi. Ou melhor, liguei antes, informei do que precisava, sem citar a urgência. Quando lá estive no horário pré-estabelecido, para minha surpresa o documento já estava à minha disposição.

Não existindo uma burocracia, daquelas que te faz ir, retornar, aguardar, cobrar, exigir e até esbravejar, você se sente valorizado. Quando nos deparamos com aqueles que fazem (e fazem bem feito), o que seria a coisa mais normal, tem-se a certeza de que esse é o Brasil que queremos e necessitamos. Saí do Núcleo de Documentação da USC com a clareza de que tanto eles, como nossos museus trilham esse caminho. Para tudo, basta querer. E querendo seremos transformadores e revolucionários.

Em tempo: Parabéns para a equipe do Núcleo, professoras Terezinha Zanlochi e Márcia Nava, além da funcionária Ester. Todas são pessoas que querem e fazem.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

PRECONCEITO CONTRA O SAPO BARBUDO (6)
Aceito numa boa críticas ao Sapo Barbudo, desde que não venham daqueles que lá estiveram e nada fizeram (ou fizeram muito pior). Hoje, por exemplo, revi aqui em Bauru, meu amigo, o cartunista Fausto Bergocce. Ele que esteve durante muitos anos ao lado de Lula, fez campanhas gratuitas para campanhas petistas, hoje desce a lenha no atual governo, pois acha muito lenta algumas ações, como o mêdo ou receio de tocar nas feridas (ainda abertas e expostas) do período militar. Concordo com ele, pois Argentina e Uruguai, que trilharam por caminhos ditatoriais já encaminharam algo de concreto nesse sentido. Lula fica tentando colocar panos quentes e não toma a atitude que todos esperavam dele, que é o de abrir de uma vez por todas os arquivos militares, expor o erro que eles cometeram e a partir daí, com punições, dar um basta na questão. Nossas próprias Forças Armadas precisam reconhecer o erro que cometeram, assumir de um vez por todas que não foram os únicos a agir daquela forma naquele período e promoverem algo pela modernidade da corporação. Pensar como a quarenta anos atrás é um retrocesso, muito ruim para eles, que patinam. Outro ponto que Fausto bate no Lula e também concordo é sobre a reforma sindical. Espeva-se de Lula, um sindicalista, algo de concreto, moderno e voltado para os interesses dos trabalhadores. Fazer o jogo da classe dominante não é papel para um presidente oriundo da classe menos favorecida. Para esse tipo de crítica, bato palmas.
Já para coisas sem sentido, como esse email divulgado e muito difundido na internet como "TRAJETÓRIA CRIMINOSA", sobre a atuação da ministra Dilma Roussef, acho execrável e abomino veementemente. Publico aqui, para que todos também vejam e sintam o mesmo escárnio que senti. Dilma merece todo o nosso respeito e se agiu daquela forma, naquele período, o fez por uma causa, das mais justas, lutando contra uma ditadura truculenta e anti-democrática.
Não gostar de Lula, de sua atuação é uma coisa, ser moralista, preconceituoso e ignorante histórico é outra coisa bem diferente. Credito altos pontos positivos para Dilma justamente por sua atuação naquele período. E mais. Ela é uma ótima ministra.
Em tempo: Para ampliar cada box clique nele e leia sem auxílio de lupa.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

RETRATOS DE BAURU (34)
MOISÉS BASTOS, O FEIRANTE
Hoje, 25 de agosto é do Dia do Feirante e como ontem realizamos na Feira do Bela Vista uma bonita exposição em homenagem à data, com apresentação de teatro de rua e outros atrativos, nada melhor do falar dessa digna categoria profissional, aqui representada na figura de MOISÉS BASTOS, o atual Presidente da Associação dos Feirantes de Bauru. Conheço ele há uns três anos e desde lá tivemos um empatia mútua. Figura simples, simpática, daquelas que faz questão de ser prestativo, sem perder um jeitão de impor à sua vontade. Acorda diariamente bem cedinho, antes do galo cantar e faz feira quase todo santo dia, vendendo ovos. Prepara também um frangões dessossados, sua especialidade, além de ovos de codorna em conserva. Sua banca é daquelas que está sempre cheia, tanto de clientes, como de amigos. Traz uma garrafa de café e serve a todos que por lá aportam. Conversador como nunca, se mostra antenado com tudo à sua volta. Pegou gosto por ser um dos divulgadores da feira, principalmente nas rádios locais. Propaga por onde circula ser o rico espaço das feiras uma espécie de "feiraterapia". Esse baixinho é turrão, mas não deve ser difícil de convencê-lo, desde que os argumentos sejam muito fortes.

domingo, 24 de agosto de 2008

CENA BAURUENSE (5)
ELZA SOARES, SEXTA - O ÊXTASE
Elza Soares retornou a Bauru pouco tempo depois de lançar o seu último CD, "Beba-me" (ela disse no show: "não embriaguem-se, bebam-me"), aquele gravado cheia de dores e muito desconforto. Seus fãs estavam mais do que preocupados e foram conferir a performance da setentona (em plena forma - rainha do gingado). Na fila do gargarejo, muitos e dentre eles, Tatiana Calmon, uma fã e admiradora do borogodó da cantora (assim como eu). Tentei tirar uma foto de Tatiana abaixo do palco, fotografando Elza a centímetros de distância. Eu estava muito no funda da quadra, onde o show foi realizado na noite de 22/08 e o máximo que consegui foi uma foto embaçada e fora de foco. Mas juro, aquela sombra aos pés de Elza era Tatiana (queria eu estar lá). Ela pode confirmar isso e deve ter tirado fotos maravilhosas.

Eu estava rodeado de três amigos, todos embasbacados com o que viam e ouviam. Todos os quatro, com a idade acima dos quarenta, em pé, no fundo, a poucos metros do balcão do bar, com copos de cerveja à mão, estavámos um tanto hipnotizados. Nada melhor poderia acontecer a todos, amantes da boa e imortal Elza, uma de nossas melhores vozes, do que estar ali naquele dia. Quatro distintos cavalheiros, eu, professor de História e servidor público, Sivaldo Camargo, bailarino e servidor público, João Bráulio, advogado e Dirceu, o proprietário da casa noturna Catedral. Sintam o clima pela foto, onde todos estão concentradíssimos nos movimentos de voz e quadril de uma de nossas divas.

Lavamos a alma. Eu, em dobro, pois naquela tarde havia ouvido de uma amiga, que não sairia de casa para um show desses, pois não gostava de estragar sua noite. Saímos todos ganhando de não tê-la como companhia naquela noite. Quem lá esteve, curtiu muito e isso pode ser notado claramente na fisionomia dos que saiam do SESC. O chato foi não ter conseguido uma dedicatória nos três CDs que carregava no bolso. Só um felizardo conseguiu vê-la no camarim. Ele portava uma camiseta com frases dedicadas a ela e isso a amoleceu. Só ele, merecidamente, teve o privilégio do abraço. Acreditamos no que nos foi passado: ela estaria cansada. Por fim, o SESC é merecedor de um parabéns duplo, pois na sexta, às 19h quem lá esteve foi o escritor gaúcho Moacyr Scliar (falando de Machado de Assis) e logo a seguir, às 21h, dona Elza. Que noite!

REVISÃO FEITA EM 25/08: Tatiana furou o cerco e esteve com a Elza. Tenho que dar o braço a torcer, ela foi mais persistente que esse macanudo. Pulou para dentro do palco e invadiu o camarim. A recepção ela mesmo conta nos Comentários desse blog... Fiquei a chupar os dedos, eu e uma galera.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

MEMÓRIA ORAL (45)
UM EMPATE TÉCNICO: IGREJAS 12 X 12 BARES
Sinceramente, eu sempre tive uma antiga curiosidade, sanada há duas semanas atrás com o auxílio do filho, Henrique Aquino, 14 anos, quando numafinal de tarde dominical, saímos pelas ruas do Núcleo Residencial Gasparini (homenagem ao ex-prefeito Edison Bastos Gasparini), em busca de decifrar a charada que me atormentava: afinal, existem hoje, mais bares ou igrejas nos bairros periféricos brasileiros? Escolhi o Gasparini, em primeiro lugar, porque lá residi por quase dez anos e em segundo, por seu um lugar um tanto isolado, uma espécie de conjunto residencial localizado nos confins da cidade, como alguns ironicamente o denominam, pois está cercado de mato por todos lados. Portanto, de fácil averiguação em seus limites. O único problema é a existência de um outro bairro limítrofe, o Índia Vanuire, separado por uma rua. Deixei o Vanuire de lado e circulamos, rua por rua, contando todos os visíveis bares e igrejas do lugar.

Quando criei coragem para tal empreitada, levei muito em consideração, uma frase do compositor Aldir Blanc, que numa de suas tiradas de alto teor filosófico (sic), havia sacado essa: “Buteco é Templo e lá se desenvolve a mais pacífica e prolífica das atividades humanas: jogar conversa fora”. Será que esses locais, mesmo com tudo o que as diferenciam, conseguem ter lá suas semelhanças, afinal, possuem uma legião de seguidores? Isso é a primeira coisa a ser constatada. Alguns bares estão mais do que cheios, assim como várias igrejas, numa tarde quente de domingo. Ambos os fiéis, cada um a seu modo, devem estar prestando reverência e fazendo jus a uns poucos momentos de lazer por essas plagas.

Nas duas entradas do bairro me deparo com bares, o do Banzé, bem na quina de entrada, após uma marginal ladeando a rodovia Marechal Rondon e na segunda, logo na saída da rotatória, do outro lado da avenida com as torres da CESP, quase em frente ao Posto de Saúde, o do Brecha. Olhando para direita, a primeira igreja, talvez a que ocupe maior espaço físico, a católica, Paróquia de São Brás. Naquelas imediações encontro um antigo morador, residindo por ali desde a inauguração do Núcleo, ocorrida em l982, Leônidas de Assis, gráfico, bom de copo e ruim de altar, que me afirma: “Isso aqui já foi o paraíso dos bares e hoje é o paraíso das igrejas. Onde antes se viam bares por todos os lados, hoje existem igrejas”. Será isso mesmo? É o que vim conferir, confessando, também ter a mesma impressão, feita no chamado “olhômetro”.

O motorista profissional Donizeti de Oliveira, já foi presidente da Associação de Moradores e hoje preside o Juventude/Petrópolis, o time de futebol no amador da cidade. Quando fica sabendo dos motivos de minha curiosidade, fez questão de deixar bem claro: “Não freqüento nem um, nem outro, apesar de gostar e acreditar nos dois. Busco minha bebida no mercado e bebo em casa, com a família e os amigos. Também não vou a nenhuma igreja, mas tenho minha fé, também feita em casa”. Disse que ainda não havia pensado nesse “negócio de quem está na frente, pois uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas se formos reparar, o bairro está mesmo dividido”. Diante de sua casa, naquela tarde, de um lado o samba come solto no Esquinão do Samba, com a rua lotada e 100m abaixo, na divisacom o Vanuire, a igreja Santo dos Últimos Dias lota aquela quadra com gente engravatada. São os tais dois lados da questão.

Encontro na rua o advogado Gilberto Truijo, que durante muitos anos morou no bairro, mantendo até hoje uma casa e amigos ali, mesmo estando distante há mais de 10 anos. “Acho que essa disputa deve estar pau a pau. No meu tempo pendia mais para os bares, hoje deve estar equilibrado. Dia desses fui com um amigo acompanhá-lo até a casa de um fiel arredio. Ele queria saber o motivo do afastamento. Qual não foi nosso espanto ao chegar defronte sua casa e nos deparamos com uma igreja por lá. O cara havia montado sua própria igreja”, conta Truijo. Outro que não mora mais lá é Mário Roberto Cândido, procurador público, a pessoa que mais sabe da história do bairro, possuindo vasta documentação e quase tudo na ponta da língua. “Falo com conhecimento de causa. Têm mais igrejas. Com as de fundode quintal, passam os bares. O bairro que possui mais igrejas na cidade é o Ipiranga, depois vem a Pousada da Esperança. Eu tenho dados completos sobre isso”, diz. Quando o assunto é o Gasparini, não se contém é fala mais: “O bairro possui 59 quadras, são 1228 lotes e até alguns anos atrá seram 26 orelhões lá instalados. Hoje, esse número caiu pela metade, por causa do vandalismo. Isso em toda a cidade. O processo de aprovação do Núcleo lá na Prefeitura leva o número 2068/82”. Diante de um pesquisador desse quilate, não discordo. Endosso.

Carlos Roberto Pittoli é advogado e hoje ostenta orgulhosamente em seu cartão de visitas um sugestivo “Aposentado”, ao lado de um coqueiro com uma rede estendida. Foi candidato ao governo do Estado de SP, pelo PSB –Partido Socialista Brasileiro, em eleições passadas e mora ali desde a fundação. Muitos o questionam para mudar de bairro, ele continua irredutível, já foi presidente da Associação de Moradores por dois mandatos (“sou sócio fundador dela”). Quando esclareço o motivo de estar lhe procurando, ri e diz: “Foi coleta visual?”. Digo que sim, e ele, demonstrando toda sua verve irônica relata: “É a melhor forma. Tomo minhas cachaças em casa. Você não vai me ver em botecos, mas por aqui eles devem perder para as igrejas. Só aqui perto de casa são quatro. Dia desses um cara bate no portão de casa vendendo uma revista de uma igreja. Quanto custa?, lhe pergunto. Dez reais, ele me diz. Aí não agüentei. Disse ter uma revista de Umbanda, que também vendia pelos mesmos dez reais. Ele assustado me disse: Deus me livre, não gosto de Umbanda. Por essas, achoque precisamos ser mais tolerantes uns com os outros. Não fizemos negócio”.

Não foi minha intenção procurar donos de bares e nem dirigentes das igrejas. Sondei os moradores, chegando a conclusão de que para eles, a disputa penderia para as igrejas. Não sei se desaponto alguém, mas naquele domingo, a contagem empatou. Foram doze igrejas e doze bares. Deixei de lado, três mercados e duas padarias, não adicionando-os à lista dos bares, mesmo comercializando bebidas. O fato é que, as igrejas foram ganhando terreno, porém, os bares, resistem. Na andança percebi o quanto a disputa é acirrada. Na conversa final, com o artesão e ferroviário aposentado, Chico Cardoso, realizada quando de um ensaio do Coral Artencanto, um posicionamento interessante sobre o resultado obtido. “Quando fez mesmo a contagem?”, me pergunta. “Duas semanas atrás”, respondi. “Se fizer novamente, já deve ter desempatado, mas mesmo assim, leve em consideração que a partida ainda não acabou”. Dessa forma, para mim, dou por encerrada a contenda.