O HOMEM DO SEBO E SUA HISTÓRIA COM ELIS REGINA
João Francisco de Bau, 81 anos é figura das mais conhecidas na cidade de Bauru. Dono dos mais conhecidos sebos da cidade, já possui seu nome associado a esse ramo de negócio. Hoje, são quatro as lojas da familia Bau no segmento sebo de livros. Muitos por aqui acentuam a palavra, achando que o nome do sebo é Baú, mas na verdade, trata-se do sobrenome da família, portanto, sem acento. Seu João, ou simplesmente seu Bau, é um baiano de Canarana, aos 16 anos deixou sua terra natal e peregrinou por um monte de lugares antes de se fixar por aqui. Rodou um bocado e em 1956 acabou indo para a capital paulista. Penou, como todos nordestinos, até conseguir algo onde pudesse se fixar. Descobriu que sua aptidão mesmo era a de ser caseiro em obras e zelador de edifícios, sendo muito requisitado, vindo a se aposentar na profissão.
Trabalhando numa dessas obras, pegou intimidade com o patrão e com as constantes visitas à casa dele, conheceu Maristela, hoje com 86 anos, a esposa de quem não mais se separou. Acabou saindo desse emprego, por um motivo bem simples: "Não queria desagradar o patrão. Ele poderia me pegar tendo intimidades com ela por lá e ficaria muito chato. Ela continuou trabalhando para ele e eu fui fazer outras coisas". Foi aí que começou a trabalhar em prédios, como zelador. Só num no Jardim Paulista, foram 8 anos e num outro na Frei Caneca, mais 4. Os anos foram passando e a história acabou se repetindo de outra forma: "Minha filha começou a ter um namorico com o meu porteiro. Quando percebi a coisa, conversei sério com os dois e logo a seguir pedi para meu patrão deixar ele ocupar meu lugar. Ele ficou lá, casou e foram felizes até o triste dia em que morreu num acidente".
No novo emprego uma nova história, a mais triste e dela só fui tomar conhecimento, quando numa ida ao sebo, em busca de CDs originais usados para minha coleção pessoal, achando um da Maria Rita, ao pagá-lo, ele puxou conversa e disse que a havia carregado no colo quando criança. Foi quando me interessei por ouvir seu relato: "Fui trabalhar na rua Melo Alves nº 666, no Jardim Europa. Lá fui zelador por mais de 8 anos. Sempre morei nos prédios onde trabalhava. Quem passou a morar lá foi a cantora Elis Regina. Ela alugou um apartamento no 5º andar, nº 52, não me esqueço. Nessa época já estava separada do seu César (ex-marido, César Camargo Mariano), namorava o advogado, dr Samuel (dr Samuel MacDowell de Figueiredo). Ela falava que tinha uma outra casa lá na Serra da Cantareira, mas preferia morar ali, naquele apartamento bem no centro dos espigões paulistanos. Era ela e os três filhos, João Marcelo (11 anos), filho do seu Ronaldo (Ronaldo Bôscoli), o Pedro (6 anos) e a Maria Rita (4 anos), filhos do seu César. O João Marcelo era muito amigo do meu filho, o Roberto Bau, que hoje tem o seu sebo ali na rua Treze de Maio. João frequentava muito a minha casa, brincava com meu filho na sala. Chegava no final da tarde da escola e já ia lá para casa. Carreguei a menina Maria Rita no colo várias vezes.".
"Elis viajava muito e quase não parava em casa. Tinha duas empregadas e era muito cuidadosa com os filhos. Sempre foi de pouca conversa, mas nunca me faltou com a educação. Certa feita a vi saindo pela garagem com um pacote de dinheiro, tudo espalhado no carro. Fui alertar do perigo e rindo me disse que não tinha problema nenhum. Parece que não ligava muito para essas coisas. Tinha um Bug, daqueles carros abertos. De todos os que me lembro de ir muito lá, a Fafá de Belém é uma delas. Circulavam muitos artistas, porém não conhecia a maioria deles", continua relatando seu Bau. E se o deixar, ele vai relembrando tudo com uma grande riqueza de detalhes, pois possui uma memória muito boa, mesmo após esses anos todos.
Chegamos no dia em que a Elis morreu, 19/01/1982, exatos 26 anos, quando ela estava com 36 anos de idade: "Era janeiro de 1982, acho que por volta das 10h30, 11h. As duas empregadas estavam aguardando na entrada do prédio dona Elis acordar. Elas iriam fazer compras. Foi quando doutor Samuel chegou correndo, pois havia falado com ela ao telefone e a achando diferente veio conferir. Subiu com o João Marcelo, todo nervoso. Ficamos esperando embaixo por uns 10 minutos. Depois ficamos sabendo que ele arrombou sa portas. Foi triste e inesperado ver ele saindo do elevador com ela no colo, coberta por uma manta. Sentou por instantes na escada, muito ofegante, pelo peso carregado. A secretária já estava na porta da garagem com médico e tudo. Na saída, vi ela bater a perna com tanta força numa porta, sem esboçar qualquer tipo de reação. Ali tive certeza de que ela estava fora de si e talvez já morta. O médico ainda colocou a mão na sua testa e disse: Toca rápido. Foram de táxi para o Hospital das Clínicas e em menos de uns dez minutos já estava dando na TV sobre sua morte. Seus filhos ainda assistiram tudo, sentados na poltrana na minha casa. Foi um dia muito triste para todos do prédio e do Brasil".
Não tinha ainda visto esse espigado senhor ficar emocionado. Suas histórias, até então, foram contadas de uma forma alegre, espontânea, fluindo naturalmente, mas esse tema da morte da Elis, talvez pela presença das crianças, da qual traz boas recordações, pelo relacionamento que tiveram com os seus filhos, cala mais fundo. O final do relato foi um tanto arrastado e conseguido já sem a naturalidade anterior. Dava para notar que o assunto deveria ser encerrado rapidamente. Mesmo assim, acabou me dizendo mais algumas coisas: "A família dela foi embora logo a seguir. Sei que mudaram para a Haddock Lobo e nunca mais tive contato com ninguém. Os últimos encontros foram durante os depoimentos prestados na delegacia, quando permaneci por mais de 3 horas e pela imprensa, que subia até em árvores lá na frente do prédio. Eles queriam saber detalhes, mas eu não sabia de nada. Percebia que ela estava deprimida, triste, tanto que na noite anterior, ligou na portaria avisando que não queria que ninguém subisse, nem Deus, pois queria descansar. E descansou".
Mudei de assunto e fui especular sobre o sucesso dos seus sebos e sua vinda para Bauru. Os sebos ligados a ele são os de maior sucesso na cidade. Muitos outros tentaram se estabelecer no ramo, mas seu Bau foi o primeiro a se firmar e hoje é uma espécie de referência. Ele me conta como tudo começo: "Foram 40 anos de carteira assinada. Aposentei em São Paulo e o filho Roberto havia vindo para cá, onde ganhou casa da COAB. Vim conhecer a cidade e fiquei. Montei uma primeira banca lá na rua Campos Salles, quadra 16. Era pequena, tinha revistas e livros usados. O forte era o jogo do bicho. Comecei a ter uma boa clientela lá e resolvi ficar definitivamente quando comprei minha casa lá no Mary Dota. Tive que arrendar aquela banca por causa de uma operação no estomago. Precisava ficar mais em casa. Quando me recuperei fui trabalhar na Consiste, também como zelador".
Até então, nenhum grande envolvimento com o ramo livreiro. Deu para perceber que seu Bau é daqueles inquietos, muito ativo e sempre necessitando de estar envolvido em alguma atividade para lhe tomar o tempo e, claro, ajudar na renda familiar. Na sequência me contou como foi parar ali no famoso sebo da rua Treze de Maio: "Uma tarde passava ali por essa rua e parei para conversar com um velho, dono de uma banca na quadra de cima da avenida Rodrigues Alves. Queria desfazer do negócio e eu procurando um. Com um cheque de 100 reais comprei e não parei mais. Comecei a comprar gibi, livros, discos, sem nunca abandonar o jogo do bicho. Amontoei livros aos montes, tanto que tive que alugar um quartinho na rua Bandeirantes. Quando deu 6 meses o proprietário cresceu os olhos e tive que sair de lá. Desolado, quem me ajudou foi o seu Manoel Duque, dono do estacionamento junto à minha banca. Com apoio dele, comprei 500 tijolose fiz as ampliações. Até então os filhos não queriam trabalhar comigo".
Disso seu Bau gosta de falar, pois sente orgulho de ter seus filhos ao seu lado, o Antonio Sergio, no local da primeira banca, o Roberto, na casa mais famosa, a da Treze de Maio nº 6-10, um funcionário na banca do jardim Independência e ele na da avenida Rodrigues Alves. Os filhos só se convenceram quando notaram que o pai ganhava bem com aquilo tudo: "Foi difícil convencer os filhos para virem trabalhar comigo, só ocorrendo quando o negócio cresceu. Alugamos a que está o Roberto, lá tinha uma vidraçaria e depois o restante do prédio, onde começou a livraria Jalovi. Acertamos com aquele prédio todo e ficamos conhecidos como os donos dos sebos da cidade".
Deixando, ele fala muito mais e só tem uma chateação com tudo o que já passou na vida: "Fiz só o primário e não gosto muito de ler. Fico triste, pois diante de toda essa riqueza leio pouco, até porque a vista já não ajuda muito". Quem o ajuda muito hoje em dia é Érica Soares, 18 anos, uma elétrica garota, espécie de faz tudo na loja, colocando preços, dando descontos, negociando compras e principalmente atendendo no balcão: "Acertei a mão com essa menina, pois sem ninguém para me ajudar, passo um bocado de apertos por aqui". E assim seu João segue sua vida, cheio de lembranças, algumas ruins e outras muito boas.
Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 03 e 04/janeiro/2008.
Linda essa crônica do seu Bau, Henrique. Parabéns!
ResponderExcluirabs
Maringoni
Conheço todos da família Bau e frequento todos os sebos deles. São muito unidos. Bela a história da Elis. Eu não a conhecia.
ResponderExcluirMaria de Paula
QUE BELA HISTÓRIA ESSA.
ResponderExcluirPEDRO - SEBO DIVINAS LETRAS SP
Excelente relato e que riqueza de vida e experiência. Crônica que me cativou por falar de Elis Regina que amo de paixão e por falar em livros que é também uma outra grande paixão. Parabéns!
ResponderExcluirfrequento bastante os sebos adorooooo principalmente quando tem coisas do meu divão MICHAEL JACKSON pessoal do sebo amo todos vcs!!! bjackson's
ResponderExcluir