domingo, 10 de fevereiro de 2008

MEMÓRIA ORAL (24)

UMA VIAGEM COM A SANGUE-RUBRO
Quarta-feira de Cinzas, 15h e acontece mais uma excursão da torcida organizada do Esporte Clube Noroeste, a Sangue-Rubro, dessa vez com destino a São José do Rio Preto, onde a "maquininha vermelha" enfrentaria o lanterna do Paulistão, em sua 1ª Divisão, o time do Rio Preto. O jogo estava marcado para às 19h30 e diante de quase 300 km de distância, nada melhor do que sair com bastante antecedência. O convite me foi feito por Geraldo Pires, ferroviário aposentado e maquinista da Maria Fumaça, além de ter sido um dos fundadores da torcida. Convite aceito, na hora marcada, lotação quase completa, uma aglomeração das mais ecléticas se forma defronte um dos portões do estádio do Noroeste.
Na porta do ônibus sou recebido por José Roberto Pavanello Silva, ou simplesmente Pavanello, como é conhecido o presidente dessa resistente torcida noroestina. Dentre tantas outras já existentes, a Sangue persiste, sendo a única legalizada. Para adentrar o ônibus a única exigência é o pagamento de R$ 10 reais e dá-lhe estrada. Com meia hora de atraso, para não deixar ninguém para trás, a saída pelas ruas de Bauru se faz com muitos nas janelas, entoando os costumeiros gritos de qualquer torcida: "A Sangue-Rubro é jogador de arquibancada. A Sangue-Rubro nunca pára de torcer. Ôôô (...) Norusca vai jogar e eu vou. Norusca é minha vida".
Vou fazendo o reconhecimento do pessoal. No fundo, com um grande isopor no corredor, Juraci vende cervejas e refrigerantes. Surge um papel, logo colado na parede: Não aceitamos cheques. Seu estoque mal dá para os primeiros 30 km, pois ao passar pelo trevo de Iacanga, a cerveja já havia acabado. Muitos ali são velhos conhecidos e estão juntos em quase todos os jogos, gerando um animado bate papo. Marquinhos, filho do Geraldo é batedor de bumbo da torcida e entre risadas diz estar no "paredão", pois não é nenhum "santinho": "Já faz tempo que estou nessa situação, já venci alguns e aqui continuo. Dessa vez quem vai me fazer companhia é a Priscila, nossa musa".
Priscila Silvana Garcia é da nova geração de torcedores e faz parte de uma facção recentemente criada, a Comando Feminino. Loira, muito sorridente, traz faixa para fixar no estádio e outras colegas consigo. Quando o pessoal do fundão resolve jogar um carteado, recorrem a ela, pois pelo visto, nunca esquece de trazer o baralho. O jogo começa com o barulho de praxe e ela está entre as duplas. Nisso, algumas coisas são oferecidas entre os bancos, como um aparelho de MP3 por R$ 30 reais e uma camisa preta do Norusca, pelo mesmo valor. Jogatina encerrada, José Fernando Gomes Brumati, o Fernadão, um parrudo e divertido torcedor do Bauru 16, começa a vender uma rifa por R$ 2 reais o número. O prêmio é a nova camisa oficial da torcida. Tudo é vendido rapidamente e por ironia do destino, ganho a camiseta logo na primeira viagem. A recebo das mãos do Pavanello e logo visto o novo fardamento.
As histórias não param de ser contadas. Numa delas, Pavanello lembra uma excursão onde o Marquinhos estava atrasado: "Ele sem telefone, sem cartão, liga a cobrar para a então rádio 710, que ficava aqui junto ao estádio. Quem atende é o Zé da Barca, o responsável pelo esporte e o Marquinhos folgadamente pede para avisar para o esperarem, pois está a caminho. E ele veio me avisar. Coisas desse tipo só com o nosso pessoal". Num outro banco quem chama a atenção é Kelly, 6 anos, acompanhada do pai e já integrada ao grupo, pois a galera até "pega devagar" nos palavrões, tudo pela sua presença e a de outras mulheres. Na passagem pelo pedágio em Catanduva ouço de um deles: "Seu Damião (Damião Garcia, o presidente do clube) costuma vir na frente, paga para a gente. Ele ajuda muito nossa torcida". Na parada, pouco antes da chegada é inevitável o troca-troca das comandas no restaurante. Nem todos participam dessa aventura e ao final, entre risos, os que dela se beneficiaram comemoram entre si.
Pouco a pouco vou reconhecendo outros integrantes do troupe, como um professor da USC, um instrutor aposentado do SENAI e uma figurinha das mais carimbadas em várias atividades da cidade, seu Raja Mattar, 65 anos, frequentador assíduo dessas viagens: "Estou nessa faz tempo. Não gosto de ficar em casa. Prefiro vir conferir ao vivo e me dou bem com todo mundo, estou mais do que enturmado". Logo a seguir chegamos na frente do estádio Anísio Haddad, com uma hora antes do início da partida. Pavanello com os anos todos de janela, tenta resolver um probleminha com a entrada dos instrumentos no estádio: "Enviei tudo certinho, com bastante antecedência e quando vieram demonstrar desconhecimento, saquei das cópias de minha pasta e resolvi tudo. Pra cima de mim, depois de tudo que já passei, aqui não, sei todos os procedimentos". Ele é mesmo bastante prevenido e além de coordenar tudo pessoalmente, confere a entrada dos instrumentos, das faixas e dos uniformizados com carteirinha de torcedor. Traz consigo uma pasta, cheia de documentos, pronto para tudo e dela não se separa.
Outros chegam de carro e se juntam ao grupo, num total de umas sessenta pessoas. O estádio é amplo e está um tanto vazio, recebendo um público de aproximadamente mil pessoas. A situação do Rio Preto não favorece a vinda de muitos torcedores, pois em sete jogos, empataram um e perderam todos os outros. Ficamos no lado oposto das tribunas, eles do lado de lá, nós do de cá. Bem acomodados, faixas estendidas, a TV Tem local vem até o grupo e faz entrevistas com a garota Kelly e com a Priscila. O batuque não pára e perdura por quase todo o jogo. Rojões estouram bem depois do time deles entrar em campo, gerando um comentário ao meu lado: "Um time que não acerta nem o momento exato de estourar os rojões merece mesmo o lugar onde estão".
O jogo já tinha lá os seus dez minutos quando uma grande faixa da torcida organizada deles, Os Fanáticos é fixada, gerando outro comentário: "Que raios de fanáticos são esses que chegam só agora. Fanático mesmo chega bem antes". Às 8h, quando termina a transmissão da Hora do Brasil, a rádio Metrópole AM começa a transmitir e todos com radinhos entram na sua sintonia. No intervalo, quatro dos nossos, tiram a vestimenta vermelha e a paisana vão buscar cerveja no bar do estádio, bem no meio do aglomerado deles. A vendida do lado de cá, sem álcool não havia agradado a rapaziada. Outro da torcida, o batuqueiro Shell, reencontra um conhecido e engatam uma conversa sobre uma pescaria. O papo vai longe até ser chamado às pressas: "Voce veio aqui para batucar ou pescar?"
Aos 22' do segundo tempo, sai o gol do Noroeste, creditado para Otacílio, o artilheiro do time e do campeonato. Nem a festa se acalma e ele mesmo faz o segundo. Festa total na torcida, principalmente para um sósia do jogador que, entre nós, faz o maior sucesso. A torcida animada canta, puxada por Geraldo, parodiando um velho samba: "Explode coração na maior felicidade. É lindo, meu Noroeste, sacudindo o coração dessa cidade". O jogo termina 2x0 e para sair do estádio, só esperando toda torcida deles ir embora. Na saída, Pavanello nos conta que foi procurado pelo chefe do policiamento: "Ele me pediu para não pararmos em lugar nenhum na cidade, irmos embora direto, pois não queria problemas".
E assim foi feito. Todos no ônibus e dá-lhe estrada. Pavanello senta com a turma do fundão, o Urutu, o Uau-uau (dono de uma perua de lanche com esse nome), o Fernandão, o Gera, o Marquinhos, eu e outros. Vão surgindo histórias e mais histórias, todas de antigas viagens. Merecedoras de um texto à parte. A parada num posto acontece a contragosto de Pavanello que, queria chegar antes da meia-noite em Bauru e avisa sobre o problema das comandas: "Cada um sabe muito bem o que faz. Ninguém aqui é criança. Quem entra numa errada por causa disso, não espere minha ajuda". Ele ainda tem que buscar os retardatários no restaurante e tudo prossegue, com mais e mais histórias. Por volta das 0h40 chegamos e tudo fica mais ou menos acertado entre eles para estarem no sábado no jogo em Bauru, contra o Bragantino e no outro domingo, viajarem para São Paulo, contra a Portuguesa.

LEGENDA DAS FOTOS:
5280: Geraldo, de azul e a turma do fundão / 5281: Marquinhos, o cartaz, Juraci e seu pequeno comércio / 5284: Priscila do Comando Feminino / 5290: Recebo a camisa oficial do Pavanello / 5294: A galera na parada antes da chegada / 5297: A aglomeração defronte o estádio / 5305: Seu Raja, de branco entre os torcedores / 5309: O sósia do artilheiro Otacílio faz sucesso / 5315: Pavanello contando histórias na viagem de volta.
Henrique Perazzi de Aquino - escrito em 09/02/2008.

3 comentários:

  1. Valeu Aquino...fui conferir o seu blog e ele ta legal pra caramba....com muitas fotos e boas por sinal.Continue assim...divulgando as coisas da torcida ,do Noroeste...enfim tudo o que de Bauru. Eu tambem gostei daquela do carnaval .....alias melhor e com detalhes da que eu vi da imprensa de Bauru pela internet.Vou procurar conferir sempre o seu blog.Abraco.

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  2. Puxa, que legal esse texto. Não sou tão noroestino assim, mas me vi lá com essa galera toda.
    Foi muito legal.
    Carlos da Penha

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  3. Bons tempos, viagens maravilhosas, amigos respeitadores e nosso Norusca sempre na ativa, saudades.

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