UM ENCONTRO NADA CLANDESTINO
Um acontecimento como o da noite de 06/06, sexta, se ocorrido durante os nefastos anos da Ditadura Militar, seria, além de clandestino, algo que certamente geraria prisões generalisadas, pois encontro de “comunistas” gerava, quando não “cana dura”, até chacinas. Hoje, felizmente, os tempos são outros e dentro desse clima, aproximadamente umas 60 pessoas estiveream reunidas na Fazendinha, um amplo espaço dentro do Recinto Mello Morais, em Bauru, para uma confraternização pela despedida de Arcônsio Pereira da Silva, 92 anos, que estará de mudança da cidade nos próximos dias. Reunir aquele eclético grupo foi trabalho de semanas para o grupo organizador (PC do B e PSB), estando todos, em primeiro lugar, reverenciando o velho comunista e depois, aproveitando para manifestar algo bem próprio do grupo, a defesa do slogan “A luta continua”.
Um acontecimento como o da noite de 06/06, sexta, se ocorrido durante os nefastos anos da Ditadura Militar, seria, além de clandestino, algo que certamente geraria prisões generalisadas, pois encontro de “comunistas” gerava, quando não “cana dura”, até chacinas. Hoje, felizmente, os tempos são outros e dentro desse clima, aproximadamente umas 60 pessoas estiveream reunidas na Fazendinha, um amplo espaço dentro do Recinto Mello Morais, em Bauru, para uma confraternização pela despedida de Arcônsio Pereira da Silva, 92 anos, que estará de mudança da cidade nos próximos dias. Reunir aquele eclético grupo foi trabalho de semanas para o grupo organizador (PC do B e PSB), estando todos, em primeiro lugar, reverenciando o velho comunista e depois, aproveitando para manifestar algo bem próprio do grupo, a defesa do slogan “A luta continua”.
Por volta das 19h começam a chegar os primeiros convidados e o encarregado de buscar Arcônsio e a esposa Zuleide em casa, Darcy Rodrigues, nosso velho conhecido, é um dos tais revolucionários de carteirinha do encontro. Um churrasco regado a chopp estava à espera de todos, conseguido através de doações variadas e uma arrecadação feita ali mesmo, com o chapéu correndo entre os presentes. O cenário estava montado e o local enchendo aos poucos. Nem todos ali poderiam ser considerados de esquerda, tendo também entre os presentes, aqueles que não conversam entre si, mas se toleram. Porém, todos possuem algo em comum, nutrem um admiração indisfarçável pelo homenageado.
Arcônsio, além de circular de mesa em mesa, recepcionar os que iam chegando, mesmo quando sentou para comer e bebericar algo, não parou de cumprimentar as pessoas. Paralelo a isso, rolava uma animada conversa, motivada pela presença de duas estudantes do curso de Jornalismo da UNESP, Lydia Cintra e Gabriela Mendes, ambas com 21 anos, formatando um projeto de contar a história da resistência ao golpe militar em Bauru. Muitos dos que efetivamente estiveram à frente nessa resistência estavam ali presentes e foi um prato cheio para elas. As conversas propiciaram uma volta ao passado em todos os grupos formados e isso dominou a fria noite.
O mais animado de todos era Raphael Martinelli, diretor do Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de SP e uma espécie de militante vitálicio dessa causa. Conhecido por todos, com seu jeito irriquieto, conversava e discutia todos os assuntos e por ser um inveterado contador de histórias, com sua memória invejável para os seus 84 anos, fez questão de ressaltar algo envolvendo o ex-prefeito Nilson Costa, também presente, que nos anos 60 foi um importante sindicalista ferroviário, trazendo fotos do período, que circularam de mão em mão. “Falam dele, de sua atuação atual, mas não podemos esquecer que naquele duro período, participou de greves históricas, esteve em Cuba, falou bem da ilha e não negava fogo”, enfatiza dissipando comentários sobre a presença do ex-prefeito.
Darcy sentou ao lado de três ilustres convidados, vindos de longe, Oswaldo Lourenço, portuário de Santos, Francisco Teixeira, ferroviário de Osasco e Francisco Prado, o Chicão, do jornal Fórum. Ficou ao lado deles quase o tempo todo e o papo deve ter sido dos mais animados. O senta-levanta na mesa marcou muita gente e esses quatro de lá não arredaram pé. Um dos que passou bom tempo por lá foi o advogado Joaquim Mendonça, que ao levantar saiu dizendo: “Esse time é da pesada. Somando deve ter uns 600 anos, 50 de cadeia e mais uns 500 km de corrida da polícia”.
Dentre os que circularam de mesa em mesa estava Rodrigo Agostinho, candidato a prefeito da única coligação de esquerda montada para o futuro pleito na cidade e Arthur Monteiro Jr, jornalista e advogado, um reconhecido defensor e militante das causas sociais. Nos últimos tempos, esteve envolvido com a montagem de um espaço para manter viva a memória de um ilustre militante da esquerda, Alberto de Souza, que se vivo, estaria completando em agosto, 100 anos de vida. “Será a melhor data para inaugurar a casa e para isso conto com a ajuda da Secretaria de Cultura, num trabalho em conjunto”, ressalva Arthur, que também relembra fatos vividos quando da vinda de Luiz Carlos Prestes a Bauru: “Imagine eu ao seu lado, jovem, transportando-o em meu carro e sem poder fazer nenhuma tietagem. Fiquei radiante quando Prestes teve que optar entre ir a casa de um figurão e rever o amigo Alberto. Me disse se não importaria em ligar e desmarcar o encontro com o figurão. Claro, fiz aquilo rapidinho e fomos juntos visitar a casa do velho militante, que havia combatido com ele na Coluna Prestes”.
Histórias como essa rolaram de mesa em mesa. Cada um tendo a sua para contar. Numa outra roda, o professor e militante da esquerda católica, Isaías Daiben, relembra fatos do seu período estudantil, ao lado de Milton Dota, advogado com reconhecido passado na defesa dos Direitos Humanos e de perseguidos políticos. “Essa minha geração, a que está aqui, não aguenta essa música do Zeca, a tal de deixar a vida te levar. Uma (*) para isso”, soltando um palavrão e gesticulando para as duas universitárias. “Veja essa geração de meninos, suas inscrições nos muros. Eles estão querendo nos dizer algo. Tem um que grifa o seu nome pela cidade toda. Encontrei um desses e perguntei dos motivos de fazer isso. Me disse que queria destruir a cidade. Quando lhe disse que também queria, ficou sem entender, mas ambos estamos sem espaço de expresssão e indignados”, reflete o professor. Passando a bola para Dota, esse relembra fatos vividos no famoso Congresso de Ibiúna, do qual esteve presente e de quando, chamado a delegacia, para liberar um militante, quase acabou ficando por lá: “Por pouco não me atraquei com o delegado e talvez fosse morto ali mesmo. Foi por pouco. Sai dali e fui ao jornal, conseguindo uma manchete na capa do dia seguinte denunciando o fato. Não foram tempos fáceis”.
Num certo momento, tudo parou para as homenagens à Arcônsio e quem fez as honras da casa foi a vereadora do PC do B, Majô, chegando a chorar ao ler o que havia escrito num cartão. Leu tudo em voz alta, pedindo para todos os presentes assinarem juntos o cartão, sendo entregue a ele com alguns mimos, como dois quadros com fotos tiradas dele, num passeio de trem semanas atrás e uma camisa, claro, da cor vermelha. Até a esposa Zuleide não ficou sem presente, ganhando um vaso de flores. Lá do fundo chega uma observação sobre os presentes: “Esse PC do B bate em todos nós pela organização, pensaram em tudo”. Foi o toque feminino do encontro. Nisso chega o fotógrafo do Jornal da Cidade e todos se juntam para novas fotos com o grupo todo reunido. Muitos fizeram uso da palavra e enfatizaram a luta do militante e a necessidade de não esmorecerem diante das adversidades. Dando um fecho, ecoa lá do fundo os acordes da Internacional Socialista, com a maioria cantando de forma entusiasmada.
Quem chega por último é o professor Geraldo Bérgamo, só após o encerramento de suas aulas na UNESP. Circula por todos os lados, com uma desenvoltura e tendo na mão, um inseparável copo de chopp. “Chegará o momento em que militará no partidão e acho que esse dia está chegando”, me diz quando me aproximo para um abraço. Outro, que circula com desenvoltura é o vereador Marcelo Borges, do PSDB, antigo militante estudantil: “Aqui todos são meus amigos, gosto de todos e conheço a história de quase todos. Não tenho porque não estar aqui nesse e em outros momentos. Militei junto da maioria”.
Quem chega por último é o professor Geraldo Bérgamo, só após o encerramento de suas aulas na UNESP. Circula por todos os lados, com uma desenvoltura e tendo na mão, um inseparável copo de chopp. “Chegará o momento em que militará no partidão e acho que esse dia está chegando”, me diz quando me aproximo para um abraço. Outro, que circula com desenvoltura é o vereador Marcelo Borges, do PSDB, antigo militante estudantil: “Aqui todos são meus amigos, gosto de todos e conheço a história de quase todos. Não tenho porque não estar aqui nesse e em outros momentos. Militei junto da maioria”.
Quando o relógio se aproxima das 23h, Arcônsio denuncia os primeiros sinais de cansaço e pede para ir embora, quer descansar. Seu último pedido, atendido pelo músico Gilson Dias foi para guardar uma das faixas expostas no salão. “Retire para mim a faixa que me pede para voltar. Quero guardá-la, pois também quero voltar e declaro isso antes mesmo de partir”, diz emocionado. Os últimos se vão por volta das 24h, ficando até aquela hora em volta do barril de chopp, que insistia em não terminar.
Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 07/06/2008
Olá querido!
ResponderExcluirQue delícia ler a MO.41. muito obrigada por este presente.
Você esta escrevendo cada dia melhor.
Bjs
Rosa Maria Morcelli - Cuiabá
Olá Henrique, tudo bem????? Te agradeço por me mandar mais um "Memória Oral", este especial sobre a despedida do companheiro Arcôncio. Fiquei deveras triste por não ter podido participar desta linda festa de despedida para o velho comunista que vai se mudar para Rio Preto. O Pedroso me mandou o e-mail, com antecedência, me convivando para o evento, mas eu já tinha agendado uma reunião em sampa, com o Conselho Estadual da Comunidade Negra para a sexta-feira, dia 06. Ainda bem que vc fez a cobertura da festa e está brindando os seus amigos leitores do Mafuá (Memória Oral). Grande abraço,
ResponderExcluirAdemir Elias
Prezados: embora nunca tivesse engajamento político e também nunca participado de atividades envolvendo causas de interesse nacional sob esse ponto, talvez por ignorância ou por opção por outras atividades, sempre fui bem intencionado e também querendo o melhor para nossa cidade, Estado e País. Hoje me vejo a valorizar atitudes de todas as formas, desde que em benefício do bem comum.
ResponderExcluirNão há mais razão para discutirmos agora se devia ou não eu estar participando deste ou daquele lado ideológico, desta ou daquela facção política. Não dá para voltar o tempo.
Fui presidente do Diretório Acadêmico "9 de Julho" da Faculdade de Direito naqueles tempos e pensava em proporcionar abertura a diálogos.
Meio sem entender bem a profundeza do confronto ideológico, na condição de líder estudantil trouxe a Bauru, para uma palestra, o então Ministro Jarbas Passarinho, porque isso fazia parte do programa da faculdade. Mas não o fiz sem que estivesse a contrapor, ao evento, o então Bispo de Bauru, Don Cândido Padin, o mais respeitado da história da igreja católica nas lutas sociais e políticas do Brasil em seu período mais "quente". Foi uma noite memorável e o conteúdo das discussões devem ter elucidado muito os jovens estudantes ainda sonhadores de um Brasil melhor para todos. Lembro-me bem das palavras ditas a mim, particularmente ao final, pelo então bispo de Bauru, que não cabe aqui comentar.
Promovi o encontro de 3 chamados "terroristas", a cuja denominação não concordava e não concordo: Massafumi Yoshinague, Rômulo Augusto e Marcus Vinícius, pensando em abrir o diálogo aos jovens no momento mais conturbado de nossa história política Hoje confesso que, sob orientação do DOPS da época, a única condição quanto as perguntas, era não tocar no nome de Dom Helder Câmara. No mais, devia eu ler todas as perguntas aos três jovens idealistas fossem elas de qualquer sentido. E promovemos um diálogo com direito a duas sessões com destaque no Jornal Nacional. Minha proposta particular com relação ao evento era proporcionar a paz naqueles tempos áureos e ver menos jovens mortos. Acho que o evento evitou algumas delas por confronto com os militares da época.
Eu pensava, na condição de presidente do Diretório Acadêmico, que o foco era criar um departamento para estágio aos alunos da faculdade e, àquela época, montei o meu tão sonhado escritório jurídico, para estágio de alunos e atendimento a carentes, passados por careação quanto a condição econômico-social, pelos alunos da Faculdade de Serviço Social da ITE. E muitas ações foram feitas nesse sentido, das quais me orgulho.
Com o passar do tempo, por ironia do meu destino, vim a ser o Diretor Comercial do Diário de Bauru, em cuja época me defrontei muito com o Nasralla, então editor-chefe e hoje meu querido amigo. Nós dois tínhamos a mesma intenção, porém com atitudes não compreendidas de um para com o outro. Mas tenho o orgulho de ter lutado por quase cinco anos para que Bauru tivesse dois jornais e ninguém mais do que vocês sabem do quanto é difícil participar de um veículo de comunicação que não comungava ou não comunga com pensamento ou ideologia dos anunciantes (empresários).
Foram anos difíceis e só eu sei o quanto lutei. Isso depois da venda do querido DB de Dolirio Silva para um grupo de qual também ele próprio fez parte, porém vendendo o equipamento gráfico a um importante político do nordeste. Daquele período, apenas dois dos sócios encararam de frente a difícil missão de manter o jornal em pé: Duda Trevisani e Moussa Tobias. Muitas vezes fui intimado a fechar o jornal por sua situação econômico-financeira e sempre respondi com a pergunta: "quem assina o último editorial?". Com isso o jornal continuou com sua missão por muito mais tempo.
Acho que à minha maneira fiz minha parte.
E hoje, ao ver o artigo do Henrique, fiquei emocionado e consegui ver toda a luta de um grupo que acreditava e acredita num modelo de gestão ao Brasil, com engajamento a demais países da América Latina, especialmente de comunicação pela língua hispânica.
Helder Gadotti e um grupo foi conversar comigo no então "Vale do Igapó", no sentido de convidar-me para ser o vice do então candidato a prefeito de Bauru, Edson Bastos Gasparini. Eu estava no auge dos meus trinta e poucos anos e sempre com muito dinamismo sendo reconhecido através da mídia, que me dedicava amplo espaço (as coisas são assim mesmo). Acredito eu que, pelo ponto de vista estratégico, o grupo precisava de alguém jovem e com espírito empreendedorista para melhorar as condições de comunicação para com a população, formando aquela química que vocês entendem bem em termos políticos. Não aceitei até porque não tinha meus olhos voltados para esse importante setor. Dias depois vi anunciado o nome de Tuga Angerami, então professor da UNESP, naquela condição que eu rejeitara. O resto da história vocês sabem muito bem. Talvez, caso dissesse um simples sim, e estava eu gozando da alegria de todos que vi nas fotos que incluo na simples apresentação que fiz e anexo, como forma de homenagem não só ao Sr. Arcônsio Pereira da Silva, que se despede de Bauru, mas a todos que lutaram por sonhar com um Brasil mais humano, de oportunidades idênticas a todos e com muita equiparação sob o ponto de vista social.
Caminhei por outras estradas, mas tenho também minha consciência tranqüila, pois sempre tive a melhor das intenções.
Passados os anos e vim a implantar em Bauru o sistema de televisão a cabo, que hoje proporciona possibilidade de vermos canais de televisão do mundo todo. O então Prefeito Tuga Angerami, em seu discurso, não escondeu sua preocupação com relação a possibilidade de brasileiros assimilarem costumes de outros países, vindo a perder a nossa originalidade. Entendi o recado e lutei (só eu sei como), para ter o canal local, ajudar ao máximo na implantação da TV Câmara, insistir e possibilitar que a TV Preve viesse a ser recebida pelos assinantes, lutei pelo canal aberto às universidades e, quanto a esse período, tenho como testemunha o meu amigo Zarcillo Barbosa, que à época fiz questão de ter como meu conselheiro direto de ações. Hoje estamos aí com os canais do legislativo, do judiciário, das universidades, o comunitário e tantos outros a cobrir fatos locais e com mais audiência talvez que os próprios canais internacionais.
É isso aí meus amigos. Parabenizo a todos vocês pela amizade que restou depois de tanta luta e muito mais do que isso, por acreditarem num mundo escrito em um livro que ainda não li (que pena).
Um forte abraço a todos e espero que gostem da apresentação que ora anexo. Foi a forma mais sincera de lhes proporcionar minha homenagem.
Renato Senis Cardoso
Delegado Regional de Turismo de Bauru
14 3313 8738 - www.vivendobauru.com.br
(OBS.: Eu, HPA, publico esse textão do Renato aqui nos Comentários, a seu pedido)
Um abraço meu amigo. Vc conseguiu abrir o power point que fiz com seu texto? Caso não esteja de acordo me avise.
ResponderExcluirGostaria Muito que vc fizesse chegar aos meus amigos da "esquerda", de quem nunca me aproximei muito mas por quem tenho o maior carinho.
Faço com esse sentimento chegue ao Dotta, Ao Isaias, à Majô, ao nosso homenageado e tantos outros.
Eu nunca fui nem daqui e nem dali e, entre nós, um pouco encantado com as coisas acabei sendo presidente de rotary, diretori do tênis da hight, mas sempre querendo o melhor para todos. Hoje estou mais reflexivo, tenho lido muito e tenho aumentado o meu amor pelas pessoas.
Faça com que saibam que fiquei encantado com as histórias de todos, mesmo porque ai de quem não tem história.
Fiz todas as viagens de todos relatados por você e senti todas as emoções. Um forte abraço e tenha no Vivendo Bauru um veículo para publicar o que vc quiser. Viu que mandei para todos os senadores do PT e outros partidos mais à esquerda?
Abraços
Renato Cardoso
(www.vivendobauru.com.br)