segunda-feira, 11 de agosto de 2008

MEMÓRIA ORAL (44)

PRENÚNCIOS DE UMA SANTA DESAVENÇA
A praça Rui Barbosa, localizada no coração da cidade de Bauru é palco dos mais democráticos. Ali acontece regularmente de tudo, desde feiras de artesanato, quermesses, shows artísticos variados e atos religiosos provenientes dos mais diversos cultos. Faz parte do bom senso que tudo aconteça em separado, primeiro para não tumultuar e depois, para que não ocorra o confronto de tribos distintas. Na grande maioria das vezes tudo ocorre exatamente dessa forma, porém existem aqueles eventos onde, por algum descuido qualquer, acabam sendo marcados e autorizados para a mesma data. E quando isso acontece, só mesmo por Deus, para que acabe dando tudo certo.

No sábado, 09/08 algo desse tipo acabou se sucedendo. Um evento da igreja católica, A “Concentração da Família" estava confirmado para ocorrer na praça das 9 às 16h, com apresentação de bandas carismáticas e aparelhagem de alta potência. Para o mesmo local estava também confirmado para às 14h, o evento “Axé na Praça”, em comemoração aos 100 Anos da Umbanda. Ambos estavam autorizados. Quando perceberam a dupla autorização, os realizadores decidiram de comum acordo selar um pacto de respeito mútuo. O evento católico sofreria uma pequena interrupção para ocorrer o da umbanda. Não mais que uma hora, retornando logo a seguir. Tudo combinado, chega-se ao dia do evento.

Na montagem das estruturas começa a ser notado um certo tipo de problema. Ambos instalam sua aparelhagem em lados distintos na praça, um de cada lado do coreto, de costas para o outro. Não existe entendimento para uso coletivo da aparelhagem de som. Para alguns, os problemas começaram aí, para outros, etapa superada. Enquanto um prossegue com as apresentações, o outro inicia a testagem do seu som. As lideranças voltam a conversar. Continua selado o acordo do católico dar um breque para o umbandista fazer sua apresentação. Na prática, não é bem isso o que ocorre. Os que já estavam tocando não estão dispostos a parar de fazê-lo e insuflados por alguns, não param mesmo. O outro, na aglutinação dos seus convidados, demora mais do que o combinado para iniciar a apresentação. O tempo passa, uma banda ensaia em tom alto de um lado e do outro, a testagem de som dos atabaques também eleva seus decibéis. Religiosos favoráveis a um e outro se concentram de cada lado.

Novas conversas são realizadas, mas em nenhum momento o som de um é totalmente desligado para que o outro inicie o seu. Num certo momento, tudo se acirra e ambos anunciam suas apresentações, elevando o som à máxima potência. Não haveria mais acordo. A praça está literalmente dividida, com cada participante procurando entoar seus hinos em alto e bom som. Novas tentativas são realizadas para que se tolerem, mas a partir desse momento, a praça convive por mais de uma hora com algo inusitado, demonstrando como são os novos tempos, onde a falta de tolerância é um fator determinante. Sinal dos sombrios tempos, que muitos achavam não possíveis por aqui, mas que pipocam por todos os cantos, cada vez com maior intensidade.

“Fui católico durante um tempo, depois umbandista, vivenciando ambos e hoje estou mais cético do que nunca. O motivo é isso que presencio aqui. Não acredito mais na religião em si, ela deixou de pensar no ser humano e hoje, pensa só em si própria, na sua sobrevivência, não enxerga seus próprios defeitos. A história da religião no mundo é de muita intolerância e ela tende a se acirrar também no Brasil. Isso aqui é uma amostra do que virá por aí”, relata o professor de História aposentado e artesão, Alfio Giovanetti, que está na cidade há apenas 3 anos e como participante da FICAR – Feira das Administrações Regionais, vivencia a rotina da praça. “Da forma como aconteceu hoje eu ainda não havia presenciado”, conclui o professor. Outro participante da mesma feira e com a mesma perplexidade é Vicente Carlos, de Piratininga, artesão de pães. “Não se ouve nada e essa falta de entendimento é bem fruto dos desentendimentos do mundo atual, onde o diálogo acaba sempre perdendo. Não dá para concordar com intolerância”, diz Vicente.

Do palco, um jovem músico católico grita slogans sobre paz, união, justiça e solidariedade, enquanto do outro lado, nada deve ser muito diferente. Tudo em nome “dele” e para “ele”. Os que passam pela praça acabam levando um grande susto ao se deparar com a divisão. Nenhum desses entende como tudo começou e mesmo sem tomar conhecimento das culpas, emitem suas opiniões. “Na Bahia, os umbandistas lavam as escadas da igreja da Penha. Ambas religiões são fraternas uma com a outra. Não entendo como pode acontecer algo assim por aqui e na verdade, nem quero saber”, disse o professor José Henrique Antonini, o Dinho, que pouco quis ficar, pois alega sentir-se mal e um tanto humilhado com que estava presenciado. Outro que passou pelo local foi o professor Rubens Colacino e ao se deparar com o desencontro, meio que já prevendo algo desse tipo nas relações religiosas, saca de um folheto distribuído por ele, seguindo os preceitos do Espiritismo. “Algumas religiões são discriminadas há seculos nesse país. Necessitamos ser mais tolerantes e respeitar nossas raízes culturais, principalmente as da identidade dos povos indígenas e negros do Brasil. Quando falta o diálogo fica difícil”, diz.

Naquele exato momento, monsenhor Almir Cogiolla, que acaba de completar 50 anos de sacerdócio, sobe ao palco dos católicos, faz uso do microfone para incentivar os seus, na qualidade de dirigente da Pastoral da Família, falando em paz, amor, união e solidariedade. Do outro lado, atento ao discurso dos umbandistas está o jornalista Nilson Avante e diante de tudo, emite o seu parecer: “Gosto muito do hino da Umbanda, quando faz uso da palavra Avante. Claro, que pelo uso do meu sobrenome, depois por incitar todos a irem sempre em frente. É assim que deve ser”. Cada um tem lá seus motivos e razões. Ouvir os dois lados e não ser convencido é difícil. A ocorrência poderia ter acontecido com qualquer outro segmento religioso e procuro não entrar no mérito do lado certo ou errado. O questionamento é sobre uma provável falta de sensibilidade, muito em evidência hoje em dia nos mais diferentes setores, inclusive no religioso.
Os desencontros na praça não tiveram maiores conseqüências. Com o fim do ato umbandista, eles se dispersaram, o espaço reservado a eles foi esvaziado e os carismáticos católicos prosseguiram com o seu. Logo a seguir ocorre uma pausa, espécie de intervalo. A praça volta ao normal e os remanescentes tentam ainda entender como se processam esses desacordos. O estilista Roberto Godoy, morador das imediações da praça, passa por lá quando tudo está normalizado e ao ficar sabendo de como tudo ocorreu, dá o tom para encerrar o assunto: “O que será que o lá de cima achou disso tudo?”. Fechando a questão, lembrei-me de uma música de Edvaldo Santana (Pra viver é sempre cedo) quando diz: “Não quero ser um crente com medo do senhor/ Pois Deus não deu patente pra padre ou pastor”.

Henrique Perazzi de Aquino, 11 de agosto de 2008.

5 comentários:

  1. meu caro amigo
    H.P.A. seu artigo está otimo,democratico,esclarecedor e informativo, nao posso deixar de mandar uma pimentinha nisso tudo:

    de fato é o ópio do povo
    embriaga as multidões
    quem procura pelo em ovo
    encontra nas religiões.
    ---------------------------
    espirito santo dos ateus
    protegei-me de toda forma de religiao
    nao permita que eu caia nas maos dos avarentos
    que criaram um deus para te-lo como fontede renda
    espirito santo dos ateus protegei-me contra os protestantes que ja nao protestam mais,pois criaram um deus unico e mil maneiras de interpreta-lo
    espirito santo dos ateus protegei-me contra os catolicos que amam deus sobre todoas as coisas e alguns dogmas sobre todos os deuses espirito santo dos ateus conservai-me livre de todas as formas de fanatismo e hipocrisia
    para que consciente e altivo eu possa respeitar o proximo como parte integrante da natureza da qual fui sou e serei parte para todo o sempre amem .

    UM GRANDE ABRAÇO DO
    LÁZARO CARNEIRO

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  2. meu caro
    Deu para perceber quem discrimina e que é discrinimado.
    Foi sútil, mas não deu para esconder.
    R.B.L.

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  3. olá, amigo Henrique...
    Pois é...se o homem não fosse tão egoísta acho q Deus não teria mandado seu filho prá nos salvar de todos os pecados e deixar algumas pessoas encarregadas de falar por Ele, criando assim as Religiões...
    Isso não deveria acontecer...
    Acho q cada um com sua crença, com seu partido político e seu time de futebol...
    E q não precise falar ao outro...
    Fique cada um com o seu!!!
    Beijos
    MADÊ CORRÊA.

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  4. Caro amigo Henrique: lendo sua matéria jornalistica, fiquei simplesmente
    atordoado como acontecido, todavia,q afirmar ao precaro companheiro
    q "Deus deve ficar observando o q seus filhos fazem na terra". Lendo a
    biblia Sagrada , não há ensinamentos voltados para comportamento como
    vc. presenciou, mas "os homens" guiados não sei pq. comentem atos que na
    verdade não agradam a Senhor Criador de todas as coisas q há na terra.
    Quero dixer q conheço sua pessoa e, vc agiu da forma mais democrática
    possível a fim de resolver um impasse deste tamanho!!
    Um forte abraço, amigo HenriqueP.Aquino.
    Att.
    Gaspar Moreira

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  5. Oi Henrique,
    Confesso que fiquei estarrecida, não dá para acreditar que num momento onde pessoas bem intencionadas, a exemplo do amigo Ricardo Barreira, que vem fazendo um trabalho belíssimo, que deu a cara para bater, corajosamente e hoje colhe os frutos deste trabalho, depare-se com um ato "besta" como esse.
    Só tenho que lamentar e torcer muito para que as pessoas entendam que a falta de AMOR e TOLERÃNCIA e atos como esse é que geram esta violência escancarada em todos os níveis da sociedade.
    Parece que banalizaram tudo isso...que pena!!!
    Como disse o amigo Gaspar, DEUS está olhando tudo.
    Um abraço, com carinho,
    luiza

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