UM EMPATE TÉCNICO: IGREJAS 12 X 12 BARES
Sinceramente, eu sempre tive uma antiga curiosidade, sanada há duas semanas atrás com o auxílio do filho, Henrique Aquino, 14 anos, quando numafinal de tarde dominical, saímos pelas ruas do Núcleo Residencial Gasparini (homenagem ao ex-prefeito Edison Bastos Gasparini), em busca de decifrar a charada que me atormentava: afinal, existem hoje, mais bares ou igrejas nos bairros periféricos brasileiros? Escolhi o Gasparini, em primeiro lugar, porque lá residi por quase dez anos e em segundo, por seu um lugar um tanto isolado, uma espécie de conjunto residencial localizado nos confins da cidade, como alguns ironicamente o denominam, pois está cercado de mato por todos lados. Portanto, de fácil averiguação em seus limites. O único problema é a existência de um outro bairro limítrofe, o Índia Vanuire, separado por uma rua. Deixei o Vanuire de lado e circulamos, rua por rua, contando todos os visíveis bares e igrejas do lugar.
Quando criei coragem para tal empreitada, levei muito em consideração, uma frase do compositor Aldir Blanc, que numa de suas tiradas de alto teor filosófico (sic), havia sacado essa: “Buteco é Templo e lá se desenvolve a mais pacífica e prolífica das atividades humanas: jogar conversa fora”. Será que esses locais, mesmo com tudo o que as diferenciam, conseguem ter lá suas semelhanças, afinal, possuem uma legião de seguidores? Isso é a primeira coisa a ser constatada. Alguns bares estão mais do que cheios, assim como várias igrejas, numa tarde quente de domingo. Ambos os fiéis, cada um a seu modo, devem estar prestando reverência e fazendo jus a uns poucos momentos de lazer por essas plagas.
Nas duas entradas do bairro me deparo com bares, o do Banzé, bem na quina de entrada, após uma marginal ladeando a rodovia Marechal Rondon e na segunda, logo na saída da rotatória, do outro lado da avenida com as torres da CESP, quase em frente ao Posto de Saúde, o do Brecha. Olhando para direita, a primeira igreja, talvez a que ocupe maior espaço físico, a católica, Paróquia de São Brás. Naquelas imediações encontro um antigo morador, residindo por ali desde a inauguração do Núcleo, ocorrida em l982, Leônidas de Assis, gráfico, bom de copo e ruim de altar, que me afirma: “Isso aqui já foi o paraíso dos bares e hoje é o paraíso das igrejas. Onde antes se viam bares por todos os lados, hoje existem igrejas”. Será isso mesmo? É o que vim conferir, confessando, também ter a mesma impressão, feita no chamado “olhômetro”.
O motorista profissional Donizeti de Oliveira, já foi presidente da Associação de Moradores e hoje preside o Juventude/Petrópolis, o time de futebol no amador da cidade. Quando fica sabendo dos motivos de minha curiosidade, fez questão de deixar bem claro: “Não freqüento nem um, nem outro, apesar de gostar e acreditar nos dois. Busco minha bebida no mercado e bebo em casa, com a família e os amigos. Também não vou a nenhuma igreja, mas tenho minha fé, também feita em casa”. Disse que ainda não havia pensado nesse “negócio de quem está na frente, pois uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas se formos reparar, o bairro está mesmo dividido”. Diante de sua casa, naquela tarde, de um lado o samba come solto no Esquinão do Samba, com a rua lotada e 100m abaixo, na divisacom o Vanuire, a igreja Santo dos Últimos Dias lota aquela quadra com gente engravatada. São os tais dois lados da questão.
Encontro na rua o advogado Gilberto Truijo, que durante muitos anos morou no bairro, mantendo até hoje uma casa e amigos ali, mesmo estando distante há mais de 10 anos. “Acho que essa disputa deve estar pau a pau. No meu tempo pendia mais para os bares, hoje deve estar equilibrado. Dia desses fui com um amigo acompanhá-lo até a casa de um fiel arredio. Ele queria saber o motivo do afastamento. Qual não foi nosso espanto ao chegar defronte sua casa e nos deparamos com uma igreja por lá. O cara havia montado sua própria igreja”, conta Truijo. Outro que não mora mais lá é Mário Roberto Cândido, procurador público, a pessoa que mais sabe da história do bairro, possuindo vasta documentação e quase tudo na ponta da língua. “Falo com conhecimento de causa. Têm mais igrejas. Com as de fundode quintal, passam os bares. O bairro que possui mais igrejas na cidade é o Ipiranga, depois vem a Pousada da Esperança. Eu tenho dados completos sobre isso”, diz. Quando o assunto é o Gasparini, não se contém é fala mais: “O bairro possui 59 quadras, são 1228 lotes e até alguns anos atrá seram 26 orelhões lá instalados. Hoje, esse número caiu pela metade, por causa do vandalismo. Isso em toda a cidade. O processo de aprovação do Núcleo lá na Prefeitura leva o número 2068/82”. Diante de um pesquisador desse quilate, não discordo. Endosso.
Carlos Roberto Pittoli é advogado e hoje ostenta orgulhosamente em seu cartão de visitas um sugestivo “Aposentado”, ao lado de um coqueiro com uma rede estendida. Foi candidato ao governo do Estado de SP, pelo PSB –Partido Socialista Brasileiro, em eleições passadas e mora ali desde a fundação. Muitos o questionam para mudar de bairro, ele continua irredutível, já foi presidente da Associação de Moradores por dois mandatos (“sou sócio fundador dela”). Quando esclareço o motivo de estar lhe procurando, ri e diz: “Foi coleta visual?”. Digo que sim, e ele, demonstrando toda sua verve irônica relata: “É a melhor forma. Tomo minhas cachaças em casa. Você não vai me ver em botecos, mas por aqui eles devem perder para as igrejas. Só aqui perto de casa são quatro. Dia desses um cara bate no portão de casa vendendo uma revista de uma igreja. Quanto custa?, lhe pergunto. Dez reais, ele me diz. Aí não agüentei. Disse ter uma revista de Umbanda, que também vendia pelos mesmos dez reais. Ele assustado me disse: Deus me livre, não gosto de Umbanda. Por essas, achoque precisamos ser mais tolerantes uns com os outros. Não fizemos negócio”.
Não foi minha intenção procurar donos de bares e nem dirigentes das igrejas. Sondei os moradores, chegando a conclusão de que para eles, a disputa penderia para as igrejas. Não sei se desaponto alguém, mas naquele domingo, a contagem empatou. Foram doze igrejas e doze bares. Deixei de lado, três mercados e duas padarias, não adicionando-os à lista dos bares, mesmo comercializando bebidas. O fato é que, as igrejas foram ganhando terreno, porém, os bares, resistem. Na andança percebi o quanto a disputa é acirrada. Na conversa final, com o artesão e ferroviário aposentado, Chico Cardoso, realizada quando de um ensaio do Coral Artencanto, um posicionamento interessante sobre o resultado obtido. “Quando fez mesmo a contagem?”, me pergunta. “Duas semanas atrás”, respondi. “Se fizer novamente, já deve ter desempatado, mas mesmo assim, leve em consideração que a partida ainda não acabou”. Dessa forma, para mim, dou por encerrada a contenda.
Precisamos abrir mais bares no Gaspa então.
ResponderExcluirNico
Que coisa boa saber que há mais pessoas se libertando se seus vícios alcoólicos e procurando uma forma de vida mais voltada à família!
ResponderExcluirCelso Fonseca
Muito bom, gostei...
ResponderExcluirMuricy
O que seria das igrejas de hoje em dia se não houvesse os bebuns??
ResponderExcluirCaro companheiro Henrique: continuo a descobrir seus talentos, sua pesquisa é pura
ResponderExcluirrealidade,falo como evangélico.Parabéns sua pesquisa enriquece meus conhecimentos.
Abço.
Gaspar Moreira