sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

MEMÓRIA ORAL (49)

CALDAS - O PONTO DE ENCONTRO DE UMA CIDADE
Caldas fica 30 km distante de Poços de Caldas, a famosa estância hidromineral, localizada no sul de Minas Gerais. Sua população deve girar em torno de uns 10 mil habitantes. A principal fonte de renda continua sendo a agricultura, mas de uns tempos para cá, os laticínios e as fábricas de doces caseiros estão ocupando espaço e fornecendo muitos empregos. O lazer não é tão variado assim. A grande distração para a população local continua sendo dar voltas em torno de uma imensa praça, por mais de seis quarteirões, indo de uma igreja a outra. No entorno da praça muitos bares, onde o movimento acaba se concentrando. Aqueles que oferecem música ao vivo, acabam por atrair um público maior. O turismo rural e a estância no distrito de Pocinhos do Rio Verde são coisas para turistas.

Num dos cantos dessa praça está localizado um antigo prédio, onde outrora funcionou um famoso Mercado Municipal. O local permaneceu aberto precariamente por muitos anos e o movimento foi caindo. Definhou de vez, até que a última administração municipal tomou a decisão de transformação do local. E tudo ficou com uma nova cara após passar por uma ampla reforma, ou melhor, um verdadeiro trabalho de restauro. Os comerciantes continuam por ali, agora respirando ares mais modernosos e de asseio. Tanta transformação acabou caindo no gosto popular.

O local virou point certo para a pequena cidade. De quinta em diante o local começa a ferver e fica difícil conseguir lugar para sentar e bebericar algo. A receita é uma só: chegar cedo. Os da cidade já sabem e demarcam seus lugares, os de fora ou se achegam a esses, ficam em pé nos balcões (algo também muito disputado) ou permanecem do lado de fora, tal o movimento. Muitos acabam por desistir, pois o local ferve. O espaço não é muito grande e permanece aberto somente o reservado para os três bares. Com pouco mais de três metros entre os balcões e a parede, por uns dez de comprimento, ali fica espremida uma verdadeira multidão.

O som ao vivo atrai. Não é novidade só dali, mas ali, naquele diminuto espaço interno, tudo fica mais apertado quando os músicos entoam os primeiros acordes, por volta das 21h. Se o local já estava cheio antes, fica uma loucura em questão de minutos. Só mesmo os proprietários dos três bares para conseguir distinguir um cliente de um estabelecimento dos demais. Pudera, por ali todos se conhecem e muito bem. Os forasteiros são logo identificados.

Estive ali com um sobrinho e sua esposa na noite de 30/01, uma chuvosa sexta-feira. Isso tudo fez com que o local ficasse mais cheio. Um jovem músico chamou nossa atenção e antes mesmo de tudo começar, por volta das 19h, após a passagem do som, senta-se conosco e quer saber: “Não são daqui, não?”. Trata-se de Tallis Teixeira Carvalho, de apenas 16 anos e tocando como nunca. “Aprendi na noite. Nunca fiz escola nenhuma de música. Venho sempre aqui, tocamos quase de graça, pois mesmo com a casa cheia, não somos lá muito reconhecidos. Mas sou novo e ainda chego lá. Meu sonho é tocar por aí, ficar famoso”, relata o jovem cantor mineiro. Com uma chamativa camisa do Flamengo, fala de suas dificuldades e da esperança de fazer sucesso. Faz questão que fiquemos para a apresentação da noite.

Escapamos para um banho rápido e voltamos rápido, ainda conseguindo um lugar. Não demora nada e somos abordados por Antonio Carlos, 38 anos, funcionário do Laticínio Pedra Branca, morador há apenas quadra e meia do local. Veio de uma cidade vizinha, gostou, conheceu a esposa e resolveu ficar. Pelo visto bate cartão por ali toda sexta e nos vendo isolados vai logo perguntando: “São de fora?”. Acaba ficando para um papo que se estende pelo resto da noite. Gosta de umas cervejinhas a mais e repete a todo instante: “Eu não sou ladrão e nem drogado. Bebo aqui toda sexta e minha vida é toda dedicada aos meus tesouros. Vivo para eles e gosto demais desse lugar”. Os tesouros são as duas filhas gêmeas, motivo de sua vida.

Num certo momento atravessa o bar e traz até nossa mesa o prefeito Camacho. Aproveitamos para reclamar da Polícia Militar mineira, verdadeira espanta turista no trecho entre a cidade e Pocinhos, num trecho de 4km. Ele, ciente e concordando nos diz: “Ali não é um trecho municipal e sim, federal. Precisamos resolver isso mesmo”(Aquilo é um acinte, pois todos param de circular por lá quando existe comando policial). Não deu nem para falar mais nada e já o levaram para outro canto. Daí surge um senhor de uns 70 anos, figura muito conhecida e querida no local, o seu Vinicius, que consegue naquele aperto, circular de mesa em mesa. Acaba por nos levar até onde o Tallis está cantando e acabamos tirando fotos de um comerciante da cidade, muito feliz, fazendo questão de nos apresentar o pai, que naquele momento estava formando uma dupla com o garotão do violão/guitarra.

Ficamos até quando agüentamos. Fomos praticamente obrigados a confirmar um retorno para uns 15 dias. Trocamos endereços, fones e e-mails com alguns e mesmo sendo a primeira vez que estávamos nos vendo, certa intimidade estava mais do que estabelecida. Conheci o local vazio e o vi lotar rapidamente. Vi a forma amistosa com que todos se tratavam. Vi a alegria estampada na face da grande maioria dos presentes. Vi e posso confirmar que, para se conseguir momentos de pura alegria e contentamento não se faz necessário muitos recursos, nem grande aparato. Aquilo ali, na forma como acontece, faz um bem danado para desestressar qualquer um que provenha de alguma cidade grande. E por fim, essa história não tem fim, pois acontece do mesmo jeito todo final de semana. E precisaria ser diferente? Uma pena não ter podido voltar. Mas o farei em breve...

Um comentário:

  1. Henrique
    Conheço esse paraíso aí, pois o Rubens Alvez tem um recanto só dele encrustrado por aí. Valeu o toque.
    Marisa

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