segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

UM AMIGO DO PEITO (16)
ROBERTINHO GODOY, O ETERNO CARNAVALESCO BAURUENSE
Leio na ótima crônica do Cristóvão Tezza, “Carnaval em Curitiba”, sábado no Bom Dia, sobre as dificuldades carnavalescas da Folia de Momo naquela cidade: “Enquanto o Brasil inteiro dança, nós aqui, naquele silêncio de missa, andando pelas ruas vazias... São quatro ou cinco dias de silêncio. Parece que carregamos a culpa pela falta de espírito carnavalesco, a vergonha do falso rebolado, essa triste ausência de brasilidade”. Logo a seguir abro o Alfinete, lá de Pirajuí e nele algo constrangedor para foliões. “...são o ambiente de tudo o que é de mau gosto nesses tempos. (...) Festa que é traduzida com folia e farra, celebração dos desejos da carne. (...) Passa por todos os excessos. (...) Ali se desmorona toda estrutura de formação de caráter. (...) Depois aguardem as conseqüências: vícios, doenças, gravidez indesejada, crimes, cadeia e morte”, esse o entendimento deles, em Editorial, sobre o que nos espera os dias de folia, nada mais que isso. Como se quem quisesse cometer algum excesso, não o faça no restante do ano. É tudo o que o Carnaval não precisa, mas ele é como samba, “agoniza, mas não morre”. O samba superou essa fase, o Carnaval ainda não.

Ele passa por dificuldades mil, como as relatadas no texto do Tezza e ainda somos obrigados a suportar os conservadores de plantão a tentar jogar uma derradeira pá de cal numa das últimas festas populares brasileiras. Uma desilusão sem fim, algo a entristecer os resistentes e persistentes, que ainda continuam acreditando que essa festa precisa (e deve) continuar. Afinal, o brasileiro necessita mais do que nunca de algo a lhe alegrar. Não podemos viver só entre altares, terços, trabalho, pouco lazer e o neoliberalismo. A tristeza emanada dos relatos lidos foi complementada com a abertura dos jornais de Bauru na segunda, 02/02. A manchete no alto da página do Jornal da Cidade é desalentadora: “Morre Roberto Godoy”. Robertinho era a personificação, ainda viva, de um Carnaval que tenta à todo custo sobreviver e sair das cinzas aqui em Bauru. Sua partida é um baque duro para os festejos, que acontecem no final desse mês. Desalentadora notícia, ainda mais pela forma como aconteceu. Roberto cometeu o suicídio, após anos vivendo na mais completa solidão e atualmente, tendo que vender o imóvel onde residiu a vida toda. Preferiu partir, pois não via mais sentido em continuar do lado de cá.

Posso considerá-lo um amigo do peito. Nunca privei de uma amizade mais próxima, mas ambos nutríamos um pelo outro, algo sincero, pois a cada reencontro despontava um abraço forte e carinhoso, além de sincero. Era a própria simpatia em pessoa. Abria os braços e vinha decidido na minha direção, fazendo questão de me beijar na face. Agia assim com todos mais próximos. Num dos últimos encontros, na gravação do DVD do Serginho Araújo, no Automóvel Clube, em 13/12, sentamos na mesma mesa, eu com a Maria José Ortollini. Havia o encontrado na rua e o convidei para a festa baile. Ele, como sempre, foi a sensação do evento, rodou o salão, dançou e marcou presença em quase todas as mesas. Sempre foi assim. Nos eventos estava sempre rodeado de gente. Na vida pessoal, isolado e só. Isso devia o martirizar. Tínhamos marcado um almoço em sua casa, onde deveria levar a Maria José, do qual não revia há anos. Não deu tempo. Cruzei com ele mais duas vezes. Os mesmos gestos de carinho. Comentou da venda da casa, mas aparentava estar feliz com a solução, uma outra bem próxima. Não necessitaria sair da região, que tanto gostava. Continuaria no pedaço,fazendo o que sempre motivou sua vida, a alta costura, da qual falava em retomar.

Foi linda sua participação nos festejos carnavalescos do ano passado. Primeiro no corso realizado entre a Praça Rui Barbosa e o Museu Histórico. Ele dançou e encantou a todos. Tornou nossa festa mais alegre, comunicativa e radiante. Foi decisivo, com suas peças e informações, na montagem da exposição lá realizada. Depois, repetiu a dose no desfile de blocos na Nações Unidas. Não arredou pé de lá, contagiando a todos. Posso dizer o mesmo da Parada da Diversidade, também na Nações. Não o vi descer, mas foi presença de peso, tanto nos bastidores, como no incentivo dado da calçada aos que sambavam na pista. Nesses momentos era imbatível, um mestre e maestro. Vai fazer uma falta danada, justamente num momento que o mundo fica mais triste, com menos contato entre as pessoas. Acredito até que, no pouco que irá acontecer por aqui em relação ao Carnaval, tudo precisa ter a lembrança da importância desse eterno personagem. Duas pessoas marcaram definitivamente nosso carnaval e ambas já se foram: Guilberto Carrijo e Robertinho Godoy. Fui amigo de ambos. Estou muito triste nessa segunda, em primeiro por só ficar sabendo da morte pelo jornal, com enterro já consumado, quando moramos a poucos quarteirões de distância e depois por nunca mais poder encontrar com a irreverência, desprendimento e humanidade, tudo reunido numa só pessoa, pelas ruas da cidade. Vou sambar esse ano e tomar mais um porre, tendo como homenageado certo o amigo Robertinho Godoy. Ele tentava a todo custo reverter o que o Tezza observava lá na festa de Curitiba, lutando também contra uma turba de carolas que conseguem enxergar maldade na alegria do povo. Foi um bravo remanescente, lutando contra o definhar da festa, pelo menos enquanto viveu. Era o que tinha pra falar dele.

3 comentários:

  1. Oi Henrique, valeu a homenagem ao Robertinho, também nasci e fui criado ali no pedaço e sempre o encontrava. Era ele que levava a famosa santa com o cofrinho que percorre o bairro, para minha mãe e para a dona Sofia. É mais um pedaço da história de Bauru que se foi.
    Um abraço,
    Ralinho.

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  2. Henrique só vc para conseguir expressar de forma tão linda esta homenagem ao Robertinho parabens um abraço estive no velorio e não sabia que vc não tinha sido avisado me perdoe Ines Faneco

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  3. Inês
    Li sua carta hoje no JC e constatei o quanto também admirava o Roberto.
    Nós sentiremos falta de uma pessoa igual a ele, tão em falta nos dias de hoje.
    abracitos diretos do mafuá
    HPA

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