OS QUE SOBRARAM e OS QUE FAZEM FALTA (06)
ALBERT CAMUS - UM ATEU COM ESPÍRITO - Por Maria Clara Lucchetti Bingemer – site AMAI-VOS, 01/2010
No dia quatro de janeiro de 1960, há exatamente cinquenta anos atrás, morria Albert Camus. De acidente e prematuramente. De surpresa, como era sua vida e sua obra. Homem de extremo talento, francês argelino, filho de mulher simples e afetuosa a quem sempre dedicou grande afeto. O pai morreu na guerra de 1914, o que obrigou a mãe a mudar-se para um bairro operário, fazendo com que o filho conhecesse cedo a mordida da pobreza e da dificuldade de vida. Escritor brilhante e pensador instigante, Camus desde cedo se debateu entre a grandeza de seu espírito e o fascínio pela Transcendência que o levou inclusive a elaborar sua tese de doutorado sobre Santo Agostinho e, ao receber o Premio Nobel de literatura, a recolher-se antes de ir à Suécia, nos aposentos da filósofa e mística Simone Weil, a quem muito admirava e o absurdo da existência que o levava a questionamentos bem próximos da Teodicéia.
No entanto, não se devem simplificar suas posições sobre a existência de Deus dizendo-o simplesmente ateu. Camus é na verdade, anti-teísta. Critica o Deus que a Tradição das Igrejas cristãs disseminaram no Ocidente questionando-lhe a veracidade diante do sofrimento do mundo e da existência do mal. A existência humana é por ele entendida a partir do mito de Sísifo, que se esforça descomunalmente para levar morro acima uma enorme pedra e a cada dois passos que vence na subida, é forçado a descer outros tantos e mais pelo peso da pedra. O absurdo deste perpétuo e fracassado esforço leva Camus a questionar-se se realmente existe um sentido para a vida e a perguntar-se por que o Criador permanece em silêncio diante de tantos mistérios insondáveis.
Talvez entre seus livros, o que mais questione a teologia seja o maravilhoso romance “A peste”. Em uma cidade que pode ser o mundo, ratos desencadeiam uma mortal epidemia que não poupa ninguém. Pouco a pouco todos vão caindo: mulheres, jovens, crianças, vitimados pela horrível doença que não escolhe suas vítimas. O protagonista, o médico Rieux, ateu, se pergunta incessantemente, enquanto dedica o melhor de seus jovens anos a cuidar dos doentes terminais: "Por quê? Por quê?". Seu jovem auxiliar, Tarrou, morre em seus braços, e a pergunta não cessa de lhe vir aos lábios: Pode-se ser um santo sem Deus? Confrontado com o personagem de Rieux, o Pe. Paneloux afirma a existência de Deus com o discurso tradicional da fé. O romance termina e todos os que o lemos sabemos que a pergunta de Camus não é sem fundamento. Porque conhecemos tantos e tantas pessoas que viveram e vivem essa santidade sem Deus; esse ateísmo honesto e cheio de espírito que recusa um Deus imposto que nada lhes diz e que se resume a uma repetição de fórmulas e normas sem uma experiência que faça sentido e uma prática coerente.
As jovens gerações já não lêem Camus, sua obra literária e filosófica. Juntamente com Sartre, foi responsável por toda uma corrente de pensamento que revolucionou o pensamento do século XX, o existencialismo. Em tempos de razão tão cínica e cética como os nossos, haveria que volver a estudar Camus – ouso dizer – mais que Sartre. Como não voltar a seus fascinantes romances “O estrangeiro”, “A peste”, a seus ensaios profundos “O mito de Sísifo”, enfim como não debater todas as questões tão profundas e tão atuais que esse argelino levantou não apenas para uma geração mas para todas, inclusive a nossa? Do limiar da segunda década do século XXI, em plena secularização, quando a vivência da fé tem que enfrentar-se com uma cada vez maior desinstitucionalização, a teologia mesmo se pergunta diante da obra camusiana: como dialogar com os santos sem Deus, com os místicos sem Igreja do mundo de hoje? Não seriam talvez eles e elas os grandes parceiros e interlocutores dos quais deveríamos aproximar-nos para tentar construir um mundo melhor? Que os cinquenta anos da morte de Camus e sua celebração possam inspirar-nos neste sentido.
OBS.: Esse texto é bastante polêmico e é exatamente isso que quero levantar aqui. Poderia escrever muito mais sobre Camus, mas não estou bom, acometido por uma virose, não tenho ânimo para grandes escrevinhações.
“Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda”.
ResponderExcluir(O homem em revolta - Albert Camus)
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Comunismo em Ação