terça-feira, 1 de junho de 2010

BEIRA DE ESTRADA (04)

COMIDA DE CAMINHONEIRO - publicado na Revista do Caminhoneiro, edição 267 - abril/maio 2010 (tiragem de 100.000 exemplares)*
Convidaram Pedro Paulo para um almoço diferente. Ou melhor, diferente dos que estava habituado, fugindo totalmente da rotina encontrada pelas estradas. É que acaba de conhecer um novo amor. Estrada possibilita essas aproximações e com ele ocorre da forma mais inusitada possível. Foi num desses terminais de atendimento bancário. Ambos na fila, uma conversa flui e se estende. Foi o bastante para nos retornos seguintes voltar a encontrar a moça. De uma amizade ao acaso, passou a vê-la em todos os retornos, nascendo daí um namoro. Bom para ele, idem para ela.

O inevitável foi o ocorrido no primeiro encontro na casa da já namorada. Mais dia, menos dia isso aconteceria. Chegou o dia e numa de suas passagens pela cidade onde ela mora, seria brindado com um almoço, feito pela própria, tudo para impressionar o novo pretendente. Dia de serviço, tudo não poderia se estender por muito tempo, o que não impediu de ocorrer uma prévia preparação. Um banho rápido num posto e um bom perfume para essas eventualidades.

A recepção foi calorosa. Saudades amortizadas, no retrato seguinte ambos estão diante de uma mesa posta e daí inicia-se alguns problemas dantes não imaginados. Pedro Paulo chega com fome, aquela de verdade, de quem acorda cedo e ao sentar para o almoço come bem. Não muito, mas bem. E o visto ali na mesa não lhe seria suficiente. Tudo o que estava ali, diante de seus olhos era ínfimo, pouca coisa, mal suficiente para aplacar a sua fome, o que diria de ambos, mas tudo preparado com muito esmerado. Ela lhe serviu algumas folhas de salada e um macarrão com berinjela, molho à parte e nada de carne. Ou melhor, um pouco de carne moída no molho e só. Comeu lentamente para não chamar a atenção e observou a pequena quantidade comida pela amada.

Inevitável a pergunta dela se havia gostado. “Claro, nunca comi algo com um tempero tão saboroso”, foi sua resposta. Não estava mentindo sobre o sabor, mas o fazia sobre a quantidade servida. Tomou um café, esse dos bons e o papo não se prolongou, pois como já era do conhecimento de ambos, o dia estava pela metade e as entregas quase todas no caminhão. A despedida como sempre ocorrem em namoros recém iniciados é calorosa. Promessas de encontros noturnos, com tempo livre de ambas as partes e ele cai na estrada.

Com um tempinho ainda livre antes da próxima entrega, nova parada, essa praticamente obrigatória, num posto no caminho, não para abastecer, mas por causa do restaurante, um velho conhecido. Foi rápido e diante de um solicito garçom, foi direto: “Uma média, arroz, feijão, com dois ovos estalados, um bom bife, uma guaraná tubaina e tudo rápido, que não posso me atrasar”. Comeu tudo, saciando a fome e agora fica a matutar como será o próximo encontro. Como comunicar a ela que aquilo servido, muito gostoso, não é o mais recomendável, nem o suficiente para o tranco diário. Diante da cruel dúvida, não sabe se amanhã, no próximo retorno, já chega de barriga cheia ou abre o jogo sobre suas preferências e necessidades. E isso já está lhe tirando do sério.

* A explicação da crônica, geradora de risos: Fui jantar pela primeira vez na casa da Ana Bia e lá ela me prepara uma comida diferente, o tal do macarrão com berinjela. A receita ela tirou de uma revista encartada no jornal O Globo, assinada pelo conceituado José Hugo Celidônio. Estava sem assunto para redigir o texto e o prazo batendo à minha porta. Não pensei duas vezes, pelo pouco servido, surgiu a idéia do texto. Até hoje ela me diz que nunca mais fará pouca comida para esse faminto "caminhoneiro". Foi só uma sacada pescada ali no momento, nada mais.

3 comentários:

  1. cabe ressaltar que tratava-se de um espaguete a la norma. servido ao final dos recitais da ópera com o mesmo nome. norma é personagem, habitualmente, não tão magra e cantores líricos, na grande maioria dos que conheço, são meio "famintos" - conceito que tenho a partir da forma físico-estética de alguns que já tive a oportunidade de assistir em cena. henrique jura que não foi para o posto de gasolina comer o tal bife depois da refeição aqui em casa. tenho dúvidas... mas, foi - como sempre - honesto em me avisar antes de finalizar o texto publicado. ana bia andrade

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  2. querido Henrique

    Caminhoneiro come bastante, eu sei, mas ti, não havia reparado. A história é só ficcional ou tem lá o seu fundo de verdade.

    Aurora

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  3. já respondo. muito bem reparado o erro cometido. com fartura e cardápio composto por comidas de hábito carioca - embora feitas em bauru - com a mesma dedicação(esmero, como henrique menciona). sobretudo, com sabor que, segundo o "faminto mascate", a quem aprendi a alimentar conforme o desejo, estão de bom gosto. feijão preto, por exemplo, não falta aqui em casa. ana bia andrade

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