terça-feira, 22 de junho de 2010

MEMÓRIA ORAL (88)

A INTERNET E A HISTÓRIA DE UM FAMOSO ILUSTRADOR
Das coisas ruins e das boas da internet todos nós conhecemos um monte de histórias. Muitas aproximações e outros tantos dissabores. Das ruins, deixemos para outro momento, das boas, tenho uma que me foi contada semana passada e pela sua singeleza e possibilidades futuras, merecedora de ser passada para frente. Uma página do Orkut e uma paulistana tentando passar mensagens para cartunistas e ilustradores brasileiros sobre um velho personagem do ramo, José Lanzellotti. Dessa pessoa, basta clicar esse nome no Google, surgindo a partir daí uma infinidade de citações sobre alguém muito famoso, tendo participado ativamente do segmento dos ilustradores nos anos 70 e 80.

Quem envia as mensagens é Jussara Lanzellotti, 50 anos, filha do famoso artista, que com um rico material em mãos, não sabe bem o que fazer dele. Na sua lista de gente ligada à arte do desenho, muitos já foram contatados, mas poucos efetivamente se mostraram dispostos a ajudá-la num árduo trabalho de resgate, recuperação e valorização da importância do trabalho do pai, falecido tragicamente em junho de 1992. Numa mensagem fica conhecendo Leandro Gonçalez, 36 anos, desenhista e cartunista e numa dessas coincidências da vida, conhecedor da obra do artista, tendo sofrido forte influência na construção do seu traço. O papo se prolonga, culminando com a vinda de Jussara para Bauru, sendo recepcionada no ateliê do artista.

Dessa junção, algo a ser construído em parceria, um trabalho conjunto, inicialmente um projeto de uma exposição, recontando toda a história de Lanzellotti e depois, até algo maior, com a circulação disso e até um livro contendo um rico material sob sua guarda. Parte desse rico acervo ela trouxe para Bauru e mostra, contando cada detalhe. Ao abrir cada pasta, uma nova surpresa e a certeza de se estar diante de um rico material, esquecido, mas certamente, cheio de possibilidades. Vai mostrando inicialmente algumas fotos do pai e até alguns auto-retratos.

“Peguei parte do acervo e tomei a decisão de que algo precisava ser feito para resgatar a importância e a história do meu pai para as artes no país. Pela internet eu adiciono artistas e peço ajuda. Pensava inicialmente num museu, mas isso é complicado demais”, começa a relatar. Nisso começa a abrir pastas e logo de cara o HQ “Raimundo – O Cangaceiro”, esse o primeiro herói nacional dos quadrinhos. Na seqüência algo significativo, exemplares da enciclopédia “Brasil – Histórias, Costumes e lendas”, constituída de 20 fascículos, editados pela editora Três, a mesma que hoje edita a revista Isto É. “Meu pai fez toda a pesquisa sozinho, viajou o país todo, registrou cada história e a vendeu para essa editora. Todo o trabalho de pesquisa é só dele e tudo são ilustrações, coloridas e todas dele. Viajou por conta própria o país inteiro e com poucos recursos. Suas histórias, que ele me contava, daria um livro”, prossegue.

E dariam mesmo, pois numa delas esteve no Alto Xingu junto dos índios, participando de uma das expedições de Orlando Villas Boas, o famoso sertanista. Morou por um tempo junto aos índios. “Preciso de um espaço para mostrar isso tudo. Tentei doar uma tela do meu pai para a Pinacoteca do Estado e o diretor, que não o conhecia, recusou. Tenho a carta dele rejeitando. Nem se interessou em saber quem foi ele. Quero fazer isso não só pela história de vida do meu pai, mas para que não se perca seu rico acervo. É péssimo permanecer tudo isso guardado. Anos de pesquisa de folclore e agora tudo sumindo. Ele fez tudo com muito esforço, pegou malária, curou e voltou para as expedições. A grande realização de sua vida foi a publicação do livro em fascículos”, ressalta Jussara.

Tristeza dá em presenciar alguns originais chamuscados pelo fogo. Jussara conta que após a morte do pai, muitos originais permaneceram sob a guarda de seu irmão e o local pegou fogo. Muito se perdeu, inclusive peças de escultura em argila, que derreteram no fogo. O que conseguiu salvar está hoje protegido e em busca de que algo possa ser feito para sua definitiva manutenção. Tudo ali denota o trabalho incessante do artista, que fazia de tudo um pouco, desde folhinhas para calendários diversos, como encomendas de capas para as Páginas Amarelas, de vários estados brasileiros. Numa outra seqüência, uma série de desenhos feitos certamente para ilustrar livros didáticos e muitos de encomendas para revistas e publicações variadas. Jussara vai manuseando e contando sua história, cuidando para que tudo aquilo não se perca.

Nas paredes do ateliê do Gonçalez, uma pequena mostra da importância do que foi o trabalho de Lanzellotti, pois em alguns trabalhos lá expostos, a clara influência do velho mestre no traço e nos temas. Jussara segue mostrando ter feito quatro Orkuts diferentes para divulgar e buscar apoio, além de um Fotolog e um blog. Ela mesmo encontrou forças nem sabe aonde para fazer o que faz, pois vivenciou uma trágica história e daí outra ligação com Bauru. Em 1992, despediu-se do pai e veio buscar emprego em Bauru. Nisso o pai abriga em casa uma pessoa vinda de São Bento do Sapucaí, que iria consertar o telhado de sua casa. Fala ao homem possuir dólares em casa e este o mata com o pau de um velho pirão. “Achei seu corpo em decomposição, cheio de bichos, acho que uma semana depois da morte, quando voltei para buscar meus pertences. Foi um choque para todos. A tristeza é que ele, mesmo conhecido, não teve a morte divulgada pela grande imprensa. Só o jornal Vale Paraibano deu a notícia”, continua seu relato.

Jussara tem muito para contar e mostrar. Gonçalez tenta encontrar um meio de conseguir um espaço para divulgar e apoiar a idéia da nova amiga. Sua vinda é para isso, pensarem juntos numa solução. Deixo o local e vejo Jussara recolhendo o material exposto sobre a mesa de trabalho do artista de Bauru, sempre cheia de esperança. Ele liga para os jornais da cidade e tenta um meio de divulgar aquilo tudo, buscando daí uma alternativa viável, algo novo, que lhe abram portas e caminhos sejam sugeridos. E José Lanzellotti, que já teve seu nome reverenciado no passado, pode ter no presente, a partir de algo que surja desse inusitado encontro, uma possibilidade de ser novamente reconhecido e ter o que restou de seu trabalho guardado e exposto. E tudo nasceu de algo repassado via Orkut, pela internet, tomando proporção nunca dantes imaginada. E esse é só o primeiro capítulo do muito que deverá vir desse encontro.

7 comentários:

  1. Amigo Henrique, fiquei até emocionada dom o Blog que você escreveu!!! Pois é isso exatamente que eu buscava. Um reconhecimento pelo trabalho de meu pai. É exatamente disso que precisamos, pessoas como vc. Que sabe valorizar a arte. E que dá importância a pequenos detalhes que a olhos nús, nem todos sabem enchegar, ou dar valor.
    Quero aqui lhe agradecer em meu nome e em nome de meu querido pai.
    Obrigada Henrique!!!!
    Um forte abraço!

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  2. Quando menos esperamos, surge do nada algo que vem exatamente para nos fazer bem! Assim como me surgiu o artísta plástico Leandro Gonçales, que admira e da valor a arte, com toda a sua humanidade e simplicidade. Uma figura com o dom nas mãos de saber transportar para o papel suas emoções, seus desejos, seus sonhos, e principalmente sua forma de como vê as coisas, a própria vida.
    E com seus olhos, sabe admirar a vida, a arte e a emoção. Tenho muito a agradecer a este jovem artista, por tanta boa vontade de me ajudar a divulgar a arte de meu tão querido pai. Obrigada Leandro!
    Fica aqui um forte abraço!!!!

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  3. Henrique

    Fico emocionada ao ler o resgate dessas suas histórias. Você é uma espécie de garimpeiro das boas histórias, sempre lutando pelos boas causas e sem desistir de buscar a realização dos seus sonhos.
    Uma filha resgatando a história do pai. Quase chorei, pois me recordei da minha história.
    Aurora

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  4. Que linda matéria Henrique!!!
    Jussara, não desista,pense num projeto de preservação e divulgação patrocinado pela Petrobrás, ou outra grande esmpresa. Veja os editais, coisas assim.... você vai conseguir uma boa parceria!
    Fiquei emocionado de ver a imagem do cangaceiro. Eu conheci aquela ilustração e muito me impressionou!!!
    Parabéns pela matéria, Henrique!
    Parabéns pela perseverança, Jussara!!

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  5. Henrique

    O Gilberto Maringoni, o Beto, aí de Bauru, reconhecido sociólogo brasileiro e um grande chargista fez um comentário no escrito do seu aniversário sobre o Lanzellotti. é mais uma a reconhecer que algo precisa ser feito pela obra desse grande artista. Como pode uma pessoa desse quilate cair no esquecimento?

    Tat

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  6. Jussara,
    Em tudo há um propósito na vida. Não desista desse seu objetivo!Você ainda conseguirá fazer muitos terem a visão e a sensibilidade do verdadeiro leitor de obras artísticas.Isso é um dom precioso que poucos tem.
    Um abraço e que Deus a abençoe colocando pessoas especiais como o artista LEANDRO GONÇALEZ, que sempre luta pelo seu trabalho e abre as portas para que outros também mereçam o devido reconhecimento.

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  7. Que história Henrique.
    Essa é daquelas que algo precisa ser feito.
    E você, como sei, quando percebe algo assim se envolve até o pescoço para realizar o sonho dos outros.
    A Jussara e o Leandro precisam de ajuda. E é lindo isso...

    Daniel Proença

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