quinta-feira, 1 de julho de 2010

BEIRA DE ESTRADA (05)

VIAJANDO PELA CULTURA REGIONAL *
* publicado Revista do Caminhoneiro, edição nº 268 (http://www.revistacaminhoneiro.com.br/)

Adamastor é um caminhoneiro diferenciado. Seu trabalho lhe propicia algo inusitado. Corta o país em três estados, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, levando e buscando cargas para uma grande indústria sementeira. Faz isso tudo há muitos anos, num vai e vem que não lhe tira a calma, muito menos o gosto pela vida estradeira, cada vez mais encruada dentro do seu modo de viver.

Desde sua pequena Mirandópolis, interior paulista, pegou gosto pela cultura popular, música de raiz, uma boa e prazerosa moda de viola, folia de reis, cavalhada, congadas e manifestações culturais variadas. Não gosta muito da atual versão sertaneja, mais moderna segundo ele, longe do que aprendeu a apreciar. Gosta de ser chamado de caipira e assim se sente orgulhoso, por viver e reviver isso tudo em suas andanças por onde passa. Isso mesmo, Adamastor consegue através de seu ofício unir o útil ao agradável.

Obrigado a pernoitar pelas cidadezinhas desses três estados, ao chegar, após ter a decisão de onde irá pernoitar, a primeira coisa que faz é garantir a permanência do caminhão num local dos mais seguros. Decidido isso, parte para outra etapa, essa cheia de detalhes. Não abre mão de presenciar a tal cultura que tanto gosta. E para fazê-lo criou uma estratégia só sua. Vai em busca dos jornais locais para ver se está acontecendo um show por ali naquele dia. Na ausência disso, o boca-a-boca é fonte inesgotável para conhecer novas pessoas e desbravar locais onde possa rolar uma apresentação de uma dupla desconhecida por ele ou algo mais.

Esse algo mais, tanto pode ser uma ida a uma residência onde more um fabricante de viola caipira, “luthier”, como ele mesmo aprendeu a pronunciar ou a de um comandante de uma folia de reis ou algo parecido. Numa das últimas incursões por uma pequenina cidade mineira presenciou ao ensaio de uma banda, formada por músicos com média de 70 anos de idade cada um. Conta isso para todos, em detalhes e ainda pergunta: “Você não gostaria de estar no meu lugar? Sou um privilegiado”.

Também acho. Adamastor não leva uma vida fácil, pois a empresa que trabalha é rigorosa em prazos e nos cuidados com a segurança. Ela ciente disso, cuida dessa parte nos mínimos detalhes. Teve que cancelar recentemente a uma apresentação de Dominguinhos numa praça pública, pois naquele dia não tinha como se separar do caminhão. Disso não se arrepende, pois sabe da importância de manter os olhos sempre muito atentos a qualquer coisa ligada à segurança do seu instrumento de trabalho.

Suas histórias são muito ricas, todas recheadas de coisas pouco vistas. Certa vez, conta ter presenciado um saxofonista que ficava a caminhar pelas ruas de um pequeno vilarejo carioca, como aquele flautista da fábula, tocando com gente a lhe acompanhar. Seguiu o corso de caminhão até onde pode. “Isso é uma dádiva dos céus. Não bebo, não fumo, meu vício é esse. Vou buscar onde estão as manifestações culturais bem próprias de cada lugarzinho por onde ando. Anoto tudo num caderno e tenho histórias mil para contar”, me diz após conhecê-lo num encontro de caminhoneiros perto de Poços de Caldas.

Agora mesmo está prestes a adentrar uma grande festa cabocla, onde uma dupla, lhe dizem, canta igualzinho a uma que aprendeu a gostar na sua infância, Cacique e Pajé. Precisam ver a indumentária do Adamastor nessas ocasiões. Uma beleza, com um lenço enrolado no pescoço, ao velho e bom estilo caipira está mais feliz que nunca. “Foi um dia puxado. Canseira brava, mas o show começa cedo e terei tempo suficiente para descansar e começar tudo de novo amanhã. Mais recarregado impossível”, finaliza. É uma pessoa feliz.
PS.: A bela ilustração é do amigo FAUSTO BERGOCCE, daqui de pertinho, de Reginópolis para o mundo.

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