quarta-feira, 10 de novembro de 2010

BEIRA DE ESTRADA (09)

SE FOR POR FALTA DE CAUSOS... - Crônica publicada na edição nº 272, out/nov. 2010 (tiragem de 100 mil exemplares, espalhados pelo Brasil afora).
Seu Maneco viveu uma vida nas estradas. Conheceu o Brasil de Norte a Sul, Leste a Oeste. Mais de quarenta anos rodando esse país na boléia de um caminhão. Realizado no trabalho, sonho acalentado desde menino e dele não mais se separou. Tirou o maior proveito do que a vida lhe deu de bom e hoje, às voltas com a aposentadoria, pensava em cair na maior depressão. Fez planos junto da esposa, de algo que não o obrigasse a ficar muito tempo dentro de casa, mas nem idéia tinha do que pudesse fazer. Isso já o inquietava.

Na verdade, ainda não tem muita idéia. Mesmo ainda na ativa, beirando os 67 anos, contando os dias para passar o bastão do volante para outro com mais gás e disposição, já está envolvido com um projeto que está lhe deixando com os dias mais tomados do que um trabalhador que se vê obrigado a fazer horas extras depois do expediente. E tudo aconteceu meio que sem querer, algo inusitado a lhe transformar a vida.
Ler nunca foi de fazê-lo muito. Nas viagens, a predileção sempre foi por música e um PX, um rádio amador, com quem entabula conversa com os amigos da estrada. Já escapou de muita cilada por causa de avisos recebidos de outros via rádio. Mas agora, já na prorrogação de sua partida como titular no volante, eis que algo deu uma guinada no seu entusiasmo.

Conhece tudo quanto é posto de beira de estrada e suas lojas hoje possuem de tudo. Numa delas um livro, desses fininhos e com um assunto que gosta muito, piadas. O negócio parecia interessante, era sobre causos acontecidos dentro de consultórios médicos. Levou para a boléia e morreu de rir com o que leu. Na verdade não eram piadas e sim, histórias do dia-a-dia acontecidas durante todo o período em que o autor, um médico exerceu seu ofício. Umas impossíveis de terem acontecido, mas o autor jura serem verdadeiras.

Gostou tanto que foi mostrar o livro para seu vizinho, um carteiro. Esse deu risada e emprestou-lhe outro, também de causos, mas vividos entre os carteiros. Mais risadas, pois cachorro correndo atrás deles foi o que mais viu ali. Daí, num jantar com dona Ana Beatriz, sua digníssima esposa, contando-lhe dos dois livros, ela lhe deu a grande idéia:

- Por que não faz o mesmo? Em quarenta anos de estrada, deve ter coisas guardadinhas aí na cachola que até Deus duvida.

Não precisou de mais nada. Restando poucos meses para o grande dia de deixar as estradas, parece ter encontrado algo a lhe movimentar a vida. Comprou um cadernão, daqueles grossos e mais da metade já foi preenchido só de lembranças vividas. A notícia correu feito vento junto dos amigos da estrada e muitos já sabendo do interesse de seu Maneco, lhe passam outras e o negócio acabou tomando um rumo que nem ele sabe bem onde vai dar.

- Sabe de uma coisa. Depois de tudo isso, queria mesmo era que o Jô Soares me entrevistasse lá no seu programa. Imagina eu sentado lá naquela poltrona e fazendo o gordo dar risada. Seria demais, não?, disse.

Mesmo sem conhecer a história dos tais “quinze minutos de fama”, seu Maneco já vivencia a sua, com muita honra, já que eternizou suas aventuras para quem mais ama: sua família.

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