quinta-feira, 14 de julho de 2011

MEMÓRIA ORAL (106)

CHILENOS E BRASILEIROS, PINCÉIS NAS MÃOS E UMA IDÉIA NA CABEÇA
Com sprays e tintas espalhadas na calçada lateral do Teatro Municipal de Bauru, um grupo animado de jovens está a revitalizar toda parede voltada para a Rua Ezequiel Ramos, numa grafite gigante, um mural tomando toda a sua extensão, por volta de uns 15 metros, mais a área de estacionamento. Estão ali num projeto de integração Brasil e Chile, criado pelo Encontro de Arte Urbana e reunindo artistas no manuseio dos pincéis desses dois países. A iniciativa é inédita e foi concebida por iniciativa de Carla Shimokawa, uma historiadora, após concluir o curso de História na Unesp de Assis em 2009, passa a cuidar de um projeto ousado de pós, o “Brasil e Chile pós-ditadura através da imagem, arte urbana e grafite”.

Para desenvolver esse trabalho acabou indo para o Chile, morou lá por alguns meses, um país onde o grafite é muito mais presente do que no Brasil. Foi, conheceu uma pá de gente envolvida com a coisa e voltou de lá com idéia mais do que fixa, a de integrar as duas experiências. O tempo passou e a oportunidade se mostrou com a insistência de alguns deles em conhecer o nosso país. Tentou buscar alguns patrocínios, mas o máximo conseguido foram para as tintas e transporte, realizado poder público municipal e alguns marmitex, cedidos por um restaurante. Isso não foi motivo para desmobilizar oito chilenos, que junto de cinco da Grande São Paulo aportam em Bauru por conta própria e hospedaram-se em sua casa, para de 12 a 17 de julho mostrarem um pouco das possibilidades dessa integração.

E ela acontece da forma mais simplificada possível, todos no local cedido para a demonstração visível do trabalho coletivo, depois algumas oficinas e algo muito esperado por todos, a possibilidade de realizar o trabalho também na periferia, em dois locais, no Jardim Progresso e no Ferradura Mirim. Na tarde de quarta, 13/07, o grupo está todo reunido para finalizar o maior mural já pintado em Bauru e dentre eles, alguns se destacam. Mateus Ibanhi, historiador e colega de curso de Carla, veio de Araraquara só para ajudar a amiga e vai me apresentando alguns desses: “Ali o Fernando Chamarelli, artista plástico que nunca antes tinha pintado paredes. Veio pela possibilidade real de integração dos vários tipos de arte. Os chilenos fazem parte da Ramona Parra, uma brigada chilena de murais, com um histórico muralista muito forte. Aquele ali encima da escada é Davi Calderon, diretor do Centro de Cultura e Mentes”.

Carla se aproxima, desconfiada como toda nipônica, mas fala algo valoroso sobre os dois países. “O Brasil é mais o eu sozinho. Cada artista faz um grafite e assina em destaque sua identificação. O pessoal da Brigada age de forma coletiva e vislumbrei que o Brasil poderia se aproximar disso, compartilhar mais do lado latino, ainda distante de nós. Os grafiteiros brasileiros são referência por lá, como o Binho, Os Gêmeos, Zezão, Rui Amaral, Celso Gitai e outros. Esses encaram o grafite como educação, vieram com livros, informações novas e o movimento cresceu. Já através da Brigada incorporamos uma outra mentalidade, mais politizada. Queremos juntar o modo de protesto com essa idéia política”, diz. Olhando para os dois lados da rua, de um lado um grafite sem desenho, feito por gente daqui, com a grafia do artista imensa, sua marca pessoal e desse lado, o trabalho coletivo. Na comparação um entendimento da importância de um evento como esse.

Do alto de um andaime um chileno dá retoque numa locomotiva, algo bem próximo da realidade bauruense, esse desenho integrado com algo da história local. Na parte inferior, Francisco Maltez, o Capitão Koshayuyo, nove anos de pinturas pelas ruas chilenas, tendo despertado o interesse ainda na universidade. “A Brigada traça o desenho na parede e proponho a todos o mesmo que faço a ti, que você pegue o pincel e junte-se a nós, suje suas mãos e sinta a intensidade de estar aqui. Cada um preenche um pedaço. E vamos conversando sobre o que está sendo pintado”, me explica. Junto dele, Tânia Zavala, a única mulher do grupo de chilenos, 24 anos e namorada de Maltez, chega perto para mostrar suas mãos e da impossibilidade de permanecer ali sem sujá-las, inclusive roupa e até o restante do corpo. Pego num pincel, acompanhado pelos dois e deixo ali minha marca pessoal.

Do grupo de brasileiros, Dingos, também conhecido como Três Montanhas, 36 anos, morador de Osasco, arte educador da Prefeitura paulistana e na Gol de Letra, do ex-jogador Raí, é um dos mais experiente do grupo. “Viemos porque gostamos dessa integração. Conheço os chilenos já faz tempo, primeiro o contato foi via internet quando a Carla começou esse projeto com outros paulistanos, acabou não dando certo e fui indicado, cá estou. Tenho 22 anos nisso e hoje, junto dos meus colegas, o Mauá, o Perus e o Fontales viemos para multiplicar conhecimentos”, relata, momentos antes de subir no andaime, para munido de um spray retocar as partes mais altas do grafite.

Observando tudo atentamente está Carlos Shimokawa, pai de Carla, que pegou gosto pela coisa e acompanha a troupe em cada passo dado na cidade. “Estão todos lá em casa, perto de vinte pessoas. Tenho uma edícula no quintal com dois cômodos, alguns estão lá e outros dentro de casa mesmo, todos acomodados. Virei o ‘paitrocinador’ disso tudo e a luta de logo mais a noite é para descobrir quem vai bancar o jantar de todos eles. Mas o importante é ver a filha feliz, realizada, cumprindo mais uma etapa do que havia se proposto a fazer”, conta. Pergunto se já pintaram a casa e na afirmativa, fico de fotografar o resultado final não só do mural do teatro como o de sua casa, mas isso é tarefa para a próxima semana, quando tudo for devidamente finalizado.

Aproveito e descrevo para Carla algo que está em curso, uma parceria entre a universidade pública, a Unesp e a Secretaria Municipal de Cultura, através do secretário Elson Reis oferecendo um novo projeto de design para o Centro Cultural, local onde pintam, inclusive com remoção das grafites em sua parte frontal. Informa que o espaço oferecido foi pensado diante disso, lateral e que as mudanças serão bem vindas, modernizando, facilitando o acesso e com um visual mais adequado ao local. Na despedida, a certeza de que talvez a integração sirva para demonstrar para os do lado de cá, que experiências em curso do lado de lá, podem muito incentivar jovens a colocarem a mão na massa, modificando o mundo onde vivem, pois os estudantes chilenos estão nesse momento ocupando as ruas do pais e os daqui de férias, desmobilizados e despolitizados. Mas esse é ainda um sonho, somente sonhado.

4 comentários:

  1. Caro Henrique - tenho lido seus textos. Este último sobre a experiência da memória oral com os chilenos é muito rico, especialmente pela dimensão coletiva que apresenta. É um grande passo para a integração da "nuestra América". Continue produzindo. Grato - Isaias Daibem

    ResponderExcluir
  2. Muito bom HPA! Também fiz a coluna de hoje sobre o pessoal http://redebomdia.com.br/ColunaSocial/1

    Deixo aqui outro link, o que reúne os trabalhos do Chamarelli: http://www.flickr.com/photos/lfchamarelli

    Sou muito fã dele

    ResponderExcluir
  3. HENRIQUE,
    esse chileno é do bem...
    Abs.
    MURICY

    ResponderExcluir
  4. CARO PROF. MURICY:

    Esses chilenos são todos do bem. Sei do tipo de chileno que diz não ser gente boa, o ROCHA da USC, mas esse já voltou para sua terra. Estamos livres dele (toc toc toc).

    Abracitos

    Henrique - direto do mafuá

    ResponderExcluir