sexta-feira, 8 de junho de 2012

BEIRA DE ESTRADA (20)
DIVAGAÇÕES DE AMÂNCIO, AMIGO DO BOANERGES – publicado na Revista do Caminhoneiro, ano 28 - edição 291, maio 2012, tiragem de 100 mil exemplares, distribuídos pelos postos de combustível Brasil afora.

O caminhoneiro é antes de tudo um forte. Nunca vi essa frase estampada no para-choque de nenhum caminhão. Ouvia ela sempre da boca do meu companheiro de estrada, o Boanerges. Achava ter ele a copiado de algum lugar. Um pressentimento, confirmado quando passei a repeti-la por aí e ouvi num posto a explicação de sua origem. Foi um famoso escritor brasileiro, Euclides da Cunha quem a proferiu no livro “Os Sertões” e não em homenagem ao caminhoneiro, mas ao sertanejo.
Matutei dos motivos de Boanerges utilizá-la e a conclusão é de que ele tem toda a razão, pois somos mesmo fortes, aroeira pura. Vejam o caso lá dele, mineiro caipora e enfrentador de problemas mil pelas estradas. Caminhos de terra batida, chão ardente e cheio de empecilhos. Quem viaja pelas estradas do Sudeste, asfaltadas, não sabe o que é privação.  Tudo bem que nelas tem muito mais pedágios e nos cafundós os gastos são outros, com os rotineiros extras de manutenção.
Ele me contou sua última aventura. Uma de lascar. Quinze dias encalhado num atoleiro, paradinho da silva, fileira interminável, muitos na mesma situação. A chuvarada insistia em não parar de cair lá pelas bandas de Tocantins. Não podia abandonar o caminhão, com medo da carga sumir como num passe de mágica. Comida ele tinha pouca, pois não previu a parada inesperada. Virou-se com ervas do mato, colhidas à beira da estrada. Necessidade fazia no matagal e o banho e a água para beber vinham da própria chuva.
Essa história é velha. Desde que comecei a trabalhar no trecho ouço algo parecido. O que não acontece é a solução. E olha que não sou novo no ramo, os problemas é que são velhos. Deveriam ter caducado, mas os vejo renovados. Os do Boanerges só estancaram com a chegada da estiagem, estradas mais secas e uns puxando os outros. O bom do nosso negócio é a solidariedade. Pelo menos nisso somos unidos uns aos outros. Temos nossas correrias, prazos a cumprir, problemas no banco, família longe. Para aplacar tudo, um acaba se escorando no outro e o barco é tocado com mais facilidade.
Da última vez que o Boanerges me falou disso, pensei cá com os meus botões: o sertanejo lá descrito pelo Euclides, hoje parece viver com a problemática diminuída. O Nordeste vive outro momento, com mais empregos e muitos retornando para sua terra natal. Não sou reclamão. A maioria das estradas está bem melhor que dantes. Persiste algo crônico em rincões meio que esquecidos. Minha conclusão é a de que o sertanejo continua sendo um forte, como sempre foi, mas teve sua situação aliviada. É nessas regiões esquecidas, como as onde meu amigo trabalha, onde ainda falta esse algo mais. O Boanerges vai ser sempre um forte, um touro enfrentando o trabalho a unha, mas podia ter tudo facilitado. O que não sei é como resolver isso. Conto o causo aqui e se alguém tiver a solução, me digam.
Sou o Amâncio, caminhoneiro do Brejão mineiro, recanto onde as estradas andam bem conservadas, mas podiam melhorar um bocadinho mais. E disso eu ia gostar muito.

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