sábado, 1 de dezembro de 2012

UMA MÚSICA (93)

A PRAÇA TAHRIR - O ‘DIA EM QUE O MORRO DESCER’ E UMA LIÇÃO NUNCA TIRADA, AMBAS LEMBRADAS EM DOIS SHOWS
Dois maravilhosos e inesquecíveis shows ocorreram em Bauru nessa semana, ambos no mesmo lugar, palco do SESC. Ambos tendo como epicento dois senhores de certa idade, quarta, com a Orquestra Imperial e o foco em WILSON DAS NEVES e ontem, sexta, com a Família SERGIO RICARDO. No primeiro caso, 76 anos e no segundo 80 anos, esses os protagonistas. Algo mais vi em comum entre ambos, cantam sobre as agruras desse povo varonil e não se curvam e nem se intimidam em acertar o alvo sobre o ontem, hoje e amanhã. Essa a parte mais saborosa do show, além é claro da possibilidade de vê-los e constatar estarem antenadíssimos com seus pais.

Relembro duas músicas deles, como exemplo do que escrevo. Wilson das Neves é um baterista como poucos e agora também “canário”, pois resolvendo cantar, além de compor, produz algo de incomensurável valor. Dentre seus muitos sambas a rolar na minha vitrolinha, ressalto o “O DIA EM QUE MORRO DESCER E NÃO FOR CARNAVAL” (dele  e de Paulo Cesar Pinheiro). Sintam a força da letra: “O dia em que o morro descer e não for carnaval / ninguém vai ficar pra assistir o desfile final / na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu / vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil / (é a guerra civil) ./  No dia em que o morro descer e não for carnaval / não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral / e cada uma ala da escola será uma quadrilha / a evolução já vai ser de guerrilha / e a alegoria um tremendo arsenal / o tema do enredo vai ser a cidade partida / no dia em que o couro comer na avenida / se o morro descer e não for carnaval ./ O povo virá de cortiço, alagado e favela / mostrando a miséria sobre a passarela / sem a fantasia que sai no jornal / vai ser uma única escola, uma só bateria / quem vai ser jurado? Ninguém gostaria / que desfile assim não vai ter nada igual ./ Não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga / nem autoridade que compre essa briga / ninguém sabe a força desse pessoal / melhor é o Poder devolver à esse povo a alegria / senão todo mundo vai sambar no dia / em que o morro descer e não for carnaval”. Vejam ela cantada clicando a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=mr0ZUETRnJk

Depois de entender o que Wilson profetiza, vou assistir a outro ícone, o Sergião, com letras de muita resistência e vê-lo ao lado dos filhos, cantando e encantando foi para endoidecer gente sã. Quase no final do show, ele mesmo diz que a música que mais o marcou (até mais do que o fato de ter quebrado certa vez um violão no palco) foi a feita para trilha do filme de Glauber Rocha, a “DEUS E O DIABO NA TERRA DOS SOL” (dele e do Glauber). Muitos já a devem conhecer (e se ainda não a conhecem, sempre é tempo) e destaco da saga do matador de cangaceiro, o seu fim, com uma frase das que me fazem pensar e repensar muito dos procedimentos desse país a cada vez que a escuto. É isso: "
Tá contada a minha estória/ Verdade e imaginação/ Espero que o sinhô/ Tenha tirado uma lição/ Que assim mal dividido/ Esse mundo anda errado/ Que a terra é do homem/ Num é de Deus nem do Diabo (bis)”. Vejam ela cantada a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=ITdt15O3_dE
 Quer coisa mais linda que essa?

Os dois shows me fizeram pensar na mesma coisa, no que está ocorrendo hoje novamente lá no Egito, quando dessa vez, o presidente recém eleito, Mohamed Morsi, o substituto do ditador Mubarak, imita o deposto e coloca o país em risco de uma guerra civil, pois num decreto aumenta seus poderes e quer comandar o país com braço de ferro. Foi o bastante para o povo tomar novamente a Praça Tahrir e de lá não sair. Exigem o retorno à normalidade. Adoro ver esses momentos onde o povo em plena gravidez, enfrenta seus tiranos no tal do "descer o morro". Nas músicas lembradas, algo sobre o que pode acontecer quando o mesmo se repetir por aqui e depois algo como uma lição, que por mais que seja enunciada, não existe meio dessa elite aprender, pois insiste em continuar pregando e exercendo a desigualdade como forma de agir. Por enquanto fiquemos somente nas músicas, que cantarolo ouvindo em CDs aqui no meu mafuá. Aguardo o algo mais...

2 comentários:

  1. Henrique

    Não se iluda fazendo essas comparações.
    Seu amigo, o sumido Marcão dizia sempre por aqui da desesperança com os brasileiros, que não querem saber de ir para as ruas alterar o estado de coisas. Não saem mais defronte seus computadores e nem mais lêem como antes. Predomínio total de religiões, que subtraem o restante de saudável. E ainda acusam o outro de corrupto, sendo que todos estão no mesmo balaio.
    Aurora

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  2. E em ambos deviam ter poucas pessoas?
    Foi enfiado goela abaixo do povo uma música ruim, nada revolucionária, bem conformada, dessas para fazer o cara virar festeiro, porém cordeirinho.
    Eu sou do tempo do Sergio Ricardo e dos festivais de música, tempo de ditadura militar e não tínhamos medo de sair para as ruas e protestar.
    Líamos muito mais, vários jornais, não nos informávamos somente por um meio de comunicação. Pluralidade e sapiência para saber discernir. Hoje acredita-se em tudo que querem. Quando leio algo assim como o que escreveu, tenho vontade de colocar as mãos entre as pernas, pois tenho vergonha. Vergonha de ver o que já fomos e o que somos.

    Alvarenga

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