OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (43) e MÚSICA (97)
MARTINHO, O SAMBA DA VILA E ALGO SOBRE A REFORMA AGRÁRIA
Fazer Carnaval nos dias de hoje não é tarefa das mais fáceis. Carnavalescos descompromissados com a questão ideológica tiram tudo de letra, porém algumas personalidades cujos corações batem politicamente à esquerda, tudo fica um tanto mais difícil. Imagine você lá dentro de uma estrutura imensa de uma Escola de Samba carioca, dinheiro fluindo aos borbotões de fontes inimagináveis e pintar um clima sobre a letra por causa de um algo mais, uma conotação de fundo social? Isso acontece e na maioria das vezes a grana fala mais alto. Nesse ano, na escola campeã, a VILA ISABEL o clima quase pintou com MARTINHO DA VILA, o popular sambista, 70 e tantos anos dedicados à boa música e uma história de vida com conotação e posicionamento de esquerda.
O fato é o seguinte. A Vila escolheu o tema BRASIL CELEIRO DO MUNDO – BOTA ÁGUA NO FEIJÃO e discorreria sobre o homem do campo, a questão da terra, mas sem querer tocar na temática da reforma agrária. O motivo maior é que um dos maiores investidores da escola, a grana graúda estava vindo do agronegócio. A celeuma esquentou os tamborins pelos lados tijucanos. Na parceria da letra do samba, além de Martinho estavam Arlindo Cruz, André Diniz, Tonico da Vila e Leonel. O único querendo fazer explícita citação ao tema problemático era Martinho. Diante da pressão cedeu, mas manteve uma pitadinha do tema nas entrelinhas da letra. Letristas no passado fizeram muito disso, quando na ditadura militar precisam trabalhar com algo subliminar para não terem suas letras censuradas.
Para bom entendedor, Martinho acabou por dizer tudo numa só palavra, a partilhar. Ficou assim o trecho polêmico: “A terra é abençoada/ Preciso investir/ Conhecer/ Progredir/ Partilhar/ Proteger”. Viver dentro desse sistema excludente e querendo agir de forma diferente não é mesmo tarefa das mais fáceis. Resistir é preciso. Jogar tudo para o alto e não fazer o samba é um posicionamento possível, mas Martinho ama sua Vila, mesmo ela estando ocupada, assim como todo o país pelos que dela usufruem e a sugam. Ele, como uma pessoa sadia, por dentro e por fora, faz misérias com o bom uso das palavras e o melhor samba enredo do Carnaval desse ano ficou assim: “O galo cantou/ com os passarinhos no esplendor da manhã/ agradeço a deus por ver o dia raiar/ o sino da igrejinha vem anunciar/ preparo o café, pego a viola, parceira de fé/ caminho da roça, e semear o grão.../ saciar a fome com a plantação/ é a lida.../ arar e cultivar o solo/ ver brotar o velho sonho/ alimentar o mundo, bem viver/ a emoção vai florescer/ Ô muié, o cumpadi chegou/ puxa o banco,/ vem prosear/ bota água no feijão já tem lenha no fogão/ faz um bolo de fubá/ Pinga o suor na enxada/ a terra é abençoada/ preciso investir, conhecer/ progredir, partilhar, proteger.../ cai a tarde, acendo a luz do lampião/ a lua se ajeita, enfeita a procissão/ de noite, vai ter cantoria/ e está chegando o povo do samba/ é a Vila, chão da poesia, celeiro de bamba/ Vila, chão da poesia, celeiro de bamba/ Festa no arraiá,/ é pra lá de bom/ ao som do fole, eu e você/ a Vila vem plantar/ felicidade no amanhecer." Ouçam e vejam o samba nas vozes de Martinho e Arlindo: http://www.youtube.com/watch?v=hVUUYiINSe0 Por fim até o Stédile, do MST acabou por elogiar a letra.
Escrever algo mais sobre Martinho, sua obra e trajetória, pessoal e política é chover no molhado. Suas histórias estão espalhadas por aí afora e repeti-las é desnecessário. Quem conhece Martinho sabe ser ele um grande artista, letrista dos melhores do país e esse episódio é só mais um dentre tantos a envolver sua obra e poesia. O conservadorismo cresce e impõe condições para tudo, porém uns resistem ao seu modo e jeito. Esse é o Brasil de hoje, vivenciando um verdadeiro cabo de guerra, cada um ao seu modo fazendo força para que seu lado se sobreponha sobre o outro. Só que o povo é maioria, não deveriam se esquecer disso.
Penso que ao menos desta vêz "soube-se" de onde é que chegou o dinheiro que sustenta o carnaval! ...embora todos saibam que jogo-do-bicho, drogas, tráfico, etc. e etc. sempre bancaram o carnaval carioca, diria que até o paulista!
ResponderExcluirAntonio Carlos Pavanato