terça-feira, 21 de maio de 2013

CARTAS (103)

BANGLADESH É TAMBÉM AQUI, SEM TIRAR NEM POR - Meu texto publicado hoje na Tribuna do leitor, Jornal da Cidade Bauru SP:

Quem disse que o ocorrido lá na distante Bangladesh, quando um prédio ruiu e matou quase todos lá dentro, é exclusividade deles? Longe disso, pois a situação lá ocorrida tem suas ramificações mundo afora, inclusive aqui. Não escrevo só da situação da edificação em si, mas de outra, oculta pelas paredes e pouco divulgada pela mídia. A tragédia por si só já é uma excrecência, tal a forma como ocorreu. Um projeto a envolver um grande senhorio, que ali mantinha uma construção sendo ampliada, como se fosse uma simples colcha de retalhos, ao seu bel prazer, contando com a aquiescência do poder público local, para conseguir as liberações. O prédio apresentava sinais evidentes de deterioração estrutural, problemas na sua execução, mas nem foi cogitado de ser lacrado. Deu no que deu. Não suportou o peso de um andar sendo construído em cima de outros cinco e mais outro já estava no prelo. Tudo devidamente autorizado pelas autoridades locais. Já não vimos esse filme? A Boate Kiss aqui para nós é só a ponta de um imenso iceberg.

O prédio não contava somente com investimento local, pois por detrás de tudo algumas marcas mundialmente famosas, todas de certa forma lucrando em cima do que lá ocorria. Cito o Wal Mart, Benetton, C&A, Primark, Joe Fresch, El Corte Ingles e tantas outras. Lá não era um simples shopping center ao estilo conhecido por nós. Essas marcas mundialmente famosas mantinham uma espécie de sociedade com um figurão local, esse contratava mão de obra a preço de banana, costuravam tudo o que seria revendido na Europa e até nos EUA, pagando salários irrisórios e com uns poucos obtendo lucros astronômicos. Algo que hoje não é mais considerado ilegal, nem muito menos antiético, pois a imensa maioria dos comerciantes de todas as partes do mundo faz uso desse procedimento para aumentar sua lucratividade. Foi um excelente negócio para todos os que revendiam os produtos lá fabricados, até o momento em que o prédio ruiu e as mortes foram divulgadas nas TVs de todo o mundo. Daí em diante foi um tal de donos dessas marcas alegarem nada terem a ver com o ocorrido, mas já era tarde, pois o respingo da indecência estava escancarado. Como tapar o sol com a peneira? Tem quem o queira fazer.

Tem mais. Aqui mesmo na nossa Bauru vejo industriais e alguns economistas apregoando como a coisa mais normal desse mundo o procedimento que incidiu na tragédia lá dos cafundós do mundo (forma de designação simplista). Quando a reivindicação salarial e os encargos tributários sobem um pouco, caindo a possibilidade de lucratividade, muitos daqui já se insinuaram com desejo de fechar tudo e ir à busca de lugares onde o lucro ainda é ilimitado. Dizem ser isso normal e hoje, tudo está aí exposto para quem quiser enxergar a imoralidade da prática. Nesses casos, ocorre o desemprego aqui e o descarado incentivo do trabalho praticamente escravo do lado de lá do planeta, praticado em condições sub-humanas, tudo em nome de um tal de deus dinheiro, que suplanta a tudo e a todos.

O ser humano não precisaria viver dessa forma tão degradante, explorando o semelhante até as raias do seu sacrifício, mas o faz sem dó e piedade. As relações comerciais são hoje praticadas com algo assim embutido no seu âmago, sem constrangimentos, pois o que vale mesmo é uns poucos poder continuar tomando o seu bom vinho nas noites, embalado por uma comida que alguns restaurantes já cobram o preço de um resgate de uma pessoa não muito importante. 


Prefiro continuar agindo como me foi ensinado pelos meus pais, não vendo nada de sadio e normal nisso tudo. Se a globalização é isso aí, quero mais é me enfurnar de vez na defesa das poucas experiências existentes hoje no planeta de que outro mundo ainda é possível. É nisso que acredito.

OBS DE FINAL DE TEXTO, QUE NÃO ENVIEI PARA O JORNAL: Entenderam por que não gosto de frequentar lugares ao estilo Wal Mart?!?!  

2 comentários:

  1. Vale lembrar que muitas vezes essa tal "economia emergente"que leva em consideração aumento de PIB e afins - e não qualidade de vida - vem elevando países de 3 mundo ao nível de maiores economias" justamente as custas da exploração desse tipo de trabalho.


    Não ha desemprego e sim emprego para todos por 1 dólar /dia e "investimentos de capital estrangeiro" aos baldes para explorar a situação. O pior é que trabalhando a 1 dólar /dia se foge da fome. Sem alternativas, o povo vai...


    E a crise aqui na Europa foi criada pela farra dos bancos e por essa mentalidade ai das "grandes marcas". Pois difícil um trabalhador aqui se submeter as condições que dão margem a esses lucros abusivos e a redistribuição de renda aqui se dá na hora dos impostos. Ha diferença sim, mas nivelada por cima e não tao escabrosa quanto em outros lugares - por enquanto - e as bestas dos empresários choram as pitangas por desconhecer a maravilha que é a seguridade social.


    Outro ex: entra um cara lá na loja e quer qualquer coisa não "made in china". Eu mostro, o cara xinga ao ver o preço - não paga. Faz discurso moralista mas não paga , kct? Então quer algo made in Holanda baratinho, vai la no bar - tão lá tomando cerveja. Oras....

    Márcia Nuriah, da Holanda

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  2. Henrique

    Voce falou tudo e é exatamente por causa de coisas desse tipo que não gosto nem um pouco de ir em lugares como o Wal Mart. Eles detestam funcionários sindicalizados e fazem suas roupas em lugares que se utilizam de trabalhos escravo. Não sabia da C&A? Quando minha mulher insiste muito eu até a levo, mas a espero no carro e me recuso a entrar naquele mercadão que só manda dinheiro para o States.

    Alvarenga

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