sexta-feira, 20 de setembro de 2013

UM LUGAR POR AÍ (43)


OFICINA BRENNAND NO RECIFE E SEU IDEALIZADOR
Recife é uma cidade cheia de encantos. De tudo o presenciado por lá, o que mais gostei nas minhas muitas andanças pelas ruas daquela capital nordestina, sem sombras de dúvidas, o povo é o diferencial. Sim, o povo suplanta a cidade em si e ele é quem de fato faz a diferença da e na cidade. Eles adoram a cultural local e principalmente sua música, suas origens e não tem vergonha de ser como são, diferenciados pela possibilidade que tiveram ao longo dos anos com os contatos todos culturais que tiveram. E são indiscutivelmente menos conservadores do que os paulistas. A arte que vi sendo produzida nas ruas é muito rica, exposta, na grande maioria das vezes de uma forma muito simples, bela e natural. Pretendo escrever muito das influências, que já sinto muito me tocaram. Tudo o que vem do povo deve ser assimilado e entendido como algo próprio, natural. Sai de lá maravilhado com o povo nas ruas, com os contatos feitos nas ruas e praças, com o que consegui absorver de cultura, da riqueza dos ensinamentos dos mais simples.

Quis fazer esse começo enaltecendo o povo, pois quero escrever de algo visto por lá que também muito me encantou, mas nascido, produzido e mantido por alguém bem diferente de tudo o que vi nas ruas. FRANCISCO BRENNAND não pode e não é um nativo enfurnado dentro da cultura popular nordestina. É um sujeito cria da elite nordestina, um dos seus representantes. Oriundo de uma família com incontáveis recursos, algo inimaginável para qualquer pobre mortal, esse senhor usou toda a grana amealhada ao longo da vida dos seus antepassados e a sua para criar algo diferenciado dentro da metrópole nordestina. Não existe quem na cidade não cite os dois Brennand com uma pitada de orgulho, pois dois dos lugares mais visitados na cidade são os seus “museus” particulares.

Fui a ambos e escrevo primeiro do denominado INSTITUTO BRENNAND, o do chamado “Mestre dos Sonhos”. Reproduzo primeiro algo retirado do catálogo da sua exposição, para que os que ainda o desconheçam, possam fazê-lo. “Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennard nasceu a 11 de junho de 1927, na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco. Em novembro de 1971, o artista começou a reconstruir a velha Cerâmica São João da Várzea, fundada pelo seu pai em 1917. Esse conjunto, encontrado em ruínas, deu início a um colossal projeto de esculturas cerâmicas que deveriam povoar os espaços internos e externos do ambiente. Hoje, após mais de 34 anos de trabalho intenso e obsessivo, confrontamo-nos com esse complexo escultórico, cujo significado dá relevo a um sentido cosmogônico e, ao mesmo tempo, visionário de Francisco Brennand. O escritor e arquiteto Fernando de Barros Borba define as características da arte brennandiana como poucos o fizeram.

Todo esse mundo se apresenta, mais que tudo, com as invenções de Borges e Octavio Paz, em timbre nordestino. Os espaços sinfônicos, o Taj Mahal no jardim, um forno antigo atapeado de lâminas e rituais, jarras em penumbra, sentinelas como peças de xadrez, pilares espetando o vazio, monstros e arcadas trazem-no o gabinete mágico de Dom Illán de Toledo, utopias de Tlon e de Uqbar, uma cidade devastada na Índia, um campo ensolarado com pirâmides indecifráveis. É o romanceiro épico de Brennand. Suas novelas, seus contos breves, quem sabe, curtos poemas, são esses bicos brilhantes de tucanos, de gaviões, de urubus, os fálicos fustes coroados por claras e tímidas glandes, pernas de absurdas mulheres, peixes levantando dolorosamente a boca, frades enfileirados, sapos, tartarugas, nádegas com cabeças de lagarto (ou serão de bem-te-vis?), cruzes, marcos heráldicos, totens cegos com peitos, ovos de onde irrompem cobras e, de repente, a mesa profusamente posta com um banquete de fantasmagorias. Mas para que descrever? Palavra alguma pode dizer a arte de Brennand. A literatura é inútil. Ele escreve com a cerâmica”.

É isso, tudo lá é muito louco (pelo menos para mim, um abusado leigo). O local é um sítio encravado no meio do Recife, rodeado de habitações populares e ali, algo suntuoso, contrastando com o resto da cidade. Uma ruazinha estreita, toda asfaltada e após uns poucos quilômetros, algo muito estranho nos surge diante dos olhos. A reunião desorganizada, meio misturada de uma intensa obra ceramista, criação de toda uma vida, algo de grande valor, tudo ali diante dos olhos dos visitantes. Como isso tudo foi possível? Não sei responder essa pergunta. Sei que tudo foi amealhado, juntado e hoje está exposto. Não quis escarafunchar e saber mais da vida pregressa do artista, me reservando a observar e ficar abismado, como a maioria fica diante de tanto coisa bonita exposta. O lugar é meio mágico e isso fica muito evidente, primeiro pelo visual e depois quando se toma conhecimento de alguns detalhes da (re)construção do lugar.

Tudo lá é dividido em dez partes, dez mágicos espaços, todos imensos, glamorosos e propiciando uma viagem aos visitantes. São eles, na entrada Os Comediantes, depois o Templo Central, Salão de Esculturas, O Anfiteatro com suas imensas mandalas, uma praça criada pelo paisagista Burle Marx, a Accademia com cerca de 300 desenhos, auditório Heitor Villa Lobos, o Templo do Sacrifício, o Estádio para realização de eventos variados e por fim, uma loja e café. Tudo permeado pelo verde, tomando conta de boa parte da área física. Partes das instalações não são permitidas as visitas, pois ali está instalada a fábrica de peças com o nome Brennand. Tudo feito em série, atendendo pedidos do mundo todo.

O local era uma antiga fábrica de tijolos e telhas, herança do pai, instalada nas terras do Engenho Santos Cosme e Damião, no bairro histórico da Várzea. Tudo ali está cercado por muita coisa ainda remanescente da Mata Atlântica e também pelas águas do rio Capibaribe. O lugar é único no mundo, recebendo o toque mais do que especial do artista, em algo difícil de ser explicado e também difícil de ser entendido. Lendo muito dos que ousaram escrever sobre o ali contido, vi rasgados elogios, porém em nenhum algo a me mostrar uma espécie de caminho, de luz no final do túnel sobre as explicações, as respostas para uma coisa estar ali e outra ali. Na verdade ali tem de tudo um pouco e o artista viaja, ora versando sobre algo na América, ora na distante Índia e outros mundos. São versões livres de como entende o mundo.

Num folheto li sobre ali ser uma espécie de “Terra Sagrada, templo ou até santuário”, mas não acho que Brennand pensou em algo assim quando criou o espaço. Na sua cabeça tem isso e muito mais. Percebam o símbolo do Instituto e saquem ali estar nitidamente o de uma entidade do candomblé, Oxóssi. Aliás, isso outra coisa, quando lá chegamos num grupo, alguém nos disse que em muitos casos o artista circula muito por ali e poderíamos, com uma pitada de sorte encontra-lo. Disseram mais, que ele adora bater papo e responde a tudo o que lhe for perguntado. Dito e feito. Por duas vezes trombamos com ele e nas duas fiz perguntas a ele. Na primeira sobre o símbolo lembrando Oxóssi. Ele me explica que gostou logo de cara dele, desde a primeira vez que o viu, mas que não possui laços fortes com o sincretismo religioso advindo daí. Foi estético, mas ficava contente que isso de certa forma possa contribuir para diminuir o preconceito com essa e outra religião.

Na segunda pergunta, ao observar as peças expostas percebi a retratação de forma significativa do órgão genital feminino, de variadas formas e jeitos e muito pouco do masculino. Disse a ele que a resposta poderia ser óbvia, mas queria saber se tinha algo a ver. Ele me disse que enxerguei somente parte de sua obra, a exposta ali, mas que o fálico também está representado em variadas peças, em algo que para muito pode passar despercebido, mas para ele foi coisa pensada. Tirou fotos com todos, falou bastante, indicou olharmos mais para algumas peças, citou autores de seu gosto e foi paparicado ao vivo e a cores. Ele, na verdade, vive intensamente aquilo tudo, ou melhor só vive por causa da continuidade daquele trabalho.

Depois andando mais pela cidade, vejo suas obras espalhadas cidade afora. No cais do recife Velho, na região dos arrecifes uma ilha com um totem seu, na fachada de bancos e empresas, seus ladrilhos, mosaicos e pinturas. Nas calçadas de vários lugares lá a obra imortalizada do bom velhinho. Vim de lá encucado e querendo escrever algo sobre o maravilhamento propiciado pela visita. Sou um ser social, um ser que antes de mais nada enxerga como aquilo tudo foi levantado, no que está por detrás disso tudo. Porém, se for pensar só por esse lado não irei nunca ver as pirâmides do Egito, o que sobrou de Machu Picho ou das ruínas levantadas pelos astecas. E o que vi é tão grandioso quanto isso tudo, independente desse outro lado. Eis aqui esse texto meio bufão e algumas das fotos lá tiradas, dentre mais de cem tiradas. 

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