O MECENAS DISSE ADEUS - LEMBRANÇAS REUNIDAS
A justificativa para o reencontro de tantos boleiros da cidade de Bauru é
das mais plausíveis. Na noite de 04/11/2013, segunda, no hall de entrada da 94FM
dois eventos ao mesmo tempo e ambos reverenciado o aniversário de 103 anos do
Esporte Clube Noroeste. No primeiro uma ampla exposição com troféus, fotos,
filmes e tudo o mais, material cedido pelo time de futebol (que em momento algum chamo de clube), lembrando a data e a
tentativa desse de “sacudir a poeira e dar a volta por cima”, após uma
administração catastrófica destituída após pouco mais de seis meses no poder. No
segundo, o lançamento do livro do jornalista e proprietário da rádio, Paulo
Sérgio Simonetti, o “Noroeste na Era Damião” (2002/2013). Paulo, o protagonista
fez questão de convidar todos os que se lembrou com relação não só ao time,
como pessoas que também sacodem a poeira nesse e em tantos outros meios em
Bauru. Estive por lá e comento desses reencontros.
No primeiro não tenho como não falar de mim mesmo. Sou um mero escriba,
esgrimista contra meus próprios moinhos, sem muitas pretensões e ao entregar o
livro para o devido autógrafo, Paulo lá tasca um: “Ao Henrique Perazzi, o ‘boca do
inferno’ das redes sociais. Abração do PS”. Quase cai das pernas com a
comparação com Gregório de Matos e ao mostrá-la para o jornalista Luis Roberto
Tizoco, uma surpresa, ele me cita frases do mesmo, com belas possibilidades de
similaridade com acontecimentos ali no salão. Rimos e mais ainda quando ele se
ajoelha diante do Paulo, por coincidência seu patrão, para tirar algumas fotos
com os autografados. A noite foi toda assim. O livro do Paulo por mais que possa
ter contidas críticas, são enfocadas com o seu jeito, amenizadas e valorizando
o papel do mecenas que por amor permaneceu à frente do time, bancando tudo até
quando lhe restaram forças. “O desenlace não ocorreu só por choque de
interesses e sim, mais pela saúde debilitada, o velho torcedor não teve mais
forças para tocar o negócio ao seu modo e os filhos não possuíam o mesmo amor
de alguém que nasceu na cidade”, essa sua explicação para a saída em
definitivo e a perda da injeção financeira da era Damião com o
Noroeste.
Muita gente atendeu ao convite feito, na maioria das vezes pessoalmente
pelo próprio Paulo, via e-mail ou telefone. O local permaneceu cheio das 19h30
até bem mais das 22h. Quem mais chamou a atenção além da exposição e do livro
(e não poderia ser diferente) foi um senhor de 83 anos, ex-jogador do São
Paulo, Santa Cruz e é claro, do Noroeste, Luiz Marini, que aqui casou e
aqui ficou. “Desisto de assistir muitos jogos de futebol hoje em dia. Começo e
nem termino, não existem mais níveis de comparação. Não me acusem de
saudosista, mas o que fazíamos era totalmente diferente do que ocorre hoje. Eu
com 17 anos fui titular no São Paulo e quando joguei pela Santa Cruz ouvi do
goleiro Barbosa, o da Copa de 50, que após 15 anos de Vasco não havia ganho o
que ganhou em um ano no Recife”. Ele foi o mais entrevistado da noite e por um
bom tempo ficou a procurar os troféus de sua época dentre os tantos ali
expostos. O que achou foram fotos da formação dos escretes onde atuou.
Na mesma situação dele estiveram outros. Marco Antonio Machado é dentista, jogou na zaga do Noroeste por vários anos e depois enveredou pela carreira de técnico esportivo.
No meio do salão reencontro Zarcilo Barbosa, colunista dominical do JC,
professor universitário aposentado e com quem troquei rusgas recentes por causa
de posicionamentos, ele contra e eu a favor de Cuba. Num aperto de mão restabelecemos o diálogo e numa roda, formada pelo vereador Markinhos da
Diversidade e pelo jornalista Ademir Elias tentamos resolver o problema da
saúde municipal comendo canapés e bebericando o que nos foi servido. “Já vivi situação de ter hora marcada no médico, chegar lá e perceber que todos os do
dia estavam marcados para o mesmo horário e a hora de chegada era o demarcador
da fila. Horas ali sentado, esperando”. Markinhos se mostra comedido, meio que pisando em ovos: “Adoro o que
faço, mas não ataco ninguém gratuitamente, quero entender a posição de todos. O
curso de Medicina é caro e daí não aceitam receber pouco”. Ademir buscou aqui e
ali (não só os canapés), mas preferiu opinar mesmo sobre o futebol e no caso a
situação dos times do interior, cada vez mais catastróficos, com um calendário
que não privilegia mais os interesses dos pequenos. Estava restabelecida à
normalidade do debate e ao tema que ali nos reunia.
No fundo do salão, numa outra roda, Varlei de Carvalho, um endiabrado
ponta, desses baixinhos enfezados e raivosos, dentro e fora do campo, tanto
como jogador, como na função de técnico de futebol. Vendo-o fora do futebol pergunto se
ainda estaria disposto a treinar algum time: “Sim, se não me convidarem mais,
considero minha cota de tudo o que já fiz suficiente, mas se ocorrer saio por aí
novamente”. Éramos felizes e não sabíamos, pois nunca mais o futebol terá
possibilidades de juntar pessoas por tanto tempo no mesmo lugar, hoje muda-se de time como se muda de canal televisivo, essa minha conclusão. “Tudo é
diferente hoje, os campeonatos são mais curtos, as distâncias entre uns e
outros maiores e os mecenas cada vez rareando mais”, conclui. Essa dificuldade em tocar
futebol hoje também recebe eco no posicionamento do esportista e vereador Faria
Neto. “Como sobreviver hoje. A sobrevivência dos pequenos hoje depende de uma
reengenharia financeira do esporte, inclusive com gestões mais responsáveis. E
os mecenas estão em extinção“, diz esse. Passa pelo grupo, o ex-presidente Caio
Coube e lhe pergunto se colocou dinheiro do bolso no Noroeste. Sua resposta: "Pouco, no meu caso menos de uns R$ 50 mil reais. Estive à frente do time numa
época onde ainda conseguia recursos altos dos bingos e isso ajudou muito. E o
empresariado ajudava mais”. Minha última carteirinha de sócio do Noroeste tem a sua assinatura.
Num certo momento Paulo é chamado à frente para o cerimonial da noite e junto dele outros o seguem.
João Bidu, vice no período Damião, ex radialista esportivo e hoje manager da
editora Alto Astral e Toninho Gimenez, quem verdadeiramente dá e tira as cartas
no cenário noroestino atualmente, junto de toda a diretoria recém eleita e indicada por ele. Paulo é
político e polido, fixa tudo na esperança de dias melhores e no tema do seu
livro. Tudo ocorre sem traumas e até os integrantes da torcida organizada
Sangue Rubro, em bom número por ali estão esperançosos com o que pode vir pela
frente. "Pior do estava não pode ficar" apregoa Pavanello, um dos seus líderes. Sobre essa falta da paixão nos tempos atuais, Paulo rebate olhando para
os torcedores, todos de vermelho, as cores do time e saca: “Olho para eles e
constato a esperança. Esses não desistiram de torcer e acreditar”. Luciano Dias
Pires, octogenário editor do Bauru Ilustrado tira uma foto do grupo onde me
encontro e saca uma das suas: “Daqui há vinte anos você sairá numa edição”.
Olhando para os lados uma constatação, nenhum jogador dos últimos
tempos, só os da velha geração, todos também de eras anteriores aos mandatos de Damião Garcia.
Boleiros idem, gente de um quilate de Gualberto Pires, outro que veio de Sampa
e aqui ficou, formou-se, deu aulas e fixou residência. Cacá, filho do
radialista Galvão de Moura, hoje fora do microfone, outro a observar tudo à
distância, sem arroubos comparativos do ontem e do hoje. Alguns jornalistas do
microfone atual, como Emerson Luiz, da Auri-Verde, esse entusiasta do que renasce,
talvez vislumbrando anúncios publicitários para a empresa onde atua. De outro
lado, torcedores não vinculados à torcida organizada, como o sorveteiro
Vicente, que ganhou um livro na impossibilidade de compra-lo (a renda da venda
está sendo toda doada para a entidade social, a Sorri). João Francisco Tidei de
Lima, professor de História hoje registra numa coluna semanal no Bom Dia os
tempos de antanho do futebol e muito consultado, é uma memória viva do passado.
A TV Tem enviou equipe para registrar o evento. Netão, irmão do autor do livro,
também no metiê jornalístico e de outro grande do microfone, o Sica, falecido
recentemente, fez o trabalho de circular de grupo em grupo, abrir novos papos,
reverenciar o vivido pela maioria dos ali presentes, a tal da época que foi
brilhante e não volta mais. Acredito que isso é o mais importante ressaltado no
evento, a era Damião foi importante, mas mais que ela a anterior, muito mais significativa e a mesma de
muitos ali presentes, quando o futebol tinha outras características. O modus operandis era outro.
Paulo estava mais feliz que pinto no lixo, um belo sorriso exposto em
todas as rodas. Um gentleman na recepção aos seus convidados. Sabe agregar,
soube o momento de lançar sua obra, soube reunir pessoas, fez tudo certinho. Produziu
um registro interessante, desapaixonado e sem ter ido ao estádio uma só vez no
período retratado. Trata-se de um observador à distância, porém sem perder o
foco. Acreditava difícil isso, mas observando a imensa maioria dos ali presentes, fiz uma pergunta para mim mesmo: Quantos dali não estão na mesma situação do
Paulo, quantos ainda vão ao campo assiduamente? Poucos, tão poucos que, com
certeza, dariam para serem contados nos dedos das mãos. E todos falaram do
Noroeste de ontem, o de hoje e o de amanhã. Na saída, ao cumprimentar o autor,
sempre muito sorridente, Paulo me pergunta: “Já cumprimentou o Cafeo?”. Digo
que não, "não tive a oportunidade". Explico, Reynaldo Cafeo, comentarista
econômico da 94FM é defensor intransigente das leis que regem o mercado atual e
eu me vejo na trincheira contra esse poder indiscriminado do dinheiro. “Mas
precisam”, me diz ele. “Cafeo é amante, ideólogo da economia de mercado e você,
bem você...”, fica sem concluir a frase, buscando lá no fundo como poderia
melhor me definir. Adorei o “boca do inferno”, porém sei não ser merecedor de
tamanha honraria, mas prometo tentar o sê-lo, pelos menos nas redes sociais. E
também noroestinas, mas sem nenhuma pretensão.
Belo registro Henrique, texto e fotos! Obrigado pela citação. abs.
ResponderExcluirJoão Francisco Tidei de Lima
Parabéns, mais uma vez, Henrique. Do jeito que você relatou parece que eu estive lá! Um forte abraço e não se desleixe da virtude do seu apelido, lembrado pelo Paulo: "boca do inferno"!
ResponderExcluirCélio
viva o norusca
ResponderExcluiraté sexta
Paulo Humberto Loureiro, o carioca