MYRELA, A QUE VEIO DE LONGE - A HISTÓRIA DA PRIMEIRA RAINHA TRANS DO CARNAVAL DE BAURU Novidades é o que não faltam no Carnaval Bauruense. Muitas esse ano e dentre elas algo mais para ser reverenciado com jubilo, o fato de mais uma barreira ter sido quebrada com o desfile da primeira Rainha de Bateria Trans numa Escola de Samba. Feito esse preenchido por uma até então desconhecida na cidade, MYRELLA MASSAFERA, 21 anos, vinda de Curitiba especialmente para desfilar na Imperatriz da Grande Cidade. A história dessa nova personagem, paparicada por muitos, merece ser contada, detalhes ressaltados e a partir daí, sendo desvendados os caminhos percorridos por muitas iguais a ela, viajando longas distâncias, desdobrando-se de formas pouco usuais e inusitadas, tudo para abrilhantar festas e a partir daí, também terem a possibilidade de com uma exposição diferenciada de seus nomes, começarem trilhar novos caminhos, possibilidades outras. Conheçam um pouco de como isso tudo se sucedeu.
Por sorte Myrella conhecia alguém em Bauru, um porto mais que seguro, facilitando sua chegada. Seu nome, Elisângela Silva, hoje repositora na loja da Wal Mart na cidade e também Mestre de Tamborim do bloco carnavalesco Pé de Varsa e que, anos atrás havia morado em Curitiba e conhecido Myrella em casas de shows daquela cidade. “Por que não vem pular o Carnaval aqui e aproveita para desfilar no Pé de Varsa?”, foi o convite feito de amiga para amiga. Prontamente aceito, os detalhes foram sendo traçados em poucos dias e algumas semanas antes da festa ter início, Myrella aqui aportou e já na rodoviária Elisângela a esperava. Hospedagem garantida começaram as visitas nos ensaios e a passista, que trouxe consigo o samba no pé começou a ser observada por gente de outras paragens. Vaga garantida no bloco, num dia de ensaio acabou visitando o ensaio de um vizinho, o Lagoa do Sapo. Lá quem a observa e a convida para o desfile numa escola de samba foi o presidente desta, José Carlos Zotino. Novas possibilidades e por sorte, gente prevenida vale por dois. “Não vim despreparada, trouxe a fantasia que iria sair no Pé de Varsa e outra de reserva. Foi minha salvação e com essa sai na Imperatriz. E olha que até então nunca tinha desfilado em nenhum Carnaval, aqui o primeiro”, conta Myrella.
Uma trans com o samba no pé, prontinha para ser encaixada em situações diversas, aceitando convites, improvisos e vagas surgidas no desenrolar da trama. Pedro Valentim é diretor da Imperatriz e assim define o que aconteceu: “Em reunião que a Imperatriz da Grande Bauru teve em Junho, bem antes do carnaval decidimos que iriamos homenagear no nosso Enredo as Entidades que materializam o 'Sincretismo Religioso Africano' que sofre uma perseguição brutal de Igrejas Evangélicas Pentecostais e de setores de nossa sociedade. Ao mesmo tempo definimos que na mesma linha deveríamos atacar a homofobia ao pôr pela primeira vez no Sambódromo uma rainha de bateria ‘transexual ou gay’. Fizemos isso e o público gostou. No nosso carro alegórico do ‘abre alas’ o que representava o Exu, outro gay, também muito aplaudido. Essa foi e continuara sendo a meta da Imperatriz, quebrar preconceitos e paradigmas”. Quebrou mesmo, Myrella foi capa do Caderno Cultural do Jornal da Cidade, fotos suas em ambas as apresentações bombaram em sites, blogs e nas redes sociais. Daí nada melhor do que conhecer um pouco mais dessa tão instigante pessoa, mostrar a que veio e como fez para já chegar prontinha da silva aqui em Bauru.
Para a amiga Elisângela isso não é novidade nenhuma. “Convivi com ela lá no Paraná e quando a convidei sabia que iria explodir e fazer muito sucesso, arrasar corações. E agora conto mais, ela gostou tanto daqui, que já fala em se mudar para cá. Portanto, preparem-se”, resume. Myrella é claro não nasceu com esse nome, mas não faz questão nenhuma de lembrar o de batismo, pois se fez com esse. “Sempre gostei desse e o escolhi por acaso. Sou de Itararé, interior paulista, sai de lá muito nova, acompanhando minha mãe, até que um dia nos mudamos para Curitiba. Minha mãe conheceu meu padrasto, que considero mais que um pai, devido ao apoio deles em tudo o que faço e lá pelos meus dez anos já tinha definido o que queria para minha vida. A transformação foi rápida e quando meu padrasto soube de uma aventura minha, nos reunimos em casa e acabei resumindo tudo com um, ‘eu gosto de homem’. Minha maior alegria na vida veio após isso, vi minha mãe chorando, mas no dia seguinte me disse que estaria sempre ao meu lado, me aconselhou e aconselha muito até hoje, mas nunca me abandonou”, conta. A história de Myrella é a história de muitas iguais a ela, a prematura revelação e a partir daí duas situações, ou o apoio familiar ou o abandono. Dois destinos pela frente e no seu caso, o amparo foi decisivo para ser o que é hoje, consciente e ciente dos percalços todos, mas sempre tendo mais do que um ombro amigo ao seu lado.
A história mais triste, parecendo sina em pessoas iguais a ela foi dos motivos para ter abandonado a escola. “Não consegui terminar o primeiro grau. Num ano meu número na classe, por uma dessas coincidências da vida era 24 e quando a professora estava no 19, 20, 21 eu já estava trêmula e a gozação era eminente. Aquilo calou fundo em mim, desisti de tudo e com treze anos acabei indo morar com uma cafetina. Daí vieram as primeiras aplicações de hormônios, algo que faço até hoje, tudo para ter meu corpo bem definido e a voz feminina”, conta. Quem é de fora do meio pode achar isso anormal, mas o padrão na maioria dos trans de sua idade é essa, o início precoce. Silmara Aparecida Arruda, a mãe, 41 anos, instaladora de rejunte em construções conta mais sobre isso: “Um impacto a primeira notícia, mas ela só tinha a mim e daí abracei sua causa. Tenho orgulho de falar dela hoje, somos unidas nessas questões. Ela reina para mim, é minha estrelinha. Não tenho total conhecimento do que ocorre com ela em suas viagens, então, além dos conselhos, torço muito. Acompanho as lutas todas onde já se meteu e também as conquistas”. Outro a apoiar e aconselhar é Kleber Silva, 43 anos, pintor de paredes e padrasto. “Sou tão grata a ele que, quando vamos para Santos, casa dos seus parentes, ele vai à praia comigo, fica junto, não tem vergonha de me apresentar aos seus colegas de trabalho. Em todos os lugares sou sua filha. Quer coisa melhor?”, explica Myrella.
A caminhada não foi fácil, fez de tudo um pouco até definir e ser o que é hoje. Promotora de vendas, operadora de caixa em supermercado, atendente em panificadora, cabelereira e maquiadora (“isso sou até hoje, atendendo clientes em casa”, conta), além de por alguns anos ter sido obreira da Igreja Adventista. “Fiquei lá alguns anos até que um dia, num acampamento com outros adolescentes, um menino na barraca ao lado me ajudou a montar a minha e aconteceu de novo. Não houve jeito, sai da igreja e vi que não poderia ser outra coisa na vida”, conta. Ela e a mãe antes da entrada do Kleber em suas vidas passaram poucas e boas, inclusive fome e inesquecível o dia em que tinham somente um chuchu para comerem. “Foi barra, mas superamos isso juntas”, diz. O tempo passou, da casa da cafetina vieram os shows em casas noturnas de Curitiba, culminando com algo bem peculiar hoje em dia. Quando se quer saber algo mais sobre alguém basta um clique no google e lá o rol do que existe em seu nome, espécie de Curriculum Vitae dos tempos modernos. No caso de Myrella lá estão vários links dos vários shows onde já se apresentou e até um com o dia em a gravaram ensaiando junto a Imperatriz em Bauru, diante de uma bateria ainda em formação. Esse, até a presente data são os seus cartões de apresentação.
Myrella diz querer mais e faz de tudo e mais um pouco para explodir, ou seja, fazer sucesso. Essa viagem para Bauru não foi em vão, existia nela algo como uma espécie de luz no final do túnel, um algo novo, possibilidades sempre despontando no horizonte. Nas fotos espalhadas pelo seu e outros facebooks, compartilhadas de um lado a outro, além dos comentários sempre cheios de todo tipo de interesse, espera surgir o algo mais transformador em sua vida. Faz questão de lembrar em vários momentos de certa semelhança com a atriz Tatá Werneck, a ‘Valdirene’, da novela há pouco terminada na TV Globo, ‘Amor à Vida’, algo pelo qual confessa, motivo para ser constantemente abordada e também assediada. Ela se diverte com tudo isso e espera usufruir mais e mais. A vida só com os shows não mais a satisfaz, pois os cachês são baixos e os custos com a produção de roupas, por exemplo, cada vez mais altos. Isso, segundo ela “algo um tanto desanimador”. Gosta do que faz, mas o retorno é baixo demais, daí desponta em sua cabeça um algo novo, ainda desconhecido. “Outro dia me colocaram em contato até com um famoso cineasta pornô carioca, o Damazo, especialista em filmes com a temática travesti. Até topo fazer, mas precisa ser algo profissional, compensador para ambos os lados”, confessa sem medo de macular sua imagem. Daí a pergunta de minha lavra: “E no que ela se difere de muitas outras em busca do sucesso?”. Eu mesmo respondo: “Nada. Ela, mais uma na luta e na lida”.
Na avenida do samba em Bauru, local de onde ela foi muito notada e inicialmente entrevistada, o que mais chamou a atenção foi a marcante presença, rodeada de muitas pessoas e quando já sem fantasia, sempre junto de inseparáveis bolsas, duas originais Louis Vuitton (“ganhei de minha mãe”, conta). Além da torcida, Myrella possui seu lado de fé, dedicação exclusiva à Umbanda, a qual frequenta desde os seus 16 anos. “Fui convidada por uma amiga hoje na Itália, Mônica Ravache. Quando lá percebi ser uma religião que aceita o diferente acabei buscando muito de minha força nela. Lá eu me sinto mais eu, acredito muito no eu posso ser para depois poder ensinar. Isso hoje está muito vivo dentro de mim, essa religiosidade integrada ao querer buscar esse caminho que me levará a algo duradouro, pleno. Confio nisso”, resume. Uma menina sonhadora, cheia de planos, não sabendo muito bem como decididamente fazer para alcança-los, mas ciente de que nada cairá dos céus.
O Carnaval terminou, ficou mais oito dias em Bauru e depois bateu asas, pegou o ônibus da mesma empresa que a trouxe, a Princesa do Norte e voltou para sua Curitiba. Retomou sua vida de antes, reviu os seus, saiu em busca de seus amigos, contou as novidades a todos, continua ouvindo de tudo (“menos rap e rock”, diz), em contato com as novas amizades e espalhando por todos os lugares o algo novo trazido desse lugar tão distante do seu habitat, até então desconhecido, mas hoje, mais do que um a mais em sua trajetória. Talvez volte um dia para Bauru, talvez alce outros voos para lugares incertos e não sabidos. Tudo na vida dessa intrépida Myrella é um suspense daqui para frente, sempr4e foi assim. Capricorniana, 59 quilos, 1m65, na flor da idade, inveterada devoradora de strogonoff, seu prato predileto, agora a 1ª Rainha Trans de Bateria de uma Escola de Samba de Bauru, quiçá do interior de São Paulo e talvez de todo Estado. Mas o que esse título pode representar para tão sonhadora pessoa?, lhe pergunto. “Eu tento, não desistirei de continuar tentando. Muitos acreditam em meu potencial, eu sei de todas as dificuldades pela frente. Dou o melhor de mim”. Presença forte e marcante, seu dia chegará e como na antiga música de Zé Rodrix, que talvez ela nem conheça, o refrão diz tudo: “Quando será o dia da minha sorte / Sei que antes da minha morte / Eu sei que esse dia chegará / Mas quando será”.
Henrique
ResponderExcluirMesmo não concordando com o modus operandi de sua vida, confesso que não rejeito as opções feitas por essa menina. Reflexo de algo bem dos nossos tempos. Ali diante de nossos olhos tudo, mas com pouca possibilidade de se ter aquilo. Daí os meios são buscados e cada um encontra os seus. Ela está trilhando isso. Boa história. E mais, tenho que confessar, ela é linda.
Aurora
Linda mi parabens pelo susseso vc mereçe isso e muito mais te desejo td de bom e pode contar comigo para o que for bjus
ResponderExcluirLinda materia fiquei emocionada confesso q nao sabia de um terço da sua historia de garra força e superaçao
PATRICIA REGINA
muito bom.
ResponderExcluirElisa Carulo
Ela está em Bauru. Tem o telefone dela. Ela informa?
ResponderExcluirP.
Suas histórias revelam o lado humano e real do que ocorre aí nas ruas.
ResponderExcluirEssa uma delas. Quantos jovens não sonham em ter tudo e na impossibilidade, despreparo educacional, acabam por fazerem de tudo para estarem inseridos no sistema do bem bom, ou seja, terem capital para comprarem tudo o que nos é oferecido.
Essa Myrella, linda por sinal, mais uma. Quem sou eu pra criticar ela querer ter as coisas num mundo onde tudo pode, tudo ocorre e tudo é feito para se ter cada vez mais. As pessoas são induzidas a isso.
No fundo a intenção do seu texto foi revelar esse lado meio que oculto dos que buscam chegar lá mais rapidamente e enquanto é tempo. o tempo da Myrella está em curso.
André Torres
Querido Henrique, há um grande equivoco no seu post, desde a década de 90 a Tradição da Zona Leste já teve um rainha trans, assumidamente mulher psicológica e se chamava Suzy. E após isso Naomi em 2010 quebrou paradigmas e concorreu a Rainha do Carnaval junto com as rainhas mulheres biológicas. E claro eu que, desde 2012 sou rainha de bateria da Tradição e desde então me mantenho no posto. Claro, não sou travesti muito menos trans, até porque o termo trans é apenas a quem não se aceita com o órgão sexual.... Mas minha identidade no carnaval visualmente sempre foi e será feminina. Huuum além do mais o Cartola dedicou um lugar de destaque a frente da sua bateria a rainha da diversidade desse ano. Com o posto de também rainha, portanto um grande equivoco da sua parte titular a Myrella como a primeira rainha de trans de bauru.
ResponderExcluirAbraço
Valentina Pryns
Ela me autorizou deixar aqui seu fone 041.99794238 Curitiba PR
ResponderExcluirHenrique - direto do mafuá