quarta-feira, 14 de maio de 2014
MEUS TEXTOS NO BOM DIA BAURU (275, 276 e 277) e CARTAS (122)
MEUS VIZINHOS NORDESTINOS – texto nº 275 publicado em 26.04.2014 Em duas residências no quarteirão de minha casa moram nordestinos. São os mais alegres do pedaço. A casa deles transpira algo de muito bom, que nem sei explicar direito. Sinto que o que transborda na deles, falta nas demais. Solidários não só entre si, mas com todos. Aos sábados são os primeiros a chamar quem gosta de bola para irem jogar futebol. Quando o apito é acionado todos já sabem ser hora da sagrada pelada. Vão e voltam rindo. Cuidam não só de suas casas, mas da dos ausentes como se fossem deles. Isso aqui é um paraíso e não sabia. Escrevo deles. Uma cursa Letras e não tem vergonha nenhuma em trabalhar de mensalista em casas da cidade. Com isso paga o curso e viaja duas vezes ao ano de avião para rever parentes. Outro é gerente numa fábrica de chicletes e nas horas vagas conserta o computador de todo mundo. O jardineiro de uma grande indústria é aqui o gerente do quarteirão, o mais cordial, sensato e conciliador. Sua filha estuda e trabalha e me vendo sempre escrevendo no computador, me pergunta: “Vi na TV e não entendo, me explique se puder. Por que pode uma CPI para apurar o que de errado houve na Petrobras e não pode outra para apurar o que acontece no metrô da capital paulista?”. Engasguei e o máximo que pude lhe dizer foi um: “Bestialidade humana, vesguice, sacanagem explícita”. O fato é que eles todos se plugam aos mesmos canais que nós paulistas, mas me surpreendem. O carregador de cimento veio com essa: “Depois de tudo o que fizeram para nós lá no Nordeste, onde poucos tinham até então nos ajudado, por que tenho que odiar quem mais fez por nós?”. Engasgo novamente e dou a mesma resposta anterior. Por fim, vejo que São Paulo, antes o estado carro chefe da nação me parece ser hoje o mais conservador do país. Sabe o que um dos nordestinos me disse dia desses? Digo-lhes: “Acho que os paulistas estão numa encruzilhada. Pensam mais em perseguir quem melhorou muita coisa nesse país e o que querem mesmo é viver em privilégios”. Tive que concordar. Eles não são ótimos? Gente de mente muito arejada.
POODLES E VIRA-LATAS – texto nº 276 publicado em 03.05.2014 No 1º de Maio fui assistir ao show do trabalhador, promoção da CUT e da Prefeitura de Bauru. Lá no parque Vitória Régia, três dinossauros do rock nacional, Kiko Zambianchi, Marcelo Nova e Nasi cantaram e encantaram. Um entrando no palco na sequência do outro, velhos hits pipocando em nossas cabeças e daí boas recordações. Todos bons de verve, escolados pelo tempo, contumazes estradeiros. A poeira sob seus pés os tornaram verdadeiros outsiders de um tempo que se esvai na curva da esquina. Para quem lá esteve um desmedido prazer. Quem cantava primeiro fazia a apresentação do seguinte. Marcelo Nova, irreverente baiano, eterno parceiro de Raul Seixas, fala afinada com seu canto e ao apresentar Nasi, o faz mais ou menos assim: “O rock brasileiro está cheio de poodles. Todos hoje se vestem muito parecidos, shortinhos, temas pouco envolventes, sem sal nem açúcar. Está faltando picardia ao rock, está faltando a presença dos vira-latas, desses que hoje estão quase extintos. E então com vocês um autêntico vira-lata, Nasi”. A frase dita assim ao léu não me saiu mais da cabeça. Ela sugere muitas outras coisas. Esses tais poodles são hoje os que se soltos por aí não sabem mais dar solução pra nada, pensam de forma bitolada, sempre igual, acham que tudo está muito bem no quesito mercado, aliás, essa a única alternativa possível para se chegar aos píncaros da glória. Rezam na cartilha de que outro mundo não é mais possível e fazem de tudo para estarem inseridos de corpo e alma na desenfreada competição, onde o ter é sempre mais importante que o ser. São os teleguiados. “Meus heróis morreram de overdose”, disse Cazuza certa vez. Overdose de mundo, pois o reviraram do avesso, como um bom vira-lata sabe fazer e um poodle de madame não. Esse perde até o olfato na acomodada condição. O vira-latismo não aceita o mundo embaladinho, pronto para ser consumido e preparado por uns privilegiados. Virar a lata é a própria razão de ser para um mundo no meio do caminho para um formato insosso, inodoro e insípido. Viva os vira-latas!
DIGITAL E MODERNO, MAS PÚBLICO – texto nº 277 publicado em 10.05.2014 (Esse mesmo texto sai publicado edição de hoje do Jornal da Cidade Bauru SP, coluna Opinião). Leio que os Correios estão adentrando a era digital de cara nova, com nova marca, procurando se readequar em tudo, principalmente nos serviços prestados à população. O fato marcante, percebido pelo próprio pessoal interno da empresa é que existia num passado não tão remoto um atendimento que era um primor, destaque nacional pela excelência, depois foi ocorrendo gradativamente uma espécie de velada deterioração em tudo e a credibilidade caiu bastante. Na tentativa de reverter isso, elogios, mas não será tarefa fácil. Dentre todas as empresas que fazem entregas de mercadorias país afora, ainda credito a eles o melhor serviço e com um custo razoável. Possuía uma espécie de privilégio meio que só dele. Hoje não mais, mas ainda domina, porém com sobressaltos. Antigamente nem existia Sedex 10 ou 12 e enviando algo daqui para o Rio de Janeiro, por exemplo, com certeza lá estaria no dia seguinte. Hoje nem com o serviço diferenciado se tem mais essa certeza. A marca é mero detalhe diante disso. O buraco é mais embaixo quando lembro com saudade ter sido os Correios exemplo no quesito Serviço Público (em maiúscula) de qualidade e perdeu isso nos últimos anos, justamente dentro de um governo onde isso não deveria e nem poderia acontecer de jeito nenhum. Veladamente ocorre uma privatização às escondidas. Serviços são terceirizados, principalmente na coleta e entrega de postagens e mercadorias. Isso é a precarização de um dos últimos bastiões públicos brasileiros. O funcionalismo já não sente a segurança do passado e atua com o freio de mão puxado. Uma tristeza isso, pois antes todos falavam de boca cheia dos exemplos, irretocável tratamento ao funcionalismo e hoje, em nome de uma tal de “modernização”, o momento é de incertezas. Uma transição para pior. O modelo interno mudou, o trato com a coisa pública é outro e reside aí a decaída de credibilidade. Eu quero muito poder falar bem dos Correios, mas quem dá as cartas hoje por lá precisa ajudar nesse sentido. Digital sim, sem perder o caráter público, sua melhor marca.
Comentários de meu facebook 26.04.2014 sobre o texto dos Vizinhos Nordestinos:
ResponderExcluirElaine Oliveira Pois eh.....eh triste sermos considerados "menores"...principalmente qdo temos certeza que não somos..a ordem eh "vamos nos complementar"
26 de abril às 09:40 · Curtir
José Eduardo Avila semana que vem vou a sampa e degustarei uma buxada de bode com baiao de dois hummm delicia
26 de abril às 09:46 · Curtir · 1
Liliana Martins Eles são muito bons mesmo! Parabéns!
26 de abril às 10:14 · Curtir · 1
Elaine Oliveira Aí que saudades da buchada de bode lá no alto do Moura em Caruaru..vc precisa conhecer Henrique Henrique Perazzi de Aquino
26 de abril às 13:02 · Descurtir · 2
Mara Rocha Adorei essa crônica, muito gostoso de ler, viajei pelo seu bairro e pelos seus vizinhos, certos bairros ainda conservam esse clima de comunidade, de camaradagem e ajuda, entretanto cada vez mais, o ritmo imposto as nossas cidades, um ritmo em função da...Ver mais
26 de abril às 15:45 · Editado · Descurtir · 1
Henrique Perazzi de Aquino Mara Rocha e te digo mais, agora são 18h42 e eles estão na calçada num papo ferrado, alegre, vendo o que irão fazer logo mais a noite. Quando estão debaixo de minha janela, que dá para a rua, como agora, desligo a música que ouço e fico a ouvi-los, poi...Ver mais
26 de abril às 18:44 · Curtir · 2