terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

CHARGE ESCOLHIDA A DEDO (92)


QUEREM O FIM DA CHARGE*

Esse texto poderia ter sido publicado na imprensa dias atrás, mas acaba saindo aqui e em primeira mão.
Muitos órgãos de imprensa já a aboliram (o que é uma pena) e os de humor de há muito deixaram de circular. Quando do fim do Pasquim, uma das justificativas era a de que, com a redemocratização do país não havia mais espaço para publicações naquele sentido e que, daquele momento em diante todos poderiam fazê-lo. Muitos deixaram de fazê-lo, isso sim. Quer dizer, colou, mas não num todo. A charge deu uma baqueada, resistiu, sacudiu a poeira e seguiu em frente, altaneira, jocosa, sutil, precisa e necessária.

Ela retrata o momento. Dá um flash no ocorrido e com aquela pitada a mais, o da mão e criatividade do seu desenhista. A graça também reside na forma caricatural com que registra a pessoa. Inesquecíveis as com o ex-ministro da Fazenda Delfim Neto, ainda do período militar. Ele é possuidor de um tipo físico que os chargistas adoram. Traço fácil de construir, gordinho, rosto pequeno, atarracado e enfiado num apertado terninho. Foi rabiscado de tudo quanto é jeito e modo. Nunca reclamou. Depois ficamos sabendo, ele adorava. Colecionava a forma como era retratado. Hoje, muitas daquelas charges estão emolduradas e nas paredes do seu escritório.

Sempre foi e deveria ser assim. Netão, um intrépido jornalista dos relatos policiais bauruenses de antanho dizia no ar: “Se você não quer ser notícia, não deixe acontecer”. Aconteceu, meu caro, ninguém deve e pode mais segurar, ainda mais sendo figura pública. A mão e a imaginação dos chargistas viajam nesses momentos. Eles estão aí exatamente para isso. Aqui mesmo em Bauru, vejo o Fernandão do JC retratando o prefeito Rodrigo, sempre com suas madeixas desleixadas e amarelas, carinha de eterno adolescente. A piada vale pelo ocorrido, afinal ele é o prefeito, daí ser notícia diária. Reclamar do que? Poucos o fazem e quando o fazem, se faz necessário uma muito forte justificativa.

O ocorrido com o Charlie Hebdo é uma espécie de novo divisor de águas no setor. Os limites sempre existiram e poucos o ultrapassaram. Vejo pouquíssima coisa no Brasil verdadeiramente ostensiva e injusta. O que não se pode aceitar é que a partir de agora, qualquer um querer se valer de uma pífia justificativa, se dizer ultrajado no seu íntimo e tentar impedir que se façam charges de sua pessoa. Ou até mais, querer somente se ver retratado em momentos positivos. Quando comete atos delituosos ou duvidosos, o humor do chargista é uma forma de evidenciar também o ridículo da situação. Ninguém está isento disso. Quem nunca escorregou na maionese que levante a mão. Sempre deverá ser assim.

Inaceitável uns e outros, bem caricaturáveis, diga-se de passagem, virem a público reclamar de como foram retratados. Que o mundo atual perdeu muito do seu senso de humor, isso visível a olhos nus. Rimos menos e para tudo existem regras de conduta. Um código onde todos são obrigados a andarem eternamente na linha. Linha? Mas, o gostoso não é correr o risco do trem nos pegar? Risco pequeno hoje com tão poucos trens. Virou mais que pecado ser politicamente incorreto. E como é bom isso.

Vejam, por exemplo, o caso do novo presidente da Câmara de Vereadores, o Faria Neto. Não ficaria totalmente fora de propósito o chargista o retratar alto como os demais numa reunião? Ele é baixinho e assim deverá ser realçado. É nesses detalhes que o chargista nada de braçada. Ele necessita de um mote em cada pessoa e daí saem peças dignas de serem emolduradas. Aos que tentam impedir e cercear isso, além do repúdio, um toque. Estão fora de sintonia.

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