terça-feira, 12 de maio de 2015

BEIRA DE ESTRADA (48)


O CANTANTE FLANANDO ACIMA DA IRA*



* 3° artigo desse HPA para a revista mensal AZ!, edição nº 25, maio de 2015:

Nesses tempos de muita intolerância, eis que, num passe de mágica desponta ali na curva da esquina uma nova esperança. Macambuzio com as decisões desse inadequado presidente da Câmara dos Deputados, promovendo votações mais como demonstração de bestial força, bebericava umas e outras com o cotovelo junto ao balcão do Bar Aeroporto (do amigo Ico), quando sou abordado por outro na mesma situação.

Chegou antes de mim, motivo pelo qual estava algumas talagadas à frente. Sorrindo veio me abraçar e não resisto a essas situações. Abro logo a guarda, cadeado mais do que escancarado e pronto, o papo flui que é uma belezura. E desponta pela forma mais profícua desse mundo. Pudera, quem estava ali na minha frente era nada menos que o melhor cantor de tango da aldeia bauruense, o galã Eraldo Bernardo.

Esse moço (não envelhece nunca) canta e circula pela noite bauruense que é uma maravilha. Possui público fiel e verdadeiras fãs, dessas de segui-lo por onde se apresente. Assediado nos shows, vez ou outra sai por aí buscando o anonimato nos bares, escondido atrás de um imenso óculos escuro. Eclético, canta de tudo, desde cronner em banda de rock, muita MPB nas apresentações solo e os tangos no Quarteto Fantástico. Peçam para ele o Por una Cabeça e ele soltará a voz sem nenhum acompanhamento, voz límpida e fagueira.

Não vive da música. O cara é entendido nessas coisas internéticas. Cabeça criativa, monta e desmonta ideias e concepções. Nas horas vagas canta e encanta. Esse é o Eraldo. Mas tem mais (sempre tem). Circula pelas redes sociais com desenvoltura, mas quando percebe aquele clima de contenda futebolística, guerra declarada, sai de cena, desativa sua página e vai fazer algo mais saudável pela aí.

No papo ali no bar falamos disso. Amizades de anos se desfazendo não só online, mas na vida real. “Sou de uma geração onde os contrários conviviam numa naice. Sempre bebi junto de amigos pensando diametralmente opostos. Discutimos de tudo, sem altercações. Quando alguém se exalta, o afogamos na cevada”, me diz. Eraldo prova na prática isso que diz e quando saca um clima de contenda, veste sua surrada camisa da seleção argentina de futebol e sai por aí. Sua sabedoria reside exatamente aí, está acima das contendas.

Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).

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