sexta-feira, 8 de maio de 2015

MEMÓRIA ORAL (179)


SEIS HISTÓRIAS RECOLHIDAS NAS ANDANÇAS DE ABRIL E MAIO
01.) NELSON, AOS 72 VENDE PÁS DE LIXO DE CASA EM CASA
Viver com a renda proveniente de um salário mínimo é mesmo algo que nem mágico mais consegue. Ainda mais quando a idade começa a chegar e os remédios, como sabemos, estão todos pela hora da morte (sic). O negócio é usar a criatividade. E ela desponta das mais diferentes formas e jeitos. Tem gente fazendo verdadeiro malabarismo para conseguir ir somando um pouco aqui e pouco acolá. Na somatória o grande ajutório para que a sobrevivência não seja tão penosa. E vou descobrindo essas formas, esses meios, esses dribles que o povo vai dando na sua própria dificuldade. Registrar isso é penoso para quem o faz, mas demonstra a dignidade persistente na imensa maioria da população assalariada brasileira.

NELSON VASCONI chega aos 72 anos e não foge da raia, trabalha e muito para complementar a parca renda auferida com uma aposentadoria de pouco do salário mínimo. Seu ofício a vida inteira de carteira assinada foi como Serviços Gerais, “um pouco em cada empresa, até formar o tempo”, como mesmo diz. Morador do bairro Santa Edwirges, há três anos atrás matutou e bolou uma forma de melhorar seus rendimentos. Começou a juntar essas latas grandes de óleo e com ela produz artesanalmente pás de lixo de variados tamanhos. Começou vendendo num espaço que conseguiu dentro da dominical Feira do Rolo e depois ampliou o negócio, circulando de casa em casa e oferecendo o produto pronto. Quando as latas começam a rarear sabe onde compra-las usadas e dessa forma segue em frente. Criou uma bancada em casa, onde corta, dobra e pinta tudo. Na feira de domingo varia um pouco mais e oferece também alguns modelos de carrinhos e caminhãozinhos de lata, tudo feito em sua própria casa. Um senhor cheio de vitalidade, sorridente e cheio de boas histórias na ponta da língua. “De que adianta reclamar. Tenho forças para continuar e assim procedo”, me diz, enquanto pede para ser fotografo com um dos carrinhos que acabara de fazer.

2.) HELONEIDA CUIDA MUITO BENS DOS VELHINHOS APOSENTADOS DA CIA PAULISTA
Tem pessoas que atuam na sua atividade e extrapolam, fazem mais, produzem muito além. Esse negócio de cumprir somente o estabelecido, de após a chegada do horário dar tudo como missão cumprida e ir para casa sem olhar para trás é coisa que muitos fazem. Outros fogem do trivial e diante da realidade existente no seu local de trabalho dão um quinhão a mais. É o caso da retratada aqui hoje, cumprindo suas obrigações, mas diante de tantas pessoas necessitando daquele carinho a mais, lá está ela sempre pronta, atenta e presente. Vocês só vão tomar conhecimento do que estou sugerindo após lerem o parágrafo abaixo. Vamos a ele.

HELONEIDA FABIANA FRANCISCO DE OLIVEIRA, 39 anos, casada, um filho de oito anos e moradora do Parque Paulista é há dezenove anos a secretária do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias Paulistas, aquele bem antigo, localizado ali na rua Antonio Alves, entre as ruas Presidente Kennedy e Ezequiel Ramos, no centro de Bauru. Conhecida por todos como simplesmente HELÔ, ela praticamente cuida com esmero e dedicação de uma pequena legião de aposentados e pensionistas, num total hoje de aproximadamente 500 pessoas. Quando entrou vivenciou outra situação, com 1500 sindicalizados e hoje, os ativos são pouquíssimos e dentre os na ativa, outra dura realidade, uma minoria é sindicalizada. Pela simpatia virou uma referência no atendimento, junto a pessoas com média de idade elevada. Virou catedrática, especialista no atendimento dos convênios médico trabalhistas, processos pendentes, uso da colônia de férias, locação do salão de festas, recadastramento e distribuição de holerites. Sempre sorridente, Helô é uma espécie de embaixatriz disso tudo para essa gente que vai lá em busca não só de informação, mas também de um bate papo, amparo e sai cheia de conforto. Como é bom valorizar as pessoas que sabem muito bem tratar o semelhante, essa uma dessas.

3.) TORRENTES É TATUADOR DE RUA EM BAURU
Esse país é mesmo de uma desigualdade gritante, de doer os olhos. Atividades profissionais são realizadas nos mais renomados lugares e em muitas vezes, todas essas também ocorrem de uma forma muito mais simplificada no seio das camadas populares. O poder de adaptação e isso de conseguir realizar as coisas em situações adversas é imenso. Você pode comer um lanche no lugar mais renomado da cidade e pagar um valor infinitamente maior que o de um quiosque na periferia pagando muito menos. Em ambos ocorrerá a plena alimentação. Com esse retratado aqui hoje, não quero e não vou discutir sobre as condições de trabalho, mas desse poder de improviso visualizado nas ruas. É isso que salta aos olhos de quem enxerga isso tudo como possibilidades num mundo cada vez exigente, difícil e caro. Se possível, enxerguem também com esses olhos.

DEJAILTON CONCEIÇÃO tem 35 anos de idade, moreno claro, pele queimada pelo sol e muito conhecido por onde circule por um velho apelido, TORRENTES. Mora no jardim Marambá e passa boa parte dos dias da semana, no seu horário comercial no Calçadão da Batista, na quadra e bem ao lado das Lojas Americanas. Ali estende um pano no chão e nele espalha muitas reproduções de imagens que podem ser escolhidas por seus clientes para serem tatuadas. Sim, ele é um tatuador de rua. Atende ali mesmo, mas se a pessoa preferir pode também ir em seu local de trabalho ou mesmo residência. Seus preços são acessíveis e por meros R$ 10 reais é possível o interessado sair com algo tatuado em seu corpo. Diz fazer vários trabalhos durante o dia, pois como está no ramo há muito tempo, exatos doze anos, tornou-se pessoa das mais conhecidas. Salienta que, dentre seus clientes, a maioria é constituída de mulheres e também crianças. Simpático, conversador, deixa a pessoa bastante a vontade e quando lhe perguntam da higiene do que faz, diz contar com a ajuda dos comerciantes conhecidos da região na lavagem do material, mas que a maioria é descartável. Na impossibilidade de manter um ponto fixo acostumou-se com a itinerância e o trabalhar na rua. Com pessoas circulando ao seu lado, percebe a curiosidade produzida pelo seu trabalho, mas acha isso normal, como não vê demérito nenhum em atuar da forma como o faz.

4.) WILLIAM É PROFESSOR E LIVREIRO DE RUA NAS HORAS VAGAS
Ver gente envolvida com barracas de livros pelas ruas é algo que me faz parar tudo na hora e assuntar de que se trata. Existem poucos assim pela cidade. Conheço um projeto de um baita amigo lá na Cultura Municipal que faz isso nas feiras e quer estender para os ônibus circulares. Agora esse, que já conhecia de ver o aparato todo montado todo sábado lá no Calçadão da Batista. Trata-se de gente juntando livros de doações e disponibilizando para leitura gratuita cidade afora. São pessoas mais do que encantadas. Quando se toma conhecimento dos motivos de cada um estar ali, em cada uma rica história de vida. Hoje conto só uma dentre tantas.

WILLIAM RODRIGUES PAIVA
tem 33 anos, mora no jardim Bela Vista e conseguiu a duras penas formar-se em História. Sua história d vida merece ser contada em alguns detalhes. Viveu durante certo tempo quase morando nas ruas. Vivia o dia em praças e ruas circulando de skate, fumando, bebendo e em grupo de jovens iguais a ele. Muitos sem rumo. Conhece um professor que lhe oferece um livro e na leitura deste descobre um mundo novo, cheio de novas possibilidades. Passa um tempo na capital paulista e na volta reencontra o professor. Novamente o despertar para a Educação, mas dessa querendo ser igual ao professor. Consegue se formar e hoje, já são três anos de atuação na rede pública. Envolvido também com o Movimento Hip Hop, atua nas horas vagas na banca de livros da Biblioteca Móvel Quinto Elemento, que ele assim denomina: “A ideia surgiu dentro da Cultura do Hip Hop e aqui é potencializado o conhecimento que o movimento traz, constituído de 4 elementos, sendo a leitura o seu 5º. Circulo com a banca, dependendo da minha disponibilidade”. A banca nasceu para desmistificar aquilo do aluno ver a biblioteca de sua escola como uma “Sala de Castigo”. Willian circula com a banca, como no evento de 1º de Maio, na Batista aos sábados e no Vitória Régia nos domingos à tarde. Ele o exemplo vivo de que um livro pode mudar uma vida.

5.) WILSON, O ESTOFADOR FERROVIÁRIO VOLTOU HOJE À ESTAÇÃO
Hoje é 30 de abril, não somente o último dia de abril, mas também o Dia do Ferroviário. Escolhi um dentre tantos que vi lá hoje a tarde no saguão central da estação da NOB, quando o Museu Ferroviário promoveu uma festa em homenagem à passagem da data. Teve gente que botou o antigo uniforme, todo arrumadinho, passado e engomado, com os vincos no lugar e com ele compareceu no evento, como a dizer, existimos e resistimos: estamos aqui, viu! De conversa em conversa, muito de saudade, muita coisa relembrada e algumas homenagens. Faço a minha de forma aleatória, mas nem por isso menos importante. Todos o são na história da ferrovia. Vejam esse, por exemplo.

WILSON FRANCISCO TONETTI completou 80 anos de vida e está em plena forma, como podia ser visto hoje à tarde no seu retorno à estação da NOB. Trabalhou na Noroeste por “dezenove anos, seis meses e dois dias”, como me disse, sem tirar nem por. Uma exatidão de tirar o folego. Conta também ter trabalhado outros vinte em outros empregos e que aos 14 anos já era registrado, pagando o antigo IAPI. Lembranças muitas desse período, numa fábrica de botas, como prespontador. Daí aprendeu o ofício pro resto da vida, o de estofador. Muitos dos bancos dos trens que subiam para o Mato Grosso tiveram a participação em sua fabricação das hábeis mãos do seu Wilson. Aposentou em 1980, mora desde muito tempo na vila Souto, quatro filhos (é pai da Marisa Jacques, hoje Chefe do Museu Ferroviário) e com uma revelação na ponta da língua, olhando para o antigo saguão de venda de passagens à sua frente: “Não tenho mais saudade do serviço, hoje só tenho saudade dos amigos”. Ele, assim como tantos outros, se apronta com afinco para solenidades como a de hoje, quando diante da possibilidade de reencontrar antigos colegas de trabalho. Bateu papo adoidado e por fim foi um dos sorteados com uma caneca estampada com a marca do Museu. Saiu de lá todo contente e de braço dado com a filha.

6.) MARIA LIMA DESCOBRIU A INTERNET
As descobertas em nossas vidas são sempre recheadas de muitas emoções. Esse mundão possibilitado pela internet é algo ainda sendo desbravado por todos nela inseridos e a cada instante chegam mais e mais pessoas. Dentro das coisas a serem desvendadas percebe-se o deslumbre causado pela facilidade de contato através do facebook, esse meio de comunicação onde publico esses perfis diários. Um grande facilitador de acessos, barateador de contatos e muitas outras coisas, umas muito boas e outras muito más. Hoje conto aqui a história de alguém descobrindo as coisas nesse novo mundo e querendo ampliar o leque de gente conhecida do outro lado da linha.

MARIA LIMA é possuidora de um nome muito facilmente encontrado pela aí, muitos homônimos espalhados por todos os cantos. Essa é moradora lá do Gasparini, 55 anos de idade e morando com a filha e os netos, esses o maravilhamento de sua vida. Alta, magra, fala mansa e pausada, reside bem atrás da escola estadual do bairro, trabalha cuidando de menores e idosos e também fazendo faxinas. No mais, vive para sua família, sua casa e as idas e vindas na igreja do bairro. Muito conhecida no bairro, de uns tempos para cá está plugada mundo afora pelas ondas internéticas e já com página no facebook. Dia desses ficou encantada como tantos amigos a foram descobrindo e se juntando a ela. A quantidade cresce a cada dia. E ela tenta se comunicar com todos e todas, curtindo seus escritos e sem ainda fazer muitos comentários. Reservada, quieta, está na fase de descobertas e das possibilidades disso. “E quando precisar reclamar de algo. Um buraco, uma falta de atendimento, uma luz apagada aqui no quarteirão, cobro também por aqui?”, pergunta. Maria está agora interligada por essa fantástica maquininha que a todos une e numa frase publicada resume bem esse momento de deslumbre: “Estou muito feliz”.

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