quinta-feira, 20 de agosto de 2015

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (82)


CONHEÇA UM POUCO DA VERDADEIRA HISTÓRIA DE DOMINAÇÃO OCORRIDA EM NOSSA REGIÃO

A MAIORIA DESCONHECE A EXISTÊNCIA DE UM QUILOMBO EM ÁREA ABRANGENDO BAURU, AGUDOS, PEDERNEIRAS, LENÇÓIS PAULISTA E BOREBI – ELES LUTAM PELO REESTABELECIMENTO DE SUAS TERRAS
Obs.: O texto abaixo faz parte do que foi apresentado num trabalho acadêmico dentro da disciplina “Cidadania, Redes Sociais e Ativismo Online”, ministrado pela professora Caroline Kraus Luvizotto, na Unesp Bauru, dia 13/08/2015, pelo alunos de mestrando Henrique Perazzi de Aquino, Marina Darie, Camila Fernandes e Dulciara Cristina Bonaldo. Esse trecho foi o escrito por mim e é parte integrante do Contexto Histórico do trabalho intitulado “Quilombo Porcinos – O Movimento Sociais e o Atual Uso das Redes”.


BREVE HISTÓRICO DO QUILOMBO PORCINOS – AGUDOS SP
“Uma comunidade quilombola, segundo a legislação vigente, para existir de fato e ser reconhecida, precisa ter uma história e territórios próprios, relação comprovada com a terra, ser afrodescendente e também se autodeclararem. Esses passos estão hoje na boca, na ação diária de todo quilombola esclarecido e na luta pelo reestabelecimento dos seus direitos e do seu território. Aprenderam isso nos embates, com as muitas perdas ao longo da história e também, com as conquistas. A história brasileira recente registra algumas dessas conquistas com a demarcação definitiva de territórios antes não muito bem definidos, áreas limítrofes com problemas fundiários sempre presentes no cenário atual e também uma maior conscientização dos remanescentes dos tantos quilombos espalhados país afora.

Cada caso é um caso. Alguns surpreendem. Esse, o motivo de nosso estudo, o denominado Quilombo Porcinos, nome reduzido da designação originalmente formalizada junto aos órgãos competentes, a Associação de Espírito Santo da Fortaleza Porcinos e Outros. É talvez o exemplo mais latente hoje no cenário nacional de algo novo dentre todos os quilombos reconhecidos ou em vias de reconhecimento.

Sua situação é sui generis, ou seja, inusitada. Tudo nasce de uma história pouco usual dentro da historiografia brasileira. Primeiro um breve relato para entenderem como tudo se deu e depois, algo mais minucioso, com maior abrangência de detalhes. Últimas décadas de 1900, República Velha, Governo Federal defensor das oligarquias fundiárias, sendo esse o próprio representante das mesmas, com seus dirigentes todos originais representantes deste segmento, oriundos deles e o povo mais simples com diminutos direitos. Período ainda sob o tacão de um regime pós-escravocrata, mantendo nas suas entranhas muito da subserviência de antes. Pouca coisa mudou para o pobre, mais ainda para o negro, muito além da exploração de sua mão de obra. Nos rincões nacionais imperava a lei do mais forte e os menos favorecidos, desprovidos de meios de resistir, ou se calavam por completo, aceitando passivamente o que lhes era imposto, ou acatavam, numa resistência contada e recontada pela historiografia. Os mais ousados fugiam como fizeram muitos negros, quando da formação do que hoje se convenciona denominar de Quilombo.

Imensas glebas de terra, fazendas bem aos moldes de padrão bem convencional desse período, terras conquistadas por doações governamentais, ampliação de territórios muito mal explicados dominavam o cenário. No específico caso estudado, uma área ocupando o que hoje seria o território de cinco municípios do interior do estado de São Paulo. São eles, Agudos, Bauru, Lençóis Paulista, Pederneiras e Borebi. Seus proprietários a tocam tentando implantar uma harmoniosa relação entre patrão e empregado, mais amena que a maioria existente, mas mantendo as mesmas relações de exploração de todas as outras. Talvez menos embrutecida, só isso. Com a chegada da velhice, seus proprietários se preocupam com algo pouco peculiar dentre os donos de terra da época. Qual seria o futuro daqueles sob sua guarda? Não possuindo herdeiros, dirigem-se ao Cartório da cidade e lavram um documento oficializando que após a morte de ambos, todas suas terras fossem repassadas naturalmente a algumas das famílias lá trabalhando.

Imaginem o que isso deve ter causado de rebuliço nos meios estabelecidos? Sim, causou, mas tudo foi oficializado. Dessa forma, o testamento foi lavrado e registrado em documentos oficiais. Sua efetivação deu-se em partes, nunca por completo. Vilipendiados desde o início, foram pouco a pouco perdendo tudo aquilo que estava lavrado e consolidado como seus. Essa uma história conhecida de todos os que estudam a fundo a História do Brasil. Todas as cidades, através de líderes e pessoas influentes na época, os considerados de fato Donos do Poder foram se apropriando, pouco a pouco, de partes dessa área, culminando com a expulsão, muitas décadas depois e via meios jurídicos supostamente legalizados (ou requentados) de um último conglomerado de quilombolas resistindo num pequeno local, praticamente cercados, ilhados, com difícil acesso a água e com péssimas condições acesso ao local.

Perderam tudo, expulsos de suas terras, com pouca instrução e pífio conhecimento da legislação foram se dispersando pela periferia, não só das cidades no entorno da antiga fazenda, como para os grandes centros urbanos.

A grosso modo, essa basicamente é a história desse quilombo. Ela se deu dessa forma. Hoje, a partir da reconstrução de parte dela, primeiro junto aos Cartórios ainda com documentação daquela época e de pessoas da própria comunidade quilombola, interessadas no resgate, tudo foi reavivado e com alguma documentação em mãos, entregue aos órgãos competentes, foi dado início a um processo de reconhecimento, esse já consolidado e agora, num segundo momento o de devolução de uma área aos remanescentes, algo ainda em construção e sem previsibilidade de datas para sua concretização.

Os detalhes, os nomes dos envolvidos, as famílias, não só a do antigo fazendeiro, como dos escravos beneficiados, como o dos herdeiros hoje reivindicando a reintegração e retomada de uma área podem ser visualizados na sequência e nos anexos desse trabalho, apresentados na forma de documentos impressos, gravações registradas em forma de áudio e vídeo. A maioria do material existente e consequentemente, parte substancial, de vital importância para reconstituição de parte dessa história está sendo construída através de um minucioso trabalho antropológico, em parceria com universidades e os próprios órgãos governamentais, tanto Estadual como Federal, além, é claro, de um resgate minucioso e necessário de Memória Oral junto aos remanescentes do quilombo.”

OBSERVAÇÃO DE APRESENTAÇÃO: Esse texto é uma espécie de “tira gosto”, uma apresentação de algo praticamente desconhecido de nossa historiografia oficial. Eu sempre me pergunto: Quantos de nós já havíamos ouvido falar de um quilombo na região? E quantos já conheciam essa história, uma dentre tantas as ocultas, acobertadas pela escrita pelos tais “donos do poder” locais? Na documentação apresentada, um trabalho de levantamento de dados sobre as tantas barbaridades cometidas na região bauruense e ocultas ao longo do tempo. O trabalho é extenso e deve ter prosseguimento pelos integrantes do grupo, no aprofundamento das pesquisas. Daí, algo até então desconhecido também pela maioria e servindo para reflexão sobre como se dá a questão fundiária brasileira: Todos se lembram dos tratores derrubando pés de laranja numa plantação em Borebi, confronto entre integrantes do MST e do grupo suco-alcooleiro Cutrale. Aquilo tudo se deu numa área de terra pertencente ao Porcinos Quilombo, seu original proprietário. Toda a área onde hoje estão localizados esses municípios aqui citados e suas maiores empresas e fazendas, como Lwart, Brahma, Eucatex, etc, todas estão dentro de território quilombola. E tudo foi subtraído deles ao longo de um século inteiro. Havendo interesse, publico em outra oportunidade detalhes dessa história, uma saga recheada de ganância, exploração, enganação e subtração. Preferi nessa apresentação inicial não citar nomes dos remanescentes quilombolas. Sai na sequência do ocorrido em Bauru, quando da não aprovação do nome de um general para um viaduto na cidade e os vereadores, após tomarem conhecimento de algo ainda não constando de seu curriculum, decidem pela sua reprovação.

Seria constrangedor ocultar isso de tudo, todas e todos? Mais constrangedor seria deixar de contar e esclarecer os fatos.

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