sábado, 22 de agosto de 2015

MEMÓRIA ORAL (185)


SEIS HISTÓRIAS AQUI REUNIDAS, AS TAIS QUE VOU PRODUZINDO COMO LADO B DE BAURU


1.) LELO, O BARBEIRO DA VILA INDEPENDÊNCIA E SUA TRÁGICA MORTE
Viajei quase duas semanas entre o final de julho e começo de agosto e muita coisa não tomei conhecimento no dia exato do acontecimento dos fatos. Com uma pilha de jornais guardados aqui em casa, anteontem comecei a folhear os exemplares do Jornal da Cidade desses dias de ausência. De tudo o que folheei, um texto fiz questão de recortar e guardar, aliás dois textos jornalísticos e junto deles ressaltar também o registro fotográfico. Sentida e dolorosa matéria, triste demais a história, dessas de estragar o dia, mês e ano. Mais um caso da bestial violência que nos assola e com um fim dos mais trágicos, muito doloroso. Conheci essa pessoa e ele um digno Lado B de Bauru, merecedor de todo destaque desse mundo.

DIRCEU BENTO, 78 anos era barbeiro até dias atrás. Figura conhecida na cidade, seu LELO, como o conheciam, manteve por muitos anos uma cadeira de barbeiro num salão que funcionou na quadra dois da rua Virgilio Malta. Um bonachão e como a jornalista Marcele Tonelli, na matéria do JC acertadamente o descreveu: “atendeu de coronel a faxineiro”. Quando o salão no centro fechou levou tudo para sua própria casa, na vila Independência e ali deu continuidade, com cadeira e espelho transportados para sua sala. Ali atendia seus clientes, dentro do seu próprio lar. Grandalhão, muito conhecido na região, pessoa tranquila, sem nunca ter se desentendido com ninguém, foi brutalmente agredido num assalto e muito machucado, amparado pelos seus, tentava dar à volta por cima. O efeito das pancadas, não somente as visíveis, mas muito mais as internos, o afetaram muito e não resistiu, veio a falecer dias atrás. Dessa bestial violência não existe nem mais o que dizer, cada vez mais e mais atingindo pessoas totalmente desprotegidas e indefesas. Um péssimo sinal da degeneração desse nosso modelo de vida capitalista. O ter, o querer ter, o fazer tudo para ter, ter e cada vez mais, ter e ter. Isso na cabeça de gente à margem dessa possibilidade, resulta em violências hediondas, inexplicáveis. Dessa vez foi com seu Lelo e na mesma semana em que foi agredido, outro tanto também o foram, nessa roda viva sem parada. O que parou, infelizmente foi ele, de viver. Quanta boa história passou pelas suas mãos, pela sua cadeira. Na foto cedida a mim pelo Alex Mita, do JC, que esteve em sua casa e o viu com vida, o retrato triste do registro que não sai mais da cabeça da gente.

2.) JOÃO DO ESPETU'S BAR SE FOI AOS 39 ANOS
É muito mais triste ver gente partindo desta e encerrando seu ciclo nesse mundo mais cedo do que o previsto. 39 anos é tempo curto demais da conta para uma existência humana. Merecemos mais, ainda mais para mim que, só acreditando nessa forma de vida e nada mais. Nesse final de semana mais um que se foi, alguém que esteve próximo durante algum tempo, sempre na labuta, resistindo com seu pequeno comércio a uma avalanche de condições adversas. Resistiu, tropicou, bateu de quina, levantou, sacudiu a poeira e tentava a cada recomeço dar mais uma volta por cima. Nessa última, a lamentável doença, a mais implacável de todas, o levou de forma tão rápida que nem tempo de uma despedida tivemos. Escrevo dele.

JOÃO VIANA NETO é simplesmente o JOÃO, não mais um dentre tantos joões, mas o João contador, que sabia fazer a escrevinhação contábil e dessa forma ganhava sua vida. Um João que tentou abrir outras frentes de trabalho, certa vez com um lavacar, depois arrendado, depois um bar, ali junto aos seus outros negócios, na Marcondes, entre a Araújo e a Antonio Alves. Bolou o nome, Espetu’s Bar” e tentou enquanto pode levantar algo numa área degradada, difícil e cheia de vazios noturnos. Por um tempo fez sucesso, depois definhou. Ria junto de tudo o que acontecia ali nas mesas, cantava junto da música ali propiciada e dessa forma tocava sua vida. Era um sujeito de bem com a vida, fruto de algo construído ao longo do tempo, iniciado em algo inesquecível, as aulas de teatro junto de Celina e depois, Paulo Neves. Elas o tornaram mais humano, sensível e cordial. Nunca o vi bravo, mesmo diante daqueles momentos onde a situação exige aspereza. João sabia navegar com seu barquinho. Vivendo dentro de uma família evangélica, soube conciliar a devoção de uns, com o que lhe vinha à mente, viver a vida de uma forma mais ousada, procurando não causar admoestações nem de um lado nem de outro. Era o que sempre foi, sincero consigo mesmo, suas ideias e nos gestos, a melhor forma que possuía para se expressar. O câncer o levou de forma abrupta, cruel e rápida. Para mim, fica na lembrança o João do Espetu’s, um cara que não queria nada além de ser feliz, sem grandes arroubos, fazendo de sua vida algo onde ia irradiando amizades por tudo quanto é lado. Fui um desses.

3.) HERNANI TROUXE PARA BAURU A TELEVISÃO PARANORMAL
Queria lembrar uma velha história de uma pessoa que conheci muitos anos atrás em Bauru, talvez coisa de uns vinte anos, daí para mais. Um paranormal, ou melhor, um grande estudioso do tema. Cheguei até ele pelo motivo de meu ofício da época, as chancelas. Por intermédio delas viajei boa parte desse país, peripécias a merecerem um livro. Essa história que aqui relato hoje aconteceu aqui mesmo em Bauru e desde o primeiro momento em que conheci esse senhor foi impossível não nascer ali um interesse grandioso pelo tema em que ele esteve envolvido sua vida quase toda. Voltei várias vezes em sua casa, transformada em Instituto e depois, acabei perdendo o contato. Para saber dele é muito fácil, basta clicar seu nome no google e aqui escrevo o que sei.

HERNANI GUIMARÃES ANDRADE era engenheiro, mas ficou muito conhecido país afora por causa de outra especialidade, pelo fato de ter sido um grande parapsicólogo espírita brasileiro. Nasceu em 1913 em Araguari e veio a falecer em Bauru em 2003. Morava na avenida Nossa Senhora de Fátima, lá no meio do coração do Jardim América e lá também funcionava a sua cria, o IBPP – Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas. Mas o que seria isso? A grossíssimo modo ele conversava com os mortos (ou seus espíritos) pelos aparelhos de TV, numa sintonia com o além. O charlatanismo você detecta logo de cara, o que não era o caso desse professor. Um estudioso do tema e que acabou aportando em Bauru, acredito que por causa da filha que para cá veio e o trouxe junto. Ele demonstrava cientificamente, segundo sua concepção, a existência da reencarnação, as tais ações paranormais, trabalhando com experiências com campos magnéticos. Um assunto magnetizante. Escreveu mais de vinte livros sobre o tema, uma sumidade nesse quesito, consultado por gente do mundo todo e aqui tão pertinho da gente. Não divulgava muito seu trabalho por aqui, pois 99% do que produzia era para consumo longe daqui. No youtube tem muita coisa dele, mas escolhi essa com uma entrevista muito da interessante: https://www.youtube.com/watch?v=PCzK1MO5bPY. Um aparelho que ele construiu para testar sua hipótese espírita. Simples, voz pausada, olhar meio que distante, viveu seus últimos anos aqui na cidade e nem sei se isso ficou devidamente registrado nos anais de nossa História. Ganhei na época um livro dele e o procurei muito aqui pelo meu bagunçado mafuá, mas deve ter se perdido ao longo do tempo. Fico com a lembrança de uma doce pessoa, acreditando muito no que movia sua vida.

4.) LUIZ E SEU REDUTOR DE DISTÂNCIAS, UMA MOTORIZADA BICICLETA
Um facilitador para o seu dia a dia, encurtador de caminhos que o leva de um lugar ao outro da cidade, em busca de trabalho ou mesmo a execução dos mesmos. Quer algo melhor que isso para diminuir as distâncias de quem labuta, sua a camisa sem poder escolher o que fazer e como fazer? Esse aqui retratado hoje me contou das economias feitas, do que deixou de consumir por um tempo, tudo para poder adquirir uma peça, uma bicicleta motorizada e com ela atravessar Bauru. Quando ouvir isso, saquei logo da máquina e tirei uma bela foto dele e do seu meio de locomoção. Ambos enfeitam esse meu texto de hoje.

MANOEL LUIZ RODRIGUES , 44 anos é diarista, trabalha por conta própria e dessa forma sustenta sua família. Com pequenos serviços acertados aqui e ali, faz pequenos reparos em residências, desde a limpeza de calhas, telhados, alguma coisa de pedreiro, encanador e limpeza generalizadas, até de terrenos. Sua rotina não escolhe lugar para trabalhar e tudo depende do que for acertado, daí se desloca e executa. Até bem pouco tempo seguia para os locais de trabalho pedalando uma bicicleta, hoje continua com uma, mas com um pouco mais de conforto. Investiu um pouco em si mesmo, economizou e juntando R$ 1 mil reais comprou uma bicicleta motorizada. Agora se cansa menos e reduz os espaços entre sua residência, nos altos do bairro Bela Vista e onde precisa ir. “Outro dia estava lá no Tangarás e sem nenhum tipo de problema. Gasto dois litros por semana e não estou com ela ligada a todo instante. Pedalo também bastante e assim economizo mais ainda”, me diz. Sabe por ouvir dizer que, mais dia menos dia, terá que passar por regulamentação das motorizadas, mas diz estar se preparando para isso, pois não existe como não reconhecer que desde sua chegada, sua vida foi um tanto facilitada. Jeitão simples demais, fala mansa, poucas palavras, Luiz, segue por aí, ele e sua “magrela”, tomando desde então o maior cuidado, para que nada de ruim lhe aconteça, pois diz ter gastado mais do que podia na sua aquisição.

5.)
BONELLI É UMA DAS CARAS DE UM SESC PARA MIM ESCOLA MUSICAL
Tenho saborosas e muito instrutivas passagens pelo SESC Bauru. Ele está enfurnado em minha vida desde áureos tempos. Lembro de inesquecíveis shows e eventos em décadas passadas. Sou de um tempo em que o SESC fornecia um caderninho impresso com a programação musical do show, capa em papel grafite e todas as letras. Tenho alguns desses guardados até hoje. João Bosco, se não me engano, o primeiro. Devo boa parte de minha formação musical a eles, pois por lá passaram toda uma geração de ótimos e dignos representantes das melhores vertentes musicais brasileiras. Fui sócio por pouco tempo e alguns antigos funcionários nunca mais me sairão da cabeça. Esse aqui um deles. Basta vê-lo para enxergar o SESC na minha frente.

ROBERTO BONELLI, nasceu no ano de 1949, portanto, está hoje com exatos 66 anos e tenham a certeza de que a maior e mais saborosa parte deles foram passados lá no SESC. Aliás, ele deve ter acompanhado a construção do prédio. O conheci por lá desde os primeiros shows e eventos que por lá estive, acredito que nos anos 80. E lá se vão mais de quarenta anos. Hoje sei que ele é um profissional da área de Esportes, professor de Educação Física, mas nas vezes em que o vi por lá, sempre o achei uma espécie de gerente de luxo, sempre à nossa disposição, simpático e uma daquelas pessoas que nos introduzia num mundo mágico e ao lado dos grandes personagens do cenário musical brasileiro. Leio que por lá atuou de 1972 a 2006, quando se aposentou. Época de ouro do SESC, sua chegada e consolidação na cidade. Os de minha geração, os que convivem com Cultura (com C maiúsculo) conhecem o Bonelli e sabem o que quero dizer quando reafirmo isso. Outros existiram e me recordo de alguns nesses anos, mas fazendo uma reverência a ele, faço a todos (as) os demais. Até hoje o vejo circulando por lá (essa foto foi de anos atrás num show com Wilson das Neves, Zé da Velha e Silvério Pontes), talvez também na categoria de frequentador, mas assim como eu, atento ao que foi, é e será aquele respeitado conglomerado. Tivemos tempos melhores, sem desmerecer o momento atual, mas lembrar do passado lá vivido e de tamanha importância em minha vida, impossível não vir à tona a fisionomia de gente como o Bonelli.

6.) AOS 94 SEU OSVALDO ANDA DE CIRCULAR E SÓZINHO PELA CIDADE
Não é todo dia que você tromba na rua com um senhor andando sozinho pelas ruas e com 94 anos de idade. Quando me deparei com esse ali na rua Primeiro de Agosto, quase cruzamento da Gustavo Maciel, parei tudo e fui bater papo. Esperava encontrar um senhor reclamão da vida, todo cheio de dores, remédios a cada hora do dia, não enxergando muito bem e nem ouvindo, mas dentro desse estereótipo todo, acabei dando com os burros n’água, pois ali na frente um exemplo de tudo isso exatamente ao contrário. A história eu conto abaixo e a dele um grande exemplo de adentrar a longevidade e com tudo em cima.

OSVALDO OLIVEIRA está na ponta dos cascos e aos 94 anos circula sozinho pelas ruas da cidade. Desce de onde mora, no jardim Carolina, ali pertinho do Redentor de ônibus circular e no centro da cidade, faz e acontece. Vista boa, ouvidos idem, quando o encontrei me espantei, pois havia caído algo no chão e ele sem dobrar os joelhos abaixou o corpo e pescou sem maiores problemas o pedaço de papel. Rindo, diz que isso tudo são reflexos de uma vida bem vivida. Perdeu a esposa Elisa quase uma década atrás, dos tempos quando morava ali na vila Falcão e anos depois conheceu alguém que cuida muito bem dele, trinta anos mais jovem, com quem divide as atribulações do dia a dia. “Não quero dar trabalho para ninguém e dessa forma me virei e cá estou”, diz. Com uma bolsa aberta nas mãos, pergunto se não tem medo de alguém enfiar a mão ali dentro e levar tudo. Sempre rindo diz só carregar papéis velhos e a carrega exatamente para isso, dar umas bolsadas em quem tenta se aproximar. O fato é um só, seu Osvaldo está com a saúde em dia, filhos todos criados, Oswaldo Luiz, Terezinha e Murilo, netos e bisnetos bem encaminhados, curte a vida, após uma inteira de muito trabalho. Hoje seu negócio é desfrutar das benesses da vida. O que faz muito bem.

2 comentários:

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