quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O QUE FAZER EM BAURU E NAS REDONDEZAS (71)


“CRÍTICA DA MÍDIA COMO DISCIPLINA ACADÊMICA”, BATE PAPO COM ALBERTO DINES

Não é qualquer jornalista que me atrai para um prolongado bate papo, ou até mesmo em um programa de TV. Não que eu seja chato, pedante, essas coisas. É que, não existe como negar a existência de um turba trabalhando, ou seja, jornalistando não mais em defesa das premissas básicas da profissão, mas no permitido pelo patrão. É o tal do saber os seus limites e dele não querer sair, pois saindo, demissão na certa. Mais que isso, existe outro tanto sendo hoje mais realista que o rei, ou seja, produzem algo igualzinho ao discurso do patrão. Uma belezura de dar gosto. Não discordam nem pingo da linha editorial, nem saem dos trilhos. Não perco mais meu tempo com esses. Vou à busca de outros, os que ainda ousam. Hoje tinha um deles aqui em Bauru, o jornalista ALBERTO DINES, 83 anos e o manager do programa de TV e internet, o renomado “Observatório da Imprensa”.

Veio para abrilhantar um simpósio na UNESP Bauru com o nome do título desse texto, numa atividade dentro do Colóquio de Pesquisa do LECOTEC – Laboratório de Estudos em Comunicação, tecnologia e Educação Cidadã, na FAAC – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Com a mediação do professor Francisco Belda, foi dada voz a quem milita pela aí por ininterruptos 63 anos. De sua fala extrai o seguinte:


- “O jornalismo vale pela oportunidade de dizer ao leitor algo pelo qual ele entenda e não algo no qual deve piamente acreditar como algo absoluto dali para frente”.


- “Precisamos estar atentos para não seguirmos por um só caminho. No tempo da ditadura queriam nos ver escrevendo duro contra o stalinismo, mas como falar mal só deles tendo uma situação semelhante ao nosso lado, como a censura. Hoje a mesma coisa”.

- “Hoje vigora o 'eu te contrato e você tem que dizer o que eu penso'. Está sendo criado um modelo de jornalismo que é o anti-jornalismo”.

- “Quando visitei o New York Times pela primeira vez vi lá um grande mural na redação onde discutiam a si mesmo, seus erros e acertos. Achei aquilo muito interessante. Montei algo similar com o Gabeira no JB, uma revista para discutir o jornalismo, fazer a reflexão sobre nós mesmos, algo não existente até então no país”.

- “Os donos de jornais não são sensíveis, não querem fazer o debate e os próprios jornalistas não querem debater o jornalismo feito por eles. A minha intenção com o trabalho que faço é espicaçar, pois mesmo que você não queira fulanizar, o próprio jornalista se fulaniza sozinho. E nada melhor do que discutir essa relação em público”.


- “Você tem que surpreender o leitor, tem que antecipar algo diferente daquilo que o leitor acha que vai dizer. Hoje praticamente não existem mais novidades. A revista Veja, por exemplo, você já sabe o que ela vai dizer e aí não existe surpresa nenhuma. Abdicaram de produzir surpresas e sem nada de novo, perde-se o interesse”.
- “A Academia hoje forma mais pensadores em comunicação e cada vez menos jornalistas. O ensino de jornalismo possui um nível de graduação onde o que vale é o nível de erudição. Penso que no mestrado poderia ser mais jornalismo e para o doutorado essa erudição toda”.

- “As redações antes fervilhavam o tempo todo, hoje não mais. Ninguém da imprensa hoje quer se chatear com a crítica, desde o dono do jornal ao jornalista, mas ela se faz necessária. E sem chateação nada caminha, tudo vira ditadura. Falar mais e mais do que está sendo feito. Qual o problema disso?”.

- “O jornalismo impresso é reflexivo. Importante um jornalismo onde o jornalismo seja o ingrediente. Algo mais longo, menos apressado, com uma visão especial da notícia. No jornal impresso isso tem que ocorrer, ali é o espaço para uma liberdade especial, um dizer mais. E isso deixou de ocorrer”.


- “Antigamente todos se faziam a pergunta: 'O que está nos jornais?' Era o que valia. E hoje o que vale realmente está aonde?”.

- “O Brasil não discute a necessária Regulação dos Meios de Comunicação. Isso é uma história sem fim e uma história sem discussão, porque simplesmente os donos não querem e não aceitam essa discussão. Nada que seja importante para a imprensa se discute no país. Não existe debate sobre a imprensa. A imprensa não gosta de ser ver sendo debatida nem no espelho da própria imprensa, quando mais com possibilidades de mudanças”.

- “Precisamos mais e mais de uma mídia desalinhada, livre, não atrelada a interesses dos patrões, mais aos coletivos”.

- “Uma disciplina hoje obrigatória nos cursos de Jornalismo, como questão mesmo de sobrevivência da espécie seria História da Imprensa. O motivo é simples, para que não se repitam os erros do passado. São muitas as revoluções que mudaram o saber jornalístico e tem que se ter em mente que o em curso não é novidade, não é a primeira vez que a imprensa sofrerá drásticas mudanças. Temos que saber quais são essas mudanças”.
- “O relato, a arte de fazer o relato jornalístico é parte principal do fazer jornalístico. Isso foi arrefecido pelo produzido no meio internético. Parece não entendermos que os operários da mudança somos nós e para tanto, se faz necessário conhecer o ferramental das mudanças”.


- “Algo fundamental é discutir mais e mais a imprensa na sala de aula. Discutir o jornalismo no dia a dia, isso da maior importância, num cruzamento inter e poli disciplinar”.

- “Nosso processo cultural é dirigido pela assessoria de imprensa. Ruim quando só o que eles dizem vale, vira monopólio. O noticiário de Cultura hoje em dia é todo triturado por esses. É justo uma editora de livros produzir um bom release e enviar para a mídia, mas não é interessante o jornalista repetir aquilo tudo sem mudar nada”.

- “Não tive professores nas redações onde trabalhei, nunca cursei Jornalismo, apesar de defender o diploma. O que tive foram gente com muita experiência em todas redações e aprendi com eles. A transferência de experiências é salutar. O ciclo etário de uma redação hoje não mais reflete isso, mas se o jornalista encontrar ao seu redor usinas alimentadoras ele vai em frente e deslancha”.

- “Precisa ocorrer uma espécie de treinamento na universidade para os alunos não mais dependerem do emprego pronto. Hoje ele precisa criar o seu próprio emprego, isso sim é que seria empreendedorismo. Aulas de gerenciamento para ele poder criar o seu próprio emprego e não mais depender das grandes corporações, pois essas já fecharam a possibilidade dos seus crescrem. A universidade ainda não sacou muito bem isso”.

- “Você como jornalista não pode ousar ter a opinião própria ou discordar da do veiculo onde trabalhe. Quando ousa e a expressa é demitido, afastado apenas por pensar diferente. Isso é lamentável. É indecente o profissional perder o emprego por causa de pensar diferente”.

- “O jornalismo tem muito a aprender com essa nova maneira de fazer textos e vídeos pela internet, essa fuga do tradicional. Esses caras, esse bando de pessoas experimentando algo fora do Jornalismo, como, por exemplo, a Mídia Ninja, eles precisam ser ouvidos, experimentados e complementados. Mas vigora o ‘se você não é acadêmico não pode’. Tudo aqui é segregado e dessa forma não fazemos mais nada novo”.

- “A Academia perdeu uma grande oportunidade, aliás maravilhosa de se empenhar na formação de um novo paradigma quanto ao diploma. Lá no Rio de Janeiro tem uma Estácio, onde lançam milhares todo ano no mercado. O negócio é o dinheiro e não o Jornalismo”.

- “Para qualquer um publicar no Observatório de Imprensa os critérios são simples. Primeiro o conteúdo tem que ser respeitoso, depois oferecer algum material diferenciado. Cabe tudo, desde que seja bom e tenha como epicentro a discussão da imprensa. Tentar interferir nessa questão. Um intervir no processo sem parecer ser uma intervenção”.

- “O veículo que está faltando na imprensa brasileira hoje é um Semanário de Ideias, um Jornal de Debates. Algo onde a sociedade possa ser discutida, promover uma ampliação do debate de ideias. Começando o debate no campo digital e depois, os temas que mais se evidenciarem seriam passados para o papel. Um debate no sentido mais amplo possível, oferecendo o que melhor temos, o convencimento pela discussão, pela amplitude de opiniões, ideias, discussão séria, onde o outro possa sair convencido. Isso é o que falta”.

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