quarta-feira, 1 de junho de 2016

MEMÓRIA ORAL (198) e RELATOS PORTENHOS/LATINOS (27)


IMPRESSÕES DE UM VIAJANTE PELA BUENOS AIRES ATUAL: “NÃO TENHO A MÍNIMA VONTADE DE VOLTAR PRA LÁ”*
Sabe aquilo de você tomar conhecimento que um baita amigo indo para um determinado lugar e daí pinta um pedido para trazer algo de lá? Sou useiro e vezeiro em fazer isso. Dessa vez o viajado foi o MAURÍCIO PASSOS, pederneirense de quatro costados e que, dos dias 26, quinta a 29 de maio, domingo, iria com um grupo conhecer Buenos Aires. Conversamos muito antes dele ir, do país existente com Cristina Kirchner no poder e hoje, com o “basura” Maurício Macri, um neoliberal predatório até a medula óssea, ou seja, o pior exemplo de tudo o que possa existir sobre reviravoltas políticas num país. Disse que meus exemplos pouco lhe serviriam, pois certamente encontraria um país muito diferente de tudo o que havia encontrado nas seis vezes que lá estive, ano após ano (final de julho volto para o Congresso Design na Universidade de Palermo). Meu pedido foi muito simples: “Me traga uns exemplares do jornal que leio diariamente virtualmente, o Página 12 (www.pagina12.com.ar), um que sei vais gostar, pois fala de toda a América Latina e é oposição ao baú de maldades promovido pelo neoliberalismo predatório, tanto lá como cá”.

Ele foi e ontem apertam minha campainha, vou ver e lá no portão o Maurício com um pacote debaixo do braço. Veio resolver algo do seu trabalho em Bauru e almoçamos juntos. O pacote, claro, eram as edições de todos os dias de sua estada na Argentina no jornal solicitado. Isso para mim é de grande valor, pois adoro os jornais impressos, senti-lo nas mãos, o cheiro e a leitura pela maneira como estou habituado uma vida inteira. Não sabia como retribuir o mimo e o mínimo que faço é lhe pagar o almoço. Mais saboroso que tudo isso foi o papo sobre a Argentina, que ele não conhecia e suas impressões. Valem um tratado, primeiro porque as seis pessoas que foram, nesses pacotes de viagem, com translado, hotel, passeios e alimentação já pagos, pelo menos cinco esperavam consumir, comprar e voltar com compras (uma delas levou uma mala vazia só para essa finalidade, mas volta com ela do mesmo jeito que foi). Nesse quesito todos tiveram uma imensa decepção. Dessas que, ao final da conversa ele me diz: “Se tivesse que optar novamente por viajar para lá, não o faria”.

Conto o que ouvi dele. Desceram em Ezeiza e na van até o centro, aquilo que todo turista faz, olhos vidrados na janela e as primeiras impressões do lugar. Fizeram todos os passeios disponíveis no pacote, rua Florida, Obelisco, Corrientes, La Boca, Recoleta, Puerto Madero, Tortone, Ateneo e um jantar com tango. Disso nada a reclamar: “Gostei muito da arquitetura da cidade, pelo menos a parte antiga, tudo muito belo”. Foi um dos únicos elogios. Daí por diante uma sucessão de histórias de quase tortura. “A primeira impressão, Henrique é triste, pois vi muita gente nas ruas e pelo que conversei lá e aqui, isso não existia antes. Pessoas e famílias inteiras morando nas calçadas. Sabe aqueles espaços dos caixas eletrônicos nos bancos? Muita gente pernoitando lá e por causa do ar mais quente. O povo pobre está sofrendo com Macri, não?”. Respondo que sim e lhe digo mais, que isso está muito próximo de acontecer aqui, talvez com menos intensidade, mas com a mesma crueldade dos atuais governantes.

Ele não trocou o real em dólar ou peso argentino. Fez o câmbio pagando em real nos lugares onde consumiu e recebeu o troco em peso. Disse ter sido um erro, pois dessa forma sempre é desvantajoso. Fez trocas de quatro e três por um. Num certo momento me disse ter pago aproximadamente R$ 15 reais por uma garrafinha de água. Achei um absurdo e se a coisa está dessa forma, sem controle, imagino mesmo como está vivendo os desprovidos de ganhos. Queda abrupta de poder aquisitivo resulta em mais gente nas ruas, pedintes e todo tipo de problema social sendo agravado. “Muita gente pedindo algo para você, a todo instante. E num passeio, sábado final da tarde, em pela Nove de Julho, uma de nosso grupo é assaltada. Teve sua bolsa puxada do braço e sai sendo arrastada pelo ladrão, até não conseguir mais segurar seus pertences. Tentamos fazer algo, mas ele atravessa a avenida no meio dos carros e some. Ele perdeu tudo, dinheiro, cartões, documentos, inclusive o passaporte. Passamos parte do começo da noite numa delegacia no centro da cidade e depois na Embaixada brasileira, tirando uma autorização para viajar no dia seguinte. Fomos bem atendidos em ambos os lugares, mas o transtorno nunca mais será esquecido”, conta.

Conta mais. “Eu mesmo, caro Henrique, tinha a intenção de trazer algo, presentes, compras variadas. Sabe o que trouxe de lá? Só os seus jornais, nada mais. Quem levou uma bolsa vazia para voltar com compras se decepcionou. E se me perguntar se encontrei brasileiros por lá, te respondo, foi só o que encontrei. A cidade estava lotada de brasileiros e todos na mesma situação que a gente, querendo passear e comprar. E em todos percebi a mesma decepção que a nossa. Aquele país que ouvi dizer, a Argentina que me foi relatada não mais existe. Se percebesse que tudo isso está ocorrendo para uma melhora de vida do próprio povo, entenderia numa boa, mas o que ocorre é o contrário. O único lugar onde vi sendo falado algo de bom do momento foi no jornal, o Globo lá deles, o Clarín, porta-voz de Macri, pois nas ruas o povo está padecendo e sem perspectivas. Quando voltamos da delegacia até o hotel, fizemos o trajeto a pé e já noite, oito quadras e com certo receio, mas com muita gente nas ruas. Fomos numa boa. No dia seguinte, elas me convenceram e para uma corrida de no máximo umas quinze quadras pagamos o equivalente a uns R$ 50 reais e com um diálogo dos mais ríspidos com o taxista”.

A conversa ocorre numa espécie de desabafo. Só o instigo sobre alguns temas, no mais o deixo falar e vou captando o que encontrarei, uma espécie de prévia preparação. “Ficamos quatro dias e no pacote muita coisa já paga, ou seja, gastaria mais com comida e lazer. Falo por mim, sem saber quanto cada um gastou, mas minha parte foi de R$ 800 reais e só em locomoção e alimentação. Achei absurdo os gastos, pois tivemos translado para os passeios. Um mesmo prato com peixe que havia comido no Brasil, aqui pagando R$ 30 reais, lá gastei R$ 170 reais. Como o povo pobre pode sobreviver dignamente numa condição dessa? Impossível. Tive que focar os passeios no que estava programado, pois do contrário não veria quase nada, mas senti o clima tenso das ruas. Muitas manifestações contrárias ao Governo do Macri. A pessoa que mais conversei foi o jornaleiro onde todo dia ia comprar o seu jornal e ele me dizendo de quantos jornais vendia no passado e quanto vende hoje, ou seja, o poder aquisitivo caiu de uma forma abrupta. Quem consome mesmo nos lugares chiques são os turistas, poucos argentinos, pois quem ainda tem grana pensa em segurar a coisa e nem pensam em esbanjar. O Tortone tinha filas lá fora, mas muitas mesas vazias lá dentro. E a cidade com um aparato repressivo bem presente, exposto, não para proteger o cidadão, mas no pior caráter que existe, o da repressão à resistência. Isso deprime qualquer cidadão que tem olhos voltados para as questões sociais”, continua seu relato.

Voltamos para casa, ele se vai e cá fico eu com meus botões, pensando no que foi o Governo de Cristina Kirchner, hoje igualmente como Lula, sendo perseguida por um juiz, que a quer sem direitos políticos para o próximo pleito. Ela, numa recente declaração em praça pública, quando foi intimada a depor num injusto processo, disse algo assim, “Se no hay igualdad no hay libertad”. Causa arrepios a pergunta que fez para a multidão que lhe assistia: “Están mejor o peor que antes del 10 de deiciembre?”, esse o dia e que deixou o Governo. Aclamada pelas camadas populares, ela fez um Governo com certa similaridade com o de Lula e também o de Dilma. Uma certeza tenho disso tudo, a de que tínhamos mais liberdade e as camadas menos favorecidas tinham algum atendimento, algo que, tanto lá com Macri, como aqui com Temer, não mais o possuem. Ambos os países pioraram e a olhos vistos (aqui a certeza disso em pouco mais de quinze dias de desGoverno). Se em ambos os países problemas existiam, reconhecido por tudo e todos, com a chegada do pior que existe dentro do regime capitalista, ou seja, sua versão predatória, a que tudo faz para o 1% da população e dá as costas para o restante do povo, principalmente a massa trabalhadora, a tendência é essa vista nas ruas argentinas e em fase de ocorrer aqui, tudo piorar ainda mais. Antes de ir, Maurício pegou os jornais e me mostrou uma foto de famílias nas ruas e me disse: “Isso foi o que mais me chocou e tenho medo do mesmo acontecer mais e mais também por aqui”.

*Em tempo: Eu volto, sempre que posso para lá, primeiro por causa dos Congressos Acadêmicos atuais, depois por algo que fui aprendendo ao longo desses anos, o amor pela cidade, pelo povo, pelas conversas nas ruas, hermanos que somos na alegria e na tristeza, andanças propiciadas e por fim, algo dito por Cristina e transcrito por mim já com alguma modificação: “Por tudo o que estão a fazer, voltaremos mais fortes e com uma atuação diferente, não mais acreditando em nenhuma possibilidade de coalisão com quem faz com seu povo isso que estamos vendo ser feito”. Acredito nisso, ou pelo menos, tento crer que, essa é a utopia a me mover para continuar crendo numa mudança de rumos políticos no continente latino.

6 comentários:

  1. Dinastia kirchner afundou a Argentina e o PT afundou o Brasil. Talvez o certo é voltar os olhos para o que está acontecendo na Venezuela.

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  2. Para os sectários a culpa é sempre dos outros, nunca querem discutir profundamente os pontos de um país, seja econômico, educacional etc. A Argentina faz muito tempo, desde antes dos Kichner, vem sendo minada economicamente seja por políticas desastradas ou por entreguismos mesmo, as universidades argentinas que eram referência da América do Sul caíram drasticamente de nível nos últimos anos.
    Por que será que no Equador o Rafael Correa é carregado nos braços pela grande maioria da população?? Por que será que o Equador tem crescimento do PIB enquanto Brasil e Argentina despencam fechando negativamente??
    Nada disso parece importar mais numa discussão séria, tudo agora é fazer brigas de igrejas, brigas de torcidas.
    Fácil falar em democracia os que conseguem ter suas necessidades realizadas, agora vai olhar o povão como continua vivendo desde sempre.

    Viva as Olimpíadas!!!

    Camarada Insurgente Marcos

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  3. Meu comentário após ler o facebook e comentar só aqui:

    Concordo com a tese de que se com Cristina e Dilma a coisa estava ruim, ela piorou e muito com Macri e Temer.

    Incontestável e nesse quesito até o Marcos Paulo, sempre crítico, tem que concordar, pois as evidências são enormes, gritantes.

    Cristina olhou para as massas e atendia muito de suas reivindicações e Dilma, mesmo com a mesma visão e entendimento, atendeu menos, seguiu os passos de Lula. Ou seja, Cristina esteve, mesmo sendo mais sacana, atendendo mais a reivindicações populares do que Dilma.

    Cristina nunca se afastou do povão, Dilma e Lula o fizeram, fazendo aquele jogo conciliador de governar com gente da banda mais podre como aliado, a tal da governabilidade. Isso teve resultado satisfatório durante um certo tempo, hoje não mais.

    Que bom seria se, Dilma, se voltar ao poder, pudesse realizar um governo mais popular, com os olhos mais voltados para essa classe que a elegeu, assim como Cristina sempre fez.

    São considerações das barrancas do estado de SP, quase Matro grosso.

    Paulo Lima

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  4. Quais foram essas reivindicações populares atendidas??
    Eu quero que o povão viva o melhor e não o "menos" pior.
    Qual política econômica adotada há décadas por ambos os países e à benefício de quem??

    Camarada Insurgente Marcos

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  5. Por que todo regime socialista e comunista afunda a economia de um país?
    O que está ocorrendo na Venezuela tem alguma ligação com a ideologia socialista e comunista?

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  6. Qual regime comunista afundou a economia de um país???
    Segundo, quem disse que a Venezuela é um regime comunista?? O que está ocorrendo lá não tem ligação com nenhuma ideologia, é incompetência administrativa mesmo e loucura como o próprio Mujica já disse esses dias.

    Camarada Insurgente Marcos

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