terça-feira, 27 de setembro de 2016

O PRIMEIRO A RIR DAS ÚLTIMAS (30)


DOS OFÍCIOS ONDE MENTIR SE FAZ NECESSÁRIO E O JEITINHO DADO POR UM QUE DRIBLOU OS GRAÚDOS
Eu tenho uma baita de uma amiga que é radialista numa cidade próxima de São Paulo. Estudou comigo em Bauru, hoje mora e trabalha numa cidade com mais de 500 mil habitantes. Exerce a profissão de radialista faz mais de uma década, vozeirão bonito, imponente, participa de uma programação educativa e sua voz é distribuída para todos os cantos. Muito conhecida por lá, participou de manifestações do Fora Temer!, muito consciente, lúcida, antenada, mas dentro da emissora não pode dar um pio sobre seus posicionamentos, mas é praticamente obrigada a repassar o da rádio, ao vivo e a cores, pelas ondas do rádio e através de sua voz. Vive angustiada consigo mesmo e me diz de variados e múltiplos problemas de saúde, todos arrebanhados nos últimos tempos, a maioria agregados aos que já possuía e tudo por causa de se ver obrigada a transmitir pelas ondas radiofônicas algo, primeiro de caráter mentiroso, depois diz não existir a mínima possibilidade de mostrar o contraditório, o outro lado da moeda. Sofre e muito. Não é a única a fazer algo parecido.

Numa troca de diálogos pelo facebook chegou a me confidenciar: “Já pedi inúmeras vezes pra me tirarem da porra do jornaleco feito aqui, ao estilo copia e cola. Vem tudo pronto e leio a versão oficial do novo Governo. Querem me ver sangrar. Já consultei um advogado e meu caso é difícil. Minha ‘credibilidade’ é minha ‘voz’ e são produtos de mão dupla: são frutos do meu trabalho, mas também são frutos da oportunidade da rádio. Ou seja, sou um papagaio. E preciso do emprego, tenho família. Vivo um baita de um conflito interno”.

Desabafos como esse são mais do que normais nos tempos atuais. Tempos atrás reproduzi aqui outro, o de uma professora, também baita amiga, essa tendo que enfrentar os desmandos de uma diretora de escola impondo situações em detrimento da Educação e tudo para favorecer, o Governo, o do estado, o patrão, que paga o soldo mensal, mas desdiz de suas reais obrigações, porém, quer sempre estar na crista da onda, como bom mocinho. Quantos professores hoje não estão na mesma situação, calados, reprimidos e obrigados a se submeterem às mais cruéis situações, tudo para manter o emprego?

O texto de hoje é uma ODE a esses todos. A radialista que não pode dizer o que realmente ocorre. A professora que repassa aos alunos uma situação ilusória. O funcionário público que aparece na campanha do candidato oficial de forma forçada. O cartorário que, mesmo sabendo que o terreno do figurão é irregular, carimba seu nome no papel oficializando a mentira. O homem na esquina distribuindo panfleto daquele candidato que ele sabe muito bem que nunca fará nada por gente como ele. O caixa daquela loja que junto da entrega do produto entrega ao cliente um santinho do candidato do dono do estabelecimento. O empregado que tem que ficar quieto toda vez que seu patrão fala horrores do candidato que sempre defendeu os seus lá do bairro. O desempregado, obrigado a dizer que também gosta do mesmo candidato do novo patrão, pois do contrário continuará na rua da amargura. A todos esses, o reconhecimento e a esperança de que o troco pode e deve ser dado no próximo domingo, nas urnas, fazendo exatamente o contrário do previsto. Essa a chance.

Por fim, a historinha de um que conheci anos atrás numa vizinha cidade aqui de Bauru. Esse meu conhecido é até hoje funcionário da Câmara Municipal da cidade e detentor de um cargo de confiança, o único que conseguiu arrumar por lá. Tem lá seu carrinho, mas em toda eleição vende ele antes de começar a campanha eleitoral. Sabem o motivo? Ele me explicou de forma bem rápida: “Eles sugerem assim democraticamente que lotemos nossos carros com adesivos da campanha do candidato lá deles. Quem não o fizer já sabe o que irá lhe acontecer. Eu para não passar constrangimentos, vendo o carro e passada a eleição, compro outro do mesmo jeito. É meu jeito de não entrar no jogo dos graúdos daqui”.

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