terça-feira, 3 de janeiro de 2017

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (99)


A INICIATIVA PRIVADA ATUANDO NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO BAURUENSE – É POSSÍVEL? MAS COMO...

Li algo sobre o "novíssimo" Governo de Gazzeta em Bauru apontar possuir desejos de atuar em conjunto com a iniciativa privada, não só apoiando como participando de projetos dentro da administração. Ou seja, é a grana vindo de fora para dentro. Não desmereço isso totalmente, mas vejo tudo com o devido cuidado. Tudo bem que o momento é de dificuldade financeira e coisa e tal. Esculachar por causa disso também não é recomendável. Sacar de onde vem a grana, pois aquilo de “cavalo dado não se olha os dentes” é ruim demais, ainda mais numa administração pública. O capitalista de hoje, na imensa maiorias dos casos dá e quer receber pelo pago, até com juros e correção, de uma forma que todos conhecem muito bem. Benesses desse tipo não são bem vindas, aliás, deveriam ser execradas. Sacar a intenção da doação se faz primordial, pelo bem da coisa pública.

Dito isso, conto algo ocorrido comigo no final de 2016. Atuei por 4 anos (2005 a 2008) como Diretor do Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, administração de Tuga Angerami e tendo como secretário o José Vinagre. Foi um período onde guardo imensas e boas lembranças. Até no restauro dos carros ferroviários conseguíamos parcerias. A Lwart mesmo doou manta asfáltica para cobrir um dos carros. Os homenageamos no evento de lançamento e só. Muitos outros nos ajudaram e possibilitaram belas conquistas.
Loyola e a "mais bonita estação".


No começo de dezembro do ano passado fui procurado por um empresário da cidade, ainda por causa de minha antiga atuação no setor (lá se vão nove anos e ainda sou lembrado) e ele querendo investir na recuperação da Casa dos Pioneiros, aquela em ruínas ali na rua Araújo Leite. Passando sempre por ali foi tocado e dizia querer retribuir, levantar aquilo, devolvendo-a como utilitária de fato para a cidade. Na proposta apresentaria um projeto e se aprovado, o entregaria pronto para uso. O que pedia em troca. Sim, tinha algo em troca. Queria acompanhar se a edificação seria de fato utilizada com atividades culturais. Não queria aprontar tudo e depois vê-la sem utilização definida. Seria ótimo. Nada mais.

A conversa adiantou e fomos ao então secretário de Cultura Elson Reis. Ele nos mostrou plantas e pré-projetos. Tudo caminhou. Parecia até que daríamos uma boa notícia para a cidade antes do final da administração do Rodrigo. Na somatória do que foi visto, um problema. A casa tinha sido desapropriada, mas o valor ainda não havia sido pago aos herdeiros. A Prefeitura não havia consumado o ato. O investidor preferiu não seguir com o projeto nessas circunstâncias e o mesmo não vingou. Uma pena. Quem coloca dinheiro dessa forma, pelo bem do bem público, quer no mínimo que tudo esteja a contento. Nem tudo foi descartado, mas por enquanto, sim. Faltou a quitação da desapropriação.


Eu que, gosto tanto desse tema do Patrimônio Cultural e diante das agruras do momento atual brasileiro, sei o quanto isso fica relegado a um segundo plano. Se a grana está curta para o atendimento básico, imagine para essas questões. Existem muitos imóveis tombados pelo CODEPAC, o Conselho Municipal de Patrimônio em estado já perto, para pior ou melhor do que essa casa. Garimpar investidores, ratear esses custos entre vários e devolver muitas edificações para uso variado, comprovado e qualificado é tarefa de uma equipe toda. Creio nessa possibilidade.

Tenho lembrança de um projeto idealizado naqueles áureos tempos, quando empresas privadas recuperariam carros ferroviários diversos, deixando-os em exposição permanente em frente a essas empresas, sob coordenação permanente da Cultura. Várias empresas foram contatadas e demonstraram interesse. Cito alguns. O Colégio COC dos Altos estava levantando seu prédio e pensou em colocar ali na frente um vagão restaurado. Por pouco, não vingou. Sugerimos o mesmo para a Faculdade Anhanguera, na Moussa Tobias e o GRALL Sem limites. Imaginem uma locomotiva ali restaurada na beira da rodovia Rondon. Perdemos a oportunidade. Celso Zinsly queria o mesmo para o Noroeste, num carro servindo de cabine de transmissão de jogos. Outra rica oportunidade perdida foi a do Boulevard Shopping ter uma estação de trem ali nos trilhos ao seu lado. Ela recuperaria a estação de Triagem Paulista e incrementaríamos os passeios. No bojo da ideia central estava criar um grande roteiro ferroviário, moldado pela pujança do que havia sido esse modal para o progresso da cidade. Viraria polo turístico. Ficou no papel. Suscetibilidades foram levantadas e hoje, a maioria dos bens idealizados para essa finalidade estão perdidos para sempre.
Fernando e Renato, a dupla de estofadores e o trabalho voluntário.

O Brasil é um país sui generis e assim deve ser tratado. Melindres existem por demais e isso impede a realização de tanta coisa. Podem me criticar à vontade, mas não entendo como Bauru deixou escapar no vão dos dedos a única oportunidade que teve de restauro da sua primeira estação férrea, a da Sorocabana, ali na Pedro de Toledo e um investimento ocupando aquela área toda no entorno. Vai continuar abandonada e relegada a um plano secundário ad eternum. Mesmo com todo “pé atrás” que possa ter (e tenho) com a iniciativa privada no Brasil, vejo com bons olhos o diálogo. Na própria “estação mais bonita de todo o interior paulista” (frase do escritor Ignácio de Loyola Brandão- foto abaixo), a da NOB ali na praça do matador de índios, a Machado de Mello, algo poderia ser pensando nesse sentido.

Essa discussão precisa voltar à baila, mas de forma séria, sem misturar alhos com bugalhos, nem o joio com o trigo. Quando adentro num dos carros férreos restaurados pelo Projeto Ferrovia da Todos, ali junto da Maria Fumaça estacionada na Estação da NOB, olho para aquele estofamento lindo, impossível não me recordar de quem propiciou aquilo. Sabem quem foi? Dois estofadores dos mais simples dessa cidade, quase anônimos, que lá estiveram e doaram gratuitamente seu trabalho viabilizando tudo.

ADENDO: Se a cidade quer criar um MARCO para algo nesse sentido, o da iniciativa privada atuando ao lado da Prefeitura e sem interesses ocultos, sugiro um. Poderíamos enaltecer o trabalho voluntário de duas pessoas, dois estofadores, Renato Munhoz da Costa e Fernando Lima, que dedicaram muitas horas no trabalho de restauro de um dos mais belos carros férreos do Projeto Ferrovia para Todos. Quem já passeou de Maria Fumaça conhece o trabalho deles. Eles se doaram pela cidade, pelo projeto e pelo bem de todos nós. Envolver a cidade em algo sério, consistente é viável, possível e fácil de ser realizado. Se algo ocorrer nesse sentido, imagino uma homenagem aos dois.

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