quinta-feira, 2 de março de 2017
AMIGOS DO PEITO (130)
DAS MAGIAS E DESVENTURAS DO CARNAVAL E ALGO DA VITORIOSA CARNAVALESCA TRANSEXUAL Quero encerrar a questiúncula sobre Carnaval e para isso, junto alguns fatos antes de escrever do motivo que me traz aqui no dia de hoje. Primeiro, ontem lá na apuração, deu para notar como nem tudo são flores nas hostes das agremiações de samba da cidade. Em todas rola algum imbróglio, um furdunço novo e que o pós-carnaval traz a tona. Com o fim da festa, vencedor ou perdedor, aflora no seio do samba desavenças. Algumas amenas, outras nem tanto. Nada, porém tão diferente do que rola aqui do lado de fora do mundo do samba. Na Cartola do Vista Alegre o esfrega começou bem antes, com a chegada de Cláudio Goya e a saída de Horácio e outros grandões lá dentro. No dia do desfile deles os vejo todos novamente por lá. Ali a poeira parece ter sido assentada. Na Mocidade da Vila Falcão nem tanto, o pau come e dia 23/3, algo de novo pinta no pedaço. Nem sei do que se trata, mas sei que tem mudanças pela aí, acertos intestinais. Na Azulão do Morro, lá do Jaraguá algo mais que novo, um ótimo desfile e o anúncio da despedida do casal Kaleda como comandantes da agremiação. Tentam passar o bastão e o clima de festa se transforma de apreensão. A Coroa do Geisel volta para o último lugar com a saída do Goya e o fim da gestão do hoje adoentado seu Avelino. Triste, mas nem conseguiu descer no Sambódromo para espiar sua escola de samba, a inexorável idade chegou. Por fim, uma Liga das Escolas já existente e um zum zum zum de outra despontando na curva da esquina. Por que não consertam e revitalizam a já existente ao invés de criar outra nova? Bastidores inexplicáveis do Carnaval, onde sepultar é mais fácil que promover os acertos necessários na já existente.
Agora vou direto ao tema desse meu escrito de hoje. Nesse ano tivemos uma Escola de Samba se recusando ter uma mulher como carnavalesca e dirigindo seu Carnaval. A alegação foi chula, triste e a demonstrar como ainda padecem as mulheres de vida livre e liberta num mundo rodeado de gente preconceituosa. Ela ficou de fora e nosso Carnaval perdeu de conhecer algo de uma pessoa devidamente preparada para fazer e acontecer. Pode-se discutir o papel do carnavalesco em si, existente na maioria das escolas, o da pessoa que assume quase sozinha tudo no entorno da montagem da escola. Tem quem ache dispensável isso, podendo ser assumido por uma equipe. Tem seus prós e contras, mas junto disso tem também muito de preconceitos rolando pela aí.
E conto aqui algo a demonstrar outro lado dessa questão. Lá no Jaraguá, terra da Azulão do Morro, o preconceito passa batido e quem foi convidada para assumir o papel da montagem da escola foi Cristiane Ludgero. Quem é ela? Veja algo se sua trajetória em relatos já escritos por mim e publicados no blog Mafuá do HPA: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=cristiane+Ludgero. Sim, Cristiane é uma transexual, ou uma mulher trans, como de fato se declara. Cabelereira de profissão, moradora desde sempre na vila Nova Esperança e uma das primeiras trans na cidade a fazer uso legalizado do nome social. Estreou na Azulão ano passado, fez tanto por lá, arregaçou as mangas, passou noites em claro, meses a fio lá na casa sede da escola nas finalizações disso de colocar uma escola pequena na avenida, tanto que, acabou sendo convidada a inscrever enredo para a escola esse ano. Ganhou de lavada com o tema “Azulão vira jogo e vira o jogo – A sorte está lançada”.
Ousada, estudou, pesquisou com afinco sobre os jogos no país e, pasmem, tudo com um celular de mão, pois não possui computador. Desenhou peça por peça a bico de uma BIC e dali foram sendo feitas uma a uma as fantasias. Conquistou a todos e o Azulão se empenhou. Por lá, não pensem existirem um batalhão de gente nos bastidores. Falam da integração comunidade escola, mas na hora do vamos ver, sobram sempre para uma meia dúzia de abnegados. Igual por “quase” todo lugar. E nesse ambiente restrito, surgem também problemas e o couro come. Comeu, mas a escola saiu altaneira na avenida e muito se deve a tudo o que idealizou Cristiane para a Azulão. Dentre as ditas em Bauru como de um segundo grupo, foi a melhor, tanto que foi a 3° lugar, com muita honra e qualificação.
Quer queiram ou não, a transexuali chegou lá e mostrou a que veio. Travestis, transexuais e afins precisam provar em dobro em suas respectivas atividades. Desfilei na Azulão na ala das “Velhas no Jogo da Velha” e, confesso, foi o momento mais divertido passado por mim no Sambódromo e depois fico sabendo pela boca de terceiros, estávamos mesmo integrados ao proposto. Cristiane nos aprovou com sorrisos (raros naquele dia de muita tensão). Ela depois me confessa: “O grande Horácio, que respeito muito veio me cumprimentar e me disse que não precisou fazer esforço nenhum para reconhecer o que quis dizer em cada ala”. Elogios como esse recebeu vários e isso se deve á sua abnegação. Ela foi esforçada, ontem me dizia ter emagrecido, tal a entrega para o trabalho e até sonhou de ontem para hoje, acordou no meio da noite ainda sonhando que tinha fantasias para concluir.
Escrevo dela para ressaltar a tudo, todas e todos de como despontam pessoas importantes no cenário carnavalesco de Bauru. Ninguém surge do nada, assim num vapt-vupt. Tudo é trabalho. Ela pode não ser unanimidade, mas cumpriu o script com maestria e como todos sabem, por ser o que é, precisa matar um leão por dia. Matou vários, provou ser capaz e depois, se esquivou de comparecer no dia da apuração. Preferiu ficar reclusa em sua modesta casa e curtir de longe os louros do trabalho. Rendo aqui uma justa homenagem, sem babação de ovo, para alguém a merecer nesse momento um dos troféus Revelação do Carnaval 2017. Dentre alguns outros (poucos, viu!) ela esteve magistral. Mostrou a que veio e pode deixar de lado uma frase que lhe foi peculiar durante a pauleira da preparação da escola: “Depois não quero ser taxada de estrelinha iniciante e que o posto subiu na minha cabeça”. Ela está onde sempre esteve, lá na sua Nova Esperança, aguardando clientes de seu salão, atendimento a domicilio e internamente muito feliz da vida. Gente assim precisa ser valorizada na festa bauruense. Essa veio lá das entranhas de Bauru, foi buscando conhecimento cavando cada centímetro, de preferência a unha e conquistou algo. Merece aplausos. Presto aqui minha modesta e justa homenagem a uma digna personagem do carnaval bauruense, Cristiane Ludgero.
Com suas próprias palavras encerro esse texto, coladas via facebook: “E assim um sonho foi tomando forma, criando vida.... Saindo da cabeça louca e insana de uma humilde carnavalesca recém saída das fraldas e toma espaço no carnaval de Bauru. Não foi fácil.... Foram dias árduos, intensos, estressantes..... Por hora pensei em desistir. E quem desiste de sonhos? Não... Isso não combina comigo, sou tinhosa, persistente e focada....Rebelde as vezes, mais intensa! Pude contar com muitas pessoas ao meu redor, pessoas q trouxeram esse sonho comigo a realidade. Marcela Amaral ,Jeferson , Alexander Benetti , Ronaldo Graminha, Valdemir Cavalheiro, Kelly Britto, Alan Junior, ... Muitos foram até o final, outros se dispersaram no caminho, muitos chegaram depois... Porém todos tem seu mérito é seu valor.... E como se não bastasse.... Vem o mestre, sim o Mestre das alegorias e dá um show de trabalho nas alegorias.... J Gilson Decor...E toda a equipe de solda e ferragem... Ao comando do excelentíssimo é muito respeitado por mim Sr. José Kaleda... Por fim os destaques maravilhosos que se agregaram a nós... Junior Ellero , Beto enfermeiro, Sarah Fernandes , Ronaldo Graminha e as composições a qual não conseguirei citar todos..... A todos aqueles que acreditaram no meu trabalho e dedicação.....Meu muito obrigada, não foi fácil reciclar, reconstruir, se limitar, cortar gastos, assumir obrigações que não eram minhas, pagar por erros que não foram meus, estou longe de ser perfeita, mais irresponsável não é minha marca.. Enfim.. entre trancos e barrancos está aí Azulão Do Morro.... O terceiro lugar é de vocês. Entrego meu trabalho com orgulho e satisfação, se as condições fossem melhores e administração também talvez teríamos outra colocação.... Mas pra fechar com chave de ouro, ou melhor bronze, o terceiro está ótimo! Obrigada a todos....Caso esqueci de alguém me perdoem.... Roger, Nenê, Marcel , Azulão e meu eterno tio Zé...Obrigada mesmo. Harmonia, comissão de frente, integrantes, bateria, vocês foram essencial para esta colocação...Rainha e Chaveirinho... Sem palavras.... Shirley minha companheira (sempre preocupada com a minha alimentação) isso não se paga. Dyosaflan Wegrison...Ah....Super suspeita, me deu ombro e apoio nas hora desabafos..... Mas não....Fomos pra avenida... Corri descalça, empurrei alegorias, gritei com integrantes, suei a camisa e tudo valeu a pena.... Esperar reconhecimento? Pra que? Quero é que Deus continue me abençoando e renovando minha fé e criatividade.. Por fim meu obrigado geral..... Se chorei ou se sorri, o importante é que o terceiro eu consegui...Kkkkkkk Tantas emoções.. Obrigada amigos e equipe...Vocês são fera, imbatíveis, determinados..... Viramos jogo e viramos o jogo, como mandava o enredo e isso é o q me importa...Apenas... Bjs da Cristiane Ludgerio..... Realizada”. Aproveitem e espiem o vídeo com a Azulão, cortesia do Casa de Bamba: https://www.facebook.com/azulao.domorro?fref=ts
Era o que AINDA tinha para dizer ainda sobre esse findo Carnaval bauruense. Toquemos o barco.
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