sábado, 29 de abril de 2017

FRASES DE UM LIVRO LIDO (114)


O PAPEL DOS MEMORIALISTAS – UMA CONVERSA COM O AUTOR DOS ESCRITOS ESPALHADOS SOBRE MINHA MESA

Da série: Dos encontros e desencontros da Greve Geral ontem nas ruas de Bauru e de diálogos iniciados nas ruas e terminados por aqui, no isolamento do mafuá. Percorri o trecho todo, fui e voltei várias vezes fotografando e falando com as pessoas. Conto uma história, acho que do momento quando o cortejo (olha só que definição) estava na curva, descendo a Ezequiel Ramos e adentrando a Nações Unidas. Ali, ao olhar do meu lado, o professor da Unesp, CÉLIO JOSÉ LOSNAK, DO Departamento de Ciências Humanas, Campus de Bauru. Cumprimentamo-nos e disse estar lendo exatamente neste momento um livro seu, para fechar um dos capítulos de meu mestrado e o encontro é dessas coincidências da vida. O livro é o “Polifonia Urbana – Imagens e Representações – Bauru 1950/1980” (editora Edusc, 2004, 288 páginas) e o assunto que faço questão de citar a ele ali no agito da manifestação é sobre a reação que tive ao ler sobre o PAPEL DOS MEMORIALISTAS na história dos tempos idos de Bauru.

Tinha chegado numa conclusão, a de que esses, por mais detalhistas no trabalho feito, escreviam tendo sua linha pensamento voltada para o poder dominante, possuiam certo entrelaçamento com esse. Muito perceptível esse envolvimento. Losnak riu e me perguntou se havia encontrado o que queria. Disse que sim e na sequência, ficou de me enviar links de outros escritos seus sobre o mesmo tema e mais, muito em breve voltaria a escrever sobre a História de Bauru, algo que, temos a certeza, precisa ser recontada segundo outra visão, menos apaixonada e muito menos dependente dos poderosos. O encontro foi rápido e ao cruzar com ele (e tantos outros professores unespianos), bateu uma certeza, parcela significativa da universidade pulsa o sentimento das ruas desta cidade, estado e país. Um baita alívio.

Volto no final do dia de ontem para meus escritos e ao reler a parte que havia tocado na conversa, reproduzo trechos para ampliação do debate a respeito do papel dos memorialistas retratando a história:

“Tem sido tradicional a existência desses agentes em cidades do interior do estado, com o interesse de perpetuar determinadas tradições do lugar. Em Bauru, houve e há vários deles, que coletaram e arquivaram diversos tipos de fontes, escreveram na imprensa, trabalharam em setores de órgãos públicos voltados para a memória e produziram livros reconhecidos pela sociedade local. Entretanto, é clara a vinculação ideológica entre o trabalho desses autores e as versões oficiais do passado da cidade e, também, os setores dominantes e politicamente conservadores”.

Quando li isso surtei. Não era o único a pensar da mesma maneira a respeito do que leio sobre a história de minha aldeia e, melhor que tudo, um grande educador e estudioso já havia tocado no assunto. Li mais: 
- “...buscavam definir novas identidades para a cidade, mas tendo por suporte a memória oficial”.
- “A eleição, elaboração e divulgação do projeto de cidade moderna e atualizada aos novos tempos foram possíveis por meio de vários agentes que estavam além dos grupos dominantes. A maior parte desses atores sociais era composta de trabalhadores assalariados:: memorialistas, jornalistas, editores e técnicos da área urbana, funcionários com atividades intelectuais em órgãos públicos. Embora possa ser observada a presença de profissionais liberais, eles não pertenciam ao grupo dominante (político-econômico), mas sim a uma elite intelectual afinada com os poderosos.”
- “...a classe dominante se utiliza de tais representações para dar base a visibilidade a um articulado projeto de legitimação e ação política que nega outras possibilidades. As representações e a ideologia estão presentes na elaboração de um amplo imaginário que pretende abarcar todos os segmentos sociais e todas as dimensões do humano”.

- “Toda sociedade é uma construção, uma constituição, uma criação de um mundo, de seu próprio mundo. Sua própria identidade nada mais é que esse ‘sistema de interpretação’, esse mundo que ela cria”.
- “As cidades médias e interioranas ainda são muito pouco estudadas”.


O pensamento fundamentado pelo professor Losnak me fez ter um outro direcionamento num texto ainda em fase de conclusão para meu capítulo envolvendo a história de Bauru, pois a maioria do material encontrado para contar essa história é proveniente do escrito e encontrado em arquivos, justamente escrito pelos memorialistas. Escrever de Bauru é como, numa outra passagem, o próprio Losnak ressalta, te obriga a fazer "uma retrospectiva de partes de sua vida: exercita a flânerie por meio da memória...”, ou seja, necessariamente quem é de um lugar e escreve dele, dialoga com experiências urbanas pessoais. Como não incidir no mesmo erro da maioria dos memorialistas? Eis a questão? Juntar isso tudo e apresentar algo dentro de uma concepção isenta de amarras, muito mais próxima da realidade dos fatos. Como é difícil isso. Passo parte do meu sábado enfurnado num lugar isolado e na tentativa de parir um escrito com essa visão. Losnak colocou umas minhocas a mais em minha cabeça.

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