sábado, 22 de julho de 2017
DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (145)
A VELHA, SUA PROMESSA, OS FRANGOS E OS QUEIJOS – HPA PACIENTEMENTE ESPERA, O TEMPO QUE FOR NECESSÁRIO Essa história eu não poderia deixar de contar aqui. Fiquei remoendo com os meus botões sobre a melhor forma de passá-la adiante sem ferir a imagem de tão boníssima pessoa no meu portão. Tentei e se ocorreu algum deslize, me crucifiquem, pois réu confesso, sou merecedor de padecimentos sem dó e piedade. Semana passada, mais precisamente sexta-feira, 14/07, por volta das 11h toca a campainha aqui no mafuá. Corro para atender e do lado de fora das grades uma velhinha, com aquele jeito mais agradável deste mundo;
- Bom dia, meu filho, poderia falar com sua esposa?
- Sinto muito, estou só, eu e meu cão. O que deseja?
A partir daí uma longa história e a tenho relatado a diversos amigos durante esses dias. Ainda crendo piamente no desfecho mais apropriado como desenlace, fechamento com “chave de ouro”, conto como o fato se sucedeu. A senhora dessas fotos, se identificando com nome e referências, 84 anos, se apresenta como moradora de um pequeno sítio, lá nas imediações do bairro Gasparini, estrada Bauru/Marília, família de procedência italiana (“minha família possui hotéis na Itália e na região do largo do Paissandu, em São Paulo”). Contou do lugar onde vive, um sítio e ali, ao lado do marido, criam muitos animais, desde galinhas, porcos e algumas vaquinhas. Plantam também e assim tocam a vida, com os filhos já criados. Para sua tristeza, uma das filhas adoeceu e ela, desesperada, fez uma promessa pelo seu pronto restabelecimento:
- Eu não preciso pedir esmola, tenho tudo o que necessito, mas fiz uma promessa. Sou católica (perguntou se eu religioso e para não desapontá-la mudei logo de assunto), frequento aqui o Santuário de Aparecida e pedi aos santos todos que, se ela ficasse boa, sairia pedindo esmola em exatas dez residências, dez pessoas. Ela foi se recuperando e hoje está boa e agora, cumpro minha promessa.
Chora comigo no portão, eu inebriado com seu relato. A questiono sobre sua idade e sair por aí. Me diz sempre ter andado muito de ônibus e quando vem à igreja, aproveita para visitar as casas e concluir sua promessa, a qual não pode deixar de cumprir, religiosa que é. Procuro pela minha carteira e, infelizmente, justo naquele dia, quase nada, pouca coisa, algo em torno de uns R$ 18 reais (se tivesse R$ 50, R$ 100 a teria dado). Ofereço a ela e insiste que faz isso, por causa da promessa e que ninguém sabe, algo só dela e dos santos. Mais envergonhada ainda me diz que, nunca havia feito pedido semelhante a um homem, pois sempre se dirige às mulheres das residências, mas me achou tão simpático. Chegou a contar algo mais de sua vida, fico gratificado e a conversa se prolonga:
- O que são esses cartazes na área de sua casa?
Explico o que venha a ser o mafuá, as cadeiras para nossos encontros e da faixa “Fora Temer”. Ele diz entender da dureza desses tempos, das dificuldades todas, dinheiro cada vez mais excasso. Trocamos confidências sobre os malefícios dos golpistas nos cravando a estaca no peito. Por fim, ela num gesto de retribuição, me oferece algo mais:
- Gostei demais do senhor e quero lhe propor algo, mas não quero que se magoe. Lá no sítio crio muitas galinhas e também faço queijos. Na segunda vou trazer pro senhor três galinhas e dois queijos para que use nos encontros aqui realizados.
Agradeci, disse não ser necessário, ela insiste, disse que, se trouxer pago por eles. Ela diz que não poderá aceitar mais dinheiro de minha parte, enfim, aceito e assim ficamos. Peço para tirar umas fotos, ela permite, mas diz que seu marido, o italiano, é muito ciumento, bebe e se souber que andou tirando fotos por aí, vão acabar discutindo. Por fim tiro, ela sorri, eu admirado, já seu fã. Queria beijá-la na despedida, mas fiquei só na vontade, uma pena da qual me arrependo.
Hoje, sábado, 22/07, se passaram mais de uma semana do ocorrido e estou desolado com meu inquilino, parede meia aqui com o mafuá. Eu, como sabem saio muito, pouco fico por aqui e ao sair o deixo sempre tomando conta da casa e atento para receber os frangos e os queijos. O danado é relapso, sai muito e por causa dele, tenho absoluta certeza, minha amiga já deve ter passado várias vezes por aqui e não encontrando ninguém, volta para seu sítio com minha prenda na sacola. Estou desolado, culpo meu inquilino e creio que ela voltará, insistirá até me reencontrar. Muitos riem de mim, nem dou bola.
Essa linda história só pode ter um final, feliz como o do país quando se livrar desses cruéis e insanos golpistas. Hoje, amanhã e pelos próximos meses, permanecerei em vigília aguardando seu retorno, o que devolveria todas minhas esperanças de que esse mundo é mesmo de uma lindeza sem fim. Tenho comigo, essa senhora, representa para mim, a versatilidade e ousadia, tão necessários nesses tempos bicudos, para ir driblando as adversidades e conseguindo, dia após dia, sobreviver. A admiro muito, mas muito mesmo. Quero fortemente abraçá-la no reencontro, seja onde for, aqui no meu portão ou trombando, sem querer, por uma rua qualquer desta cidade. Ela foi a coisa mais linda que me apareceu no portão nos últimos tempos. Estou apaixonado por ela e sua história.
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