domingo, 24 de setembro de 2017

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (107)


ENCLAUSURADO
Tem momentos que necessitamos de isolamento. Vivo o meu momento de reclusão. Cada um tem os seus motivos. Os meus tem um só afunilamento: tento terminar de forma honrosa minha tese de mestrado, algo começados há mais de dois anos atrás e agora, na fase final, ainda com alguns acertos, mas já vislumbrando o término.

E como a gente termina um negócio desses. O professor Dino Magnoni outro dia me disse: “Sente a bunda na cadeira e faça, se tranque e acabe”. Tento. Outro professor, Juarez Xavier repetiu tempos atrás: “Acelere, falta pouco, dedicação final”. Minha orientadora, Maria Cristina Gobbi disse trinta dias atrás: “Fase final, agora é a hora. Dedicação total, depois você volta ao normal”. Ana Bia Andrade, minha companheira de todas as horas, me vendo apartado de sua convivência, ela lá no apartamento e eu aqui no mafuá, liga constantemente e me cobra: “Fazendo o que? Acabe de uma vez”. Meu inquilino, me vendo envolvido e falando tanto do mesmo assunto hoje pela manhã veio com essa: “Esse negócio é um parto, hem! Nasce quando?”.

Muita gente anda preocupada comigo. Eu também. Ando meio fora do prumo, fora de órbita, fora dos acontecimentos. São tantos convites para ir aqui e ali, estar presente em eventos, escrever sobre as coisas do momento e eu dando um jeito de tentar não deixar nada passar batido, mas impossível cumprir uma agenda louvável. Minha agenda está de pernas para o ar e eu aqui, trancado, revisando tudo, relendo, retocando e promovendo acertos, ajustes.

Creio que mais uma semana eu consiga protocolar tudo e no final de outubro faço a defesa. Se me virem mais acabrunhado, fisionomia preocupada, falando sozinho, passando pelas pessoas sem reconhecer, não me tenham como desses que fingem não ver as pessoas. Longe disso. Tudo no momento está canalizado para não fazer feio nesse negócio onde estou metido e como peguei gosto pelo que estou escrevinhando, creio que sairá algo de palatável, aproveitável. Sigo em frente seguindo o que lá atrás me disse a orientadora: “Tudo só terá sentido se você produzir algo que saia do trivial, que chame a atenção, que incomode alguns, pois se ninguém notar nada, será mais um trabalho concluído, mas arquivado e esquecido numa estante”. Isso me calou fundo e daí tento cutucar algo.

Essas minhas justificativas para essa ausência de quase tudo o que rola do lado de fora do meu mafuá. Nem do golpe e desses insanos e bestiais sujeitos mal ajambrados que estão a nos dominar, creio tenha espezinhado a contento. Eles que me aguardem, pois volto logo. Por enquanto, estou aqui, recluso, com música instrumental na vitrolinha e fazendo o que já deveria ter concluído há um bom tempo. Por falar em tempo, respondam aí: Quanto foi o Corinthians? O Congresso já começou a julgar o Temer? A Rocinha já foi desocupada? O tremor no México já amainou? Será que a Ana jantou direito? Meu filho já foi para Araraquara?

As respostas eu vou juntando como cacos, naz vezes em que saio para algo, hoje uma passeadinha na feira, atender um sorveiteiro no meu portão, pegar um pedaço de carne do churrasco que o vizinho faz, acender a luz quando a noite chega e logo depois, voltar a sentar na dura cadeira e tentar acertar e definir de vez a batata quente diante de mim. Escrevo todos os dias no blog, algo fácil, sem pretensões, a coisa sai e vai pro papel sem problemas, já esse negócio de texto acadêmico, como é difícil isso. Me dói até as entranhas.

Até...

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