domingo, 10 de dezembro de 2017

BEIRA DE ESTRADA (86)


HISTÓRIAS PARA SEREM JUNTADAS NUM ESCRITO MAIOR


01.) GAÚCHO

Lá no hospital onde minha sogra está internada já há quase 60 dias, a gente vai se familiarizando com tudo no seu entorno. As pessoas já passam a te conhecer e te cumprimentam na passagem. De todos os que lá convivo, um me chama a atenção: o Gaúcho. Um guardador de carros ali das cercanias da Beneficência Portuguesa. Seu horário de atuação é das 16h em diante e ele fica por ali olhando os carros de muitos, enquanto esses vão permanecer horas junto dos seus. Não existe dia que, na saída, ele não se aproxime, para em primeiro lugar, olhando para nossa fisionomia, dizer palavras de incentivo, alegrando o diálogo. Se mostra preocupado quando saímos sorumbático e olhando mais pro chão do que para o alto. Dia desses um de nós chegou atrasado e não encontrando lugar deixou chave do carro, tudo em suas mãos e entrou correndo. Na volta, horas depois, o carro estava num dos melhores lugares, bem defronte a entrada principal e ele ali como cão de guarda zelando por tudo. Sua história igual a de tantos outros, os que moram longe (ele não mora na rua), tem uma família desestruturada e faz dali o seu ganha pão. Virou referência no lugar, pela simpatia, um sotaque gostoso de bater papo. Na saída, todos lhe trazem alimentos, daqueles entregues nos quartos do hospital e ele, quando sua fome já está saciada, distribui entre os demais. O vejo ali e constato, ninguém trabalha de graça nas ruas de qualquer cidades brasileira. Todos os espaços são delimitados e duramente disputados. Para conseguir um espaço como aquele, tenho certeza, ele não foi chegando e ali atuando. O bicho pega nas ruas e olhando para os lados, só de ver que cada pedaço, bem esquadrinhado pelos que ali atuam, tem uma pessoa e nenhum invade o quadrado do outro, enxergo nisso uma extensão de tudo o mais nesse mundo capitalista onde vivemos. Gaúcho é a simpatia em pessoa, mas para ali estar, deve ter passado poucas e boas. E ele, nos reencontros diários não transparece nada disso e quando nos vê já vem de braços abertos e o papo rola, alegrando nossa ida pra casa.

02.) UBER
Por esses dias na capital paulistana, meu meio de locomoção foi quase 80% via UBER. Do lugar onde me encontrava para onde queria ir, tudo rolou dentro dos conformes. Nas viagens, o que rolou mesmo foi o papo com os motoristas. Quase todos me contaram histórias do dia-a-dia do que acontece nas viagens pelas ruas da maior cidade brasileira. Espantoso como cresce o uso deste serviço por aqui e como cresce também as pessoas interessadas em trabalharem para o UBER. Com a vida precarizada, todos sabem que, ganharão uma porcentagem já demarcada e sem direito a mais nada, nenhuma outra garantia. Previdenciária, nem pensar. Tudo ao estilo PJ, ou seja, se tiver grana sobrando recolhe, se não, não recolhe nada e quando deixar de ali atuar, tchau e vida que segue. Como se aposentar nessas condições? Cada vez mais difícil, pois as prioridades de pagar contas e manter a vida estabilizada são as prioridades. De todos os relatos, conto só um, para exemplificar de como o brasileiro burla tudo em sweu benefício. Existe uma forma de baratear o custo da viagem que é chamando ela de foma compartilhada. Quando duas ou três pessoas vão para o mesmo lugar, podem ocupar o mesmo carro e o preço cai para todos. A sacanagem reside no fato de dois amigos combinarem a viagem, o uberista pega um e logo a seguir antes de pegar o outro, recebe uma desconfirmação deste, ou seja, o passageiro descaradamente sugere ao motorista seguir a viagem pelo preço menor, mas só com ele no veículo. Ele me diz, ser isso rotina, daí não aciona mais viagens compartilhadas, pois já deram jeito de burlar o que foi criado para facilitar a vida, mas não beneficiar a somente para um dos lados. Este nosso mundo e ouvir tudo e a todos muito me apetece..
HPA
"Eu cuido de minhas palavras, porém  elas não cuidam de mim...",  Miguel Rep, diário argentino Página 12.

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