terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

FRASES DE UM LIVRO LIDO (124)


DOS BARES DO ALDIR BLANC ÀS TENTATIVAS DE CONHECER ALGUNS ITALIANOS

Queria muito conhecer os botequins italianos e franceses. Ainda frequento alguns no Brasil, mais precisamente em Bauru, a aldeia onde nasci e vivo, mas a diabetes me faz consumir menos nesses lugares. Vou para continuar vivenciando o clima ali existente e não possível em outros lugares. Tentei entrar em alguns aqui na Europa, mas até pelo frio e falta de tempo (turista tem que ver tudo no mais curto espaço de tempo), estou perdendo a oportunidade de comparar e de curtir as dibruras que, com certeza, também devem ocorrer nos daqui. Vou acabar me despedindo do solo europeu com essa decepção. Vejo nos botequins uma espécie de porto seguro, lugar de incontáveis histórias. Aqui, nem sei se conseguiria me integrar, pois o não conhecer a língua nativa também pode ser motivo de distanciamento.

Em viagens como a que faço agora junto de Ana Bia, a companheira de todas as horas, sempre carrego livros. Desta feita carrego um só, o do maior letrista vivo da MPB, Aldir Blanc, “Direto do Balcão” (Ed. Mórula RJ, 2017, 220 páginas), só com crônicas vivenciadas em botequins cariocas, ao estilo etílicas e carregadas da sabedoria do bom bate papo desses lugares. Como exemplo vivo deste destemido amor, escolhi uma frase para exemplificar a minha desapegada leitura de viagem:

“O buteco é o último reduto das palavras. Entre um copo e outro, em meio às cusparadas na serragem, as palavras ainda têm valor no buteco. Um palavrão, dirigido ao goleiro do Vasco ou à mãe de alguém, ainda é uma ofensa. Uma história, mesmo que seja mentirosa (quase todas), tem sabor, ao contrário das declarações de ministros, publicação de faxes e outras desmoralizações. Aviltada por Inocêncios, Sarneys, Fiízas, Mirandas, pastiches de Jeffersons, simulacros de Andrades; coagidas por juristas sempre na contramão do corpo e do espírito das leis; totalmente avacalhada por pregadores, padres, bispos, profetas, conservadores e revolucionários – a palavra resiste na boca sem dentes, na saliva do bêbado, na anedota e no apelido”.

Eu me aproximo dos botequins italianos com aquele olhar de neles ver alguém recostado com os cotovelos num balcão, outro falando alto sobre a eleição se aproximando por aqui, ou mesmo o campeonato italiano de futebol. Não consegui coisa nem outra, enfim nem os botequins consegui ir. Viagens nos obrigam a andar, visitar mais e mais, consumir e parar nesses lugares contemplativos é um luxo. No momento, só olhos para eles e em algumas ocasiões, fotografo, mas com aquela vontade quase irresistível de ir assuntar o que conversam em tom alto. Quanto mais leio as crônicas do Aldir, todas de devotado amor à essa sacrosanta instituição, mais queria tomar conhecimento de alguns daqui, perdidos nas periferias dessas cidades por onde ando. Ana não me deixaria ir em busca de um desses no frio da madrugada italiana, sem nem saber como voltaria capengando pelas ruas tomadas de gelo. Ela ainda insiste em preservar minha integridade. Eu passivamente acato, mas penso neles e em tudo o que deve gravitar no seu entorno.

Encerro com outra frase do mestre Aldir, do livro de cabeceira nessas andanças pela Itália: “Os bares não são apenas o que servem, mas a inesgotável dádiva de seus frequentadores ao humor popular”. Nos bares também se resiste à essa merda imposta ao país hoje como regra de conduta de vida, a de seguir de cabeça baixa o imposto pelo cruel e insano neoliberalismo. Dentro desses ambientes ninguém resiste calado, ali fala-se alto e aos brados, adeptos se aproximam e o papo flui. Não vivo sem eles, mesmo bebendo pouco.

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