segunda-feira, 23 de abril de 2018

MEMÓRIA ORAL (223)


O QUE É SER 'CARTA CAPITAL'? - A OUSADIA DO NÚMERO MIL*
* A edição nas bancas é a de número mil e no link a seguir, o que já escrevi sobre eles no blog Mafuá do HPA (históricahttp://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=carta+capital) e abaixo a carta na íntegra enviada a eles. Um resumo dela sai publicada na histórica edição:


Descobri Carta Capital pouco antes dela tornar-se semanal e dela não mais me separei. Cheguei a procurar as edições anteriores, consegui algumas e as guardo como preciosos troféus, prova inconteste de uma imprensa livre e soberana neste ambiente tupiniquim. Ela não é única, outras existem com a mesma disposição e garra, mas representa para mim, na exatidão do termo, o que venha a ser uma atuação dentro da verdade factual dos fatos. Poucos persistem e insistem em seguir por essa linha mestra do Jornalismo, diria que, daria hoje para contar nos dedos de uma das mãos.

Acompanhei e conto com detalhes todas as batalhas onde CC esteve envolvida e tudo o que lhe aconteceu por não se vergar. A gradativa perda de anunciantes é só a ponta do iceberg. Sofreram e sofrem muito com a quase obrigatória seletividade destes. Praticamente obrigado a se manterem distantes das páginas da revista, sob pena de no mínimo sofrerem perseguições fiscais. Num lugar onde tentam impor o pensamento único como única alternativa possível para este mundo, os propositores de algo ao contrário devem padecer até a falência, sem dó e piedade. Os governos de Lula e Dilma mesmo distribuindo a verba publicitária de forma bem desigual, o fizeram para todos e, desta forma, CC recebeu o seu quinhão. Mesmo infinitamente menor do que todos os órgãos que crucificaram os governos populares, só por receber algo foram tachados de “chapa branca” pelos insanos, sempre prontos para ataques desqualificados e fora de qualquer propósito.

Quem tem a pachorra de denominar CC de prática de jornalismo “chapa branca”, no mínimo é movida por muita má fé. Se assim o faz, em primeiro lugar, nunca deve ter lido, pois se o fizesse saberia das críticas feitas ao Governo Lula e Dilma pela revista. Mino Carta, seu editor chefe não se cansa de afirmar dos erros do PT, principalmente no fato de ao terem chegado no poder agirem da mesma forma de tudo aquilo que tanto criticava. Criticar é uma coisa, mas usar de má fé, ser desleal e fugir das normas mínimas de um jornalismo responsável, isso a revista não faz. Deste erro ela não pode ser acusada. Não pratica o jornalismo criminoso hoje em voga no país.

CC paga o preço por não se desviar da verdade factual dos fatos. Além dos já citados se viu obrigada a reduzir seu quadro de funcionários. Sempre trabalharam com um quadro enxuto, porém isso se acentuou. Primeiro devido a crise global, depois outra, a dos meios de comunicação impressos e, por fim, a situação do país pós-golpe, onde o medo passou a fazer parte do cotidiano brasileiro. Diante da maioria da mídia ter aderido ao golpe, ou mesmo fazer parte dele, outra aderiu de cara e quem resiste é duramente penalizado. Desde a chegada do ilegítimo Michel Temer ao poder, via esse escandaloso golpe ainda em curso, a revista não recebeu mais nenhuma verba publicitária advinda do Governo Federal. A regra em curso, nada democrática é “tudo para os amigos e para os inimigos o fogo do inferno”. A revista resiste, não só tendo aumentado o número de leitores e assinaturas, motivado por constantes campanhas, mas “até as pedras do reino mineral sabem” ser quase impossível tocar um projeto da envergadura de uma revista semanal somente com a venda em bancas. A agrura e resistência é algo que vejo sendo repetido desde o início por Mino Carta e os seus: “a editora Confiança sempre atuou com um orçamento apertado, pouca gente em seus quadros”. Resistem como podem, mas o fazem maravilhosamente aos olhos de quem sabe o que está em jogo e como o jogo é jogado.

Seu conteúdo é único no mercado editorial brasileiro. Afirmar ser a melhor revista semanal brasileira é o mínimo, mas ela representa muito mais para todos os que buscam um jornalismo isento, feito com “sangue, suor e lágrimas”. Quem como eu, compra semanalmente a revista em bancas somente vagamente imagina o grande esforço que é o de colocar a mesma nas bancas de todo o país e nas condições atuais. Corro para as bancas no domingo pela manhã e solto aquele suspiro de satisfação ao vê-la ali exposta, pois sei da luta travada. Compro uma para mim, outra para meu filho, em bacas diferentes e assim, além de valorizar o jornaleiro, converso com outros que saem de suas casas somente para comprar a revista. Somos uma legião de abnegados apaixonados por CC na cidade. Por algumas semanas ela não chegou aos domingos e o jornaleiro sabe que, sendo leitor de CC ele não leva nenhuma outra e volta para buscar ela no dia em que chegar. O das demais não possui o mesmo espírito.

E por que a lemos? Simples. Existe uma parcela significativa de leitores cansada de encontrar o mesmo pensamento, a mesma linha editorial em quase tudo hoje no mercado editorial brasileiro. Quem resiste, além de fugir do batidão do tacanho pensamento único, sabe possuir um público específico, ávido de leitura que o ajude a transpor esses tempos. Essas publicações têm rareado. Muitas publicações fecharam as portas e dentre elas cito duas, Caros Amigos e Brasileiros, ambas mensais. Diante daquela imensidão de revistas e jornais expostos diariamente nas bancas conto nos dedos de uma só mão o que ainda me traz nesses lugares. CC traduz uma linha de pensamento que sabe residir no jornalismo honesto sua sobrevivência e longevidade. Enquanto a maioria busca leitores de outras formas, ela se esmera em manter e buscar novos ousando e se mostrando como uma alternativa possível. E, confesso, é mesmo um luxo diante de tanta perversidade, ainda poder desfrutar da leitura de algo tão palatável. O bem que sua leitura me proporciona é inenarrável e sei, os momentos que passo a devorando são para mim revitalizantes e fonte de muita saúde, mental, psíquica e também física.

Eu tenho histórias para contar sobre esses tempos vividos juntos com a revista, lado a lado, parceira de todas as horas. Tenho até textos publicados em suas páginas, o que me envaidece, pois na qualidade de simples leitor, submeto alguns e os tenho aprovados. Um luxo de valor inestimável. Converso com a revista desde muito tempo. Certa feita consegui trazer o jornalista Mino Carta para fazer uma palestra em Bauru, idos de 207, na abertura de um encontro, o OLA – Observatório Latino Americano. A partir de então o contato só se estreitou. Num desabafo feito em um duro período de minha vida, disse estaria interrompendo a leitura semanal por problemas financeiros e numa deferência especial, recebi graciosamente uma assinatura semestral. Tive o prazer de ter num editorial do Mino, a reprodução de uma carta minha quase na íntegra e hoje a tenho emoldurada na sala de casa, como o meu primeiro texto publicado numa Brasiliana, o “O anti-Bush ao vivo”, 2007. Tenho outro orgulho, pois quando da morte do Sócrates, colunista de Esportes, enviei a sugestão de no seu lugar ser convidado outro médico e ex-jogador, Afonsinho e não me contive de contentamento ao vê-lo assumindo o posto.

São tantas coisas. Tento me lembrar de mais algumas. Numa delas, Sérgio Fleury (não o torturador), editor de um jornal semanal do interior paulista, Santa Cruz do Rio Pardo estava para ser condenado a pagar indenização milionária pelo simples fato de ter revelado as condições de favorecimento do juiz da cidade e este lhe impôs uma multa que, certamente fecharia seu negócio. O caso virou tema nacional e enviei texto para a revista. Mesmo não publicado, mas com trechos incluídos numa matéria sobre os abusos dos que pretendem acabar com o livre exercício da profissão, com foto de minha autoria, Sérgio foi finalmente absolvido e reconhece como fator preponderante para tanto o que saiu publicado na revista. Em outro momento, depois de intenso relacionamento nesses anos todos, quando a revista decide instituir uma efetiva parceria com seus leitores, com espaço no site, no evento se lançamento, um que contou com palestra de Ciro Gomes, sou ilustre convidado e na primeira fila no teatro.

Envio regularmente cartas, muitas delas publicadas, sugestões, críticas e em algumas vezes, sei encher a paciência do Sergio Lirio, diretor executivo com tanta escrita chegando via e-mail e aos seus cuidados. Tenho essa vontade interior de participar, de dar o meu quinhão de contribuição e daí, escrevo, instigo e tento participar ao meu modo e jeito da construção da melhor revista deste nosso mundo. E como não gostar de CC? Impossível para alguém como eu, amante do jornalismo sadio e feito baseado na verdade dos fatos. Desde que me conheço por gente leio e muito. Aos 13 anos já lia o Pasquim, colecionei e até hoje tenho vários dele aqui em casa. Li até o Jornal da República e tudo o mais que me caia nas mãos. Já li todos os jornalões, mas abdiquei, assim como as demais semanais. Quando a imprensa preferiu seguir os passos do pensamento único como mola mestra, perdeu o fio da meada e foi abandonada por quem tem no mínimo um pouco de noção e de bom senso.

A revista não faz a defesa de Lula simplesmente por ser Lula quem é, mas pelo fato, mais do que explícito, da grande sacanagem urdida para leva-lo às grades e sem direitos legais de disputar uma eleição praticamente ganha. Que outra revista possui a coragem de num editorial, como o desta semana, palavras de Mino Carta, dizer algo dessa lavra? Antes de reproduzir sua fala, concluo: nenhuma outra. Eis o que Mino escreve e referendo em gênero, número e grau. Sobre os que estavam no Sindicato e propunham a resistência: “Ao contrário de muitos figurões petistas, aquela gente não acredita em conciliação, como sucedâneo do célebre jeitinho brasileiro, forma lamentável de conduzir a vida ao sabor de arreglos por debaixo do pano”. Sobre a ida de Lula preso: “Quando vi Lula sai8r do helicóptero pousado no teto da sede central da PF curitibana, descer uma escada à vista de assistentes divididos em dois grupos distintos, enquanto fogos iluminavam a noite a saudar o desastre do País, e o vi sair de cena a caminho da cela, imaginei cidadãos conscientes a caírem em profundo desconforto igual ao meu, diante de tanta prepotência e insensatez”. Sobre o que ainda está por vir: “Arrisco-me a dizer que dias piores virão. Precipitamos no abismo e a queda não promete um pouso feliz”. E a coragem de apontar de quem deveria ter partido uma reação: “...o Supremo poderia ter impedido não este apenas, mas o espantoso retrocesso provocado pelo golpe de 2016, o mais grave e insano sofrido pelo Brasil, ao qual a inquisição de Curitiba e Porto Alegre ofereceu uma contribuição decisiva”. Sobre os que rodeiam Lula hoje: “Esta é a Justiça de um país abandonado ao seu destino ao apr5e3sentar o rosto que merece. Dia 6 de abril não me escapou no sindicato, muito ampliado em relação àquele de 40 anos atrás, o comparecimento de vários hipócritas e diversos incompetentes, maus conselheiros para quem lhes dá ouvidos”. E por fim do PT: Aparadas algumas arestas, seria um partido indispensável à evolução do País e do seu povo. Pelo caminho perdeu o ímpeto e a determinação”.

Faço questão de citar Mino, mas poderia fazê-lo com qualquer outro dea revista, como Nirlando Beirão, Sergio Lirio, Mauricio Dias, André Barrocal, René Ruschel, Luiz Gonzaga Belluzzo, Carlos Drummond, Antonio Luiz M. C. Costa (sabe tudo de política internacional, ótimo), Pedro Alexandre Sanches e outros. Os colunistas, um dando sequência a outro. Sem tirar nem por, uma revista magra no número de páginas, mas rica, gorda de conteúdo, algo que extrapola, tornando-a algo de inquestionável valor, ainda mais para o momento em que vivemos. O time já esteve com mais nomes, alguns sairão, outros se foram ao longo do tempo e pelos mais diferentes motivos, mas o leitor percebe que a qualidade é mantida, meio a fórceps, pois não deve ser nada fácil manter algo com o mesmo nível diante de circunstâncias tão adversas.

Eu tinha que escrever isso para a revista nesse momento da milésima edição. Na verdade, eu queria escrever muito mais, pois creio não consegui nesse imenso arrazoado tudo o que queria exprimir sobre esse sentimento que sinto em encontrar nas bancas a cada domingo uma nova edição de CC e com ela seguir a semana, lendo cada texto com um ardor incontrolável. Não me canso de repetir, a revista neste momento é um oásis diante da mediocridade reinante. Ela sabe que, assim como eu, muitos necessitam de algo assim para se fortalecer para as adversidades que estão aí à nossa frente. Podem me dizer o que quiserem da mídia impressa, leio muita coisa pela mídia virtual, mas nada como ter a revista em mãos e nela encontrar o que necessito para continuar botando o bloco na rua. Para mim, a revista possui algo mais, ainda de difícil explicação, um amuleto, uma espécie de necessidade semanal, só preenchida com sua leitura. Eu sei de todas as dificuldades pelas quais a revista passa e mesmo não sendo religioso, boto fé que eles possam ser superados, pois devem existir abnegados como eu, que não desistirão de reunir forças e fazer de tudo e mais um pouco para que algo assim não feneça jamais.

Aguardo ansioso a chegada do 1000º número e mesmo desalentado com tudo à minha volta, não consigo me imaginar sem a mesma junto de mim, até para me auxiliar a atravessar esse quase intransponível Rubicão. Vocês são mais importantes do que possam imaginar.

Desejo não só vida longa, mas a eternidade para CC.

Do leitor de todas as horas

Henrique Perazzi de Aquino – jornalista e professor de História

Bauru SP, segunda, 16 de abril de 2018. 


OBS.: Nas fotos algumas das publicações deste HPA na melhor revista semanal deste nosso mundo. Baita orgulho deste HPA

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