domingo, 29 de abril de 2018
UM LUGAR POR AÍ (107)
DIANTE DA BESTIALIDADE ATUAL, ME REFUGIO NO QUARTO DO FILHO - NÓS DOIS E ALGUNS LIVROS
Como é bom ter um filho pra chamar de seu e quando precisar dele, ele ali do seu lado com uma conversa das mais saudáveis, prazerosas e cheias de esperança. Que o mundo está de pernas para o ar, disso ninguém mais tem nenhuma dúvida. A perdição grassa como praga e mentes são contidas, poucos possuem ainda o discernimento e coragem para dizer e opinar sobre o algo mais rolando neste país. Estava assim ontem, querendo procurar um refúgio, um oásis, um lugar diferente, onde pudesse me sentir num solo mais firme. Eis que, assim do nada quem me liga, meu filho. Vou estar com ele.
Ele lá sentado em cima de sua cama com o computador ligado e pronto para ir rever sua amiga dançar no parque Vitória Régia, a querida Paloma Viotto, filha da Neli Maria Fonseca Viotto. Tínhamos uma hora de papo. Diante de nós a sua estante de livros, saio da minha realidade e entro na dele. Aquele mar de histórias ali diante de mim. Ele me diz dos últimos livros. Pega um HQ sobre a história do Gabo, de como ele foi construindo o cenário para os Cem Anos de Solidão e uma Colômbia, com suas pequenas cidades, algo que me encantou. Diz ter pago R$ 20 e o trata como rara preciosidade. Num outro olhar em suas crias (sim, os livros são nossas crias) ele me diz de um mestre que gosta demais, Antonio Candido e numa frase me apresenta três livros. “Certa vez perguntaram para ele se toda a historiografia sobre o Brasil fosse destruída, para escolher três livros a serem salvos. Ele escolheu três, Visão do Paraíso e Raízes do Brasil, ambos do Sérgio Buarque de Hollanda e Casa Grande & Senzala, esse do Gilberto Freyre”. Pego os dois tomos do Raimundo Faoro, Os "Donos do Poder", que lhe dei de presente e lhe digo nunca ter conseguido ler ambos por inteiro. “Nem eu, li o primeiro volume, muito denso, mas ainda os leremos juntos, são essenciais para se entender quem de fato manda neste país, ainda mais neste momento”.
Pego com o maior carinho o "Veias Abertas da América Latina", do Galeano e ele me mostra algo que gosta muito, dentro do que chama de Ciclo Indígena, cita três: o de memórias do conquistador Hérnan Cortez, o da conquista da América do Bartolomeu de las Casas e o "Enterrem meu coração na curva do rio", do Dee Brown. Ainda cita outra, o Viagem ao Redor do Mundo, do Júlio Verne, que segundo ele, “um primeiro contato com conquistas e indígenas”. Quanta coisa ele trouxe lá do mafuá e hoje vejo aqui, tudo lido e podendo comentar comigo. Que belo destino acabei dando para meus livros, muitos empoeirados lá na minha estante, correndo o risco do rio Bauru subir e levar tudo para profundezas inóspitas. Um deles me faz ter outra longa conversa, é o História dos Povos Árabes, em edição de bolso da Cia das Letras. “Pai, o Iraque, Bagdá e todo mundo árabe foram lugares de amplo conhecimento e cultura. Com a chegada do islamismo tudo foi se perdendo e a religião destruiu os avanços, muito maiores que os do ocidente”. Foi quando lhe disse, resvalando na religião, ser esse um dos motivos de nunca ter lhe imposto religião nenhuma, quando preferimos deixá-lo ele mesmo escolher a sua. Sua resposta foi dessas de fazer tremer esse velho macanudo: “Eu te agradeço muito por isso, pai”.
Ainda sobre esses conhecimentos que o Oriente possuía em muito maior escala que o Ocidente, me indica um filme, um com o Ben Kingsley, “O Médico”. Eis o link: https://www.youtube.com/watch?v=XW7o9qMzlX8. Diante de um mundo na Europa quando nas cirurgias embebedavam as pessoas para fazer os cortes, descobre a existência de um outro mundo, lá pelos lados da Pérsia e pra lá segue. Conhece o tal médico, descobre que já conheciam ervas anestesiantes, o mundo se abre e fica por lá até o momento em que vê tudo sendo destruído, os avanços que os seus desconheciam e a religião não permitia avançar, por lá a mesma coisa. Como as religiões atravancaram muito do progresso neste nosso mundo e muito mais sendo feito até hoje. Basta mudarmos um pouquinho de rumo na conversa e ao olharmos para fora da janela, a mesma coisa se repetindo.
Estava recarregado para poder sair pra rua e enfrentar um algo mais por mais um tempo. Sinto o mesmo quando me refugio no mafuá e me escondo junto aos livros e música lá existentes, isso me recarrega. Pelo menos isso consegui passar para meu filho e hoje, com minha mente cansada, ele que lê muito mais que eu, me ensina o que não tive tempo para ler. Descemos pra cidade, ele foi ver sua amiga dançar e eu fui para os braços da mulher amada. Os embates desta vida deixo para amanhã, quando estarei em Curitiba ao lado dos corajosos pondo a cara para bater na defesa de Lula e do que nos resta de dignidade. O filho não pode ir, mas eu irei. Embornal pronto e um bom livro na algibeira.
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