segunda-feira, 13 de agosto de 2018

ALFINETADA (168)


DUAS MULHERES E OS TRILHOS FÉRREOS QUASE ABANDONADOS

Toda vez que passo com meu meio de locomoção sob os trilhos férreos da rua Antonio Alves, onde muito tempo atrás existia uma cancela e hoje não mais, pois os trens são tão poucos, pois bem, o hábito permanece e viro o pescoço para os dois lados antes de acelerar. Hoje ao fazê-lo me deparo com duas situações envolvendo mulheres e os trilhos. Na primeira um pequeno casebre (se assim poderia chama-lo), um amontoado de caixas de papelão num formato de uma barraca encostado ao muro, pouco mais de vinte metros de onde passam os carros. Alguém fez aquilo para ser sua morada e ao assuntar com populares, me dizem ser o abrigo de uma moça negra, que ali mora há algumas semanas. Sei quem ela é. A vejo sempre pelos trilhos, nova, num esforço mais que danado para ter um teto e morando na rua, o máximo conseguido foi juntar madeiras, papelão e ali se instalar. Não me perguntem o que acontece durante a noite e se é molestada, pois não sei, mas imagino a tristeza que é ali permanecer sob as adversidades mais que expostas no cenário do lugar, com os trilhos já um tanto abandonados, mato crescendo no entorno. A vi no meu retorno da cidade e escrevo com medo de que algo de pior possa lhe acontecer com essa publicação. Podem querer retirá-la do lugar. O que podemos fazer individualmente por tantos na mesma situação, uma vez que vejo cada vez mais em similares moradas improvisadas, sem esperança nenhuma de vivenciar outro mundo?

Ainda nos trilhos, com o carro parado bem sob o cruzamento, vejo uma menina, talvez uns treze anos, bem vestida, sair da rua onde me encontrava e entrar numa trilha de terra, passando ao lado da barraca e seguindo em frente. Poucos se arriscam a seguir aquele trecho, ali daquele lugar até onde será futuramente o Museu Histórico e onde já foi a estação da Cia Paulista. Ela segue sozinha, resoluta no que faz, passa pela plataforma que dá para os trilhos, junto ao antigo barracão, depósito de cargas e segue em frente. Do outro lado é o pátio da Feira do Rolo. Naquele momento ninguém a perturba e ela segue, estaciono melhor o carro e a fico observando até ela se perder de minha vista. Não foi abordada por ninguém, pois tudo estava deserto. Fico imaginando a coragem da pequena e tento me colocar em seu lugar. Nos meus tempos de moleque passeava e brincava muito por aquele trecho, mas hoje, marmanjo barbado e careca, confesso, tenho receio de fazê-lo sozinho. Pelo que observo ela chega ao seu destino, as casinhas dos antigos ferroviários ali junto aos trilhos, logo depois da tal estação. Olho para a trilha e vejo que está bem gasta, ou seja, muitos passam diariamente por ali, mesmo o mato lá estando bem alto tomando conta de tudo por ali. Quantos ainda se utilizam, como a garota, desse atalho para chegar aos seus destinos? Seria mesmo aquele lugar tão perigoso quanto imagino? Essas duas mulheres me fizeram parar sob os trilhos e voltar ao passado, para mim tão forte e significativo, mas para ambas, pelo presenciado, elas possuem laços e vínculos estreitos com o lugar. Cada vez mais paro nas ruas em busca de olhar essa movimentação das pessoas em lugares como esses.

A CENA QUE VI HOJE NA RUA EZEQUIEL - O TRISTE LOJISTA E O CARA DE NARIZ VERMELHO
Foi na rua Ezequiel Ramos, ali defronte a agência do banco Bradesco. Algumas pequenas lojas numa galeria que ocupa também parte da quadra virando a esquina. Uma delas de roupas, várias em liquidação, preços populares, baixos, tudo em oferta e ali exposta num abarrotado e diminuto espaço. Com a oferta exposta em letras garrafais, assim mesmo a loja está vazia e o dono sentado numa cadeira na sua parte interna, com uma olhar de muita desolação, prostrado e numa resignação a me fazer observá-lo com mais atenção. Eu passando defronte a loja e ao me deparar com sua fisionomia, dessas de cortar o coração, já penso com meus botões: O que vai pela cabeça de um pequeno comerciante diante de tanta gente passando diante do seu negócio e tão poucos se dignando a olhar para seus produtos ali expostos, quanto mais querer entrar? Quando ainda meditava sobre o assunto, eis que atravessa a rua um rapaz negro, com mochila nas costas e com uma nariz de palhaço. Para diante da loja e tenta fazer uma graça, encena algo para alegrar o ambiente. Mexe com o sujeito sentado na cadeira e esse mal esboça uma reação. O sujeito do lado de fora insiste, faz trejeitos e se vai. Na sequência o comerciante se levanta da cadeira, chega até à frente de sua pequena loja, olha para os dois lados, esboça um outro olhar para o sujeito com nariz de palhaço e esse já vai longe. O vejo abaixar a cabeça, voltar para dentro de sua loja e senta na mesma cadeira. Sigo também em frente e o máximo que penso a respeito é tentar imaginar o que estará se passando na mente do mesmo. Que atitude está tendo diante de tudo que vê acontecendo com seu negócio, os demais outros pequenos negócios nesta cidade, estado e nação? Sua posição de cabeça baixa sentado na cadeira não me sai da mente por um bom tempo. Vejo muitos comerciantes entristecidos nas minhas andanças pelas quebradas bauruenses.

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