quinta-feira, 9 de agosto de 2018

CENA BAURUENSE (175)


DOIS PERSONAGENS BAURUENSES, UMA ALEGRE E OUTRA TRISTE HISTÓRIA

1.) A METROVIÁRIA IVANA É HOJE RENOMADA CALISTA
O que mais gosto de fazer aqui pelas vias facebookianas não é ficar criar caso com ninguém, mas escrevinhar esses perfis dos bauruenses Lado B, que um dia ainda reunirei num livrinho de alguma valia. Paro e recomeço a série ao sabor do vento, mas se pudesse publicaria um perfil diário, pois gente, assunto e vontade não me faltam. Em cada lugar que aporto, ao me deparar com alguém que ainda não foi aqui retratado, me bate aquela incontrolável vontade de fazê-lo. Anteontem revia essa linda pessoa humana e pedi permissão para a foto e o escrevinhamento que segue no parágrafo abaixo. Com ele retomo mais uma vez essa série.

IVANA SPETIC DA SELVA saiu aos 21 anos de Bauru e foi conhecer o outro lado do mundo, diferente da aldeia bauruense. Caiu na grande São Paulo e depois de ter atuado em outras atividades foi ser metroviária. Sempre trabalhou na parte administrativa, interna, gerenciamento de pessoas e ao se aposentar, nunca pensou em parar, descobriu algo novo a movimentar sua vida. Fez curso de Podóloga, se especializou no trato dos pés, trabalhou mais um tempo em Sampa, mas resolveu voltar pra sua terrinha. Morando junto com o mano Silvio Selva na esquina da Domiciano Silva com a Azarias Leite, ali montou seu salão de atendimento e garbosamente junta amigos e clientes, em sessões onde os pés são bem tratados e o papo flui maravilhosamente. Os resultados são sempre ótimos, pois quem não gosta de ver seus pés de bem com o resto do corpo e de passar um tempo com uma alvissareira conversa fluindo por todos os poros, meios e maneiras. Ivana trabalha sorrindo, esmerilha seus calos, recorta suas unhas, massageia seus pés e os enche de bons cremes. Momentos indescritíveis ao lado de tão generosa pessoa, infelizmente, passam rápidos. É também boa contadora de histórias. Contou uma e aqui tento reproduzir: “Um cliente de SP, desses importantes, ia toda semana, seu pé era impecável. Ele me disse estar passeando de chinelos na rua quando foi abordado por uma prostituta a lhe oferecer seus serviços. Disse a ela se sabia ter ele dinheiro suficiente para pagar pelo que lhe oferecia. A resposta dela foi de quem observa tudo à sua volta: Com um pé desses o ser só pode ter dinheiro no bolso”. Ela é ótima demais da conta.

2.) CHRISTIAN, O CARTEIRO BOA PRAÇA SE FOI TRAGICAMENTE
Ouço sempre e nunca dou a devida atenção para o dito, “para morrer basta estar vivo”. Isso se repete todos os dias, a morte é esse algo inexorável. Nosso dia chegará, mas quando esse dia é antecipado, uma dor sem jeito de passar toma conta da gente. Mortes bestas, sem sentido, essas doem mais. Viajo e só hoje tomo conhecimento que alguém pelo qual via quase todos os dias se foi de forma trágica, inesperada e aquela convivência diária nunca mais será possível. Eu mal o conhecia, mas o via diariamente e desse pequeno contato nasceu algo de bom, um relacionamento que conto a seguir numa espécie de homenagem a alguém que deixa um vazio dentro da gente.

Um amigo me diz se conhecia o carteiro Christian, um negro, magro, de cabelos enroladinhos, barbinha por fazer, sempre sorridente. Respondo: “Sim, pelo que me diz é quem brinca com meu cão no portão de casa todo dia. Sujeito muito boa praça, desses que mesmo sem conhecer buzino o carro na rua só para cumprimenta-lo quando o vejo nas imediações de casa”. Daí recebo a notícia: “Mataram ele semana passada”. Só então fui ler a notícia no jornal e lá isso: https://www.jcnet.com.br/Policia/2018/08/corpo-e-encontrado-embaixo-de-viaduto-da-marechal-rondon.html. Ele estava desparecido e foi encontrado morto debaixo de um dos viadutos na rodovia Rondon, altos do Vista Alegre. Leio o que sua mãe Cris Bastos posta na internet: “Dia 03/08/18, meu amado filho Christian Luis Bastos de Assis, foi encontrado morto. Pai dedicado, excelente marido, e irmão, trabalhador, honesto não devia nada para a justiça. Portanto eu exijo, JUSTIÇA, JUSTIÇA, JUSTIÇA, JUSTIÇA, JUSTIÇA, JUSTIÇA, JUSTIÇA..”. Escrevo o que sei dele. O conhecia como carteiro e pela forma como tratava meu cão, como me abordava para entregar as correspondências, criamos uma empatia. Por pouco não tirei fotos dele brincando com meu cão, o Charles no portão de casa. Só de bater os olhos tinha a mais absoluta certeza, era um sujeito mais que boa praça, desses onde a conversa flui sempre de forma magistral. Estava sempre por essas plagas, lépido e fagueiro, como que surfando pelas ruas, com aquela bolsa azul nas costas, a roupa amarela dos Correios e o andar ligeiro. A conversa sempre foi rápida, pois se parasse em todos os lugares, não daria conta da carga diária de entrega. Vou sentir muito minha falta. Nem sei quem é o carteiro novo, quem substitui o Christian, mas o vácuo está instalado. Não deu nem para se conhecer direito e o danado já partiu. Desde agora faço parte do time de sua mãe a exigir Justiça, pois nada justifica o que lhe aconteceu. Tristeza.

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