terça-feira, 7 de agosto de 2018

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (158)


EU NÃO ME CANSO DE RELEMBRAR HISTÓRIAS DAS RUAS BUENARISTAS – AQUI MAIS TRÊS DELAS


Eu até quero voltar a escrever de minha aldeia, essa Bauru cheia de DesEncantos mil, mas como ainda estou com o fuso alterado, peço permissão para alinhavar algo mais da Argentina, mas precisamente de Buenos Aires, onde tive o prazer de voltar e ali gastar sola de sapatos por sete dias. Minhas observações se misturam em minha cabeça com o que reencontro em Bauru e no cenário político nacional. Jogo tudo num liquidificador e consigo antes da perdição total, salvar algo. Ei-lo aqui:

Causo 1 – Sivaldo Camargo, o bailarino 1 desta aldeia, comandante in chefe da Cia Estável de Dança, algo de salutar ainda sendo mantido pelo poder público municipal, pois bem, ele foi conosco e se esbaldou pelas “calles” platinas. Quase no retorno me fez uma observação, sempre regada com algum vinho, após observar muito tudo à sua volta: “Aqui ando até tarde nas ruas e vim preparado para encontrar algo violento, mas nada vejo. Voltamos tarde para nossa morada e as ruas continuam movimentadas, cheias de famílias, gente indo e vindo. No domingo à noite, famílias inteiras nas portas dos teatros até altas horas. Quando faço isso no Brasil, mesmo em Bauru?”. Ele mesmo responde: “Nunca. As nossas culturas são bem diferentes. Nunca que andaria sem preocupações, como fiz aqui, pelas noites das cidades brasileiras. Sei que ando no centro comercial, local de muitas casas de espetáculos, todas abertas, funcionando, mas mesmo assim, não vejo mais no Brasil isso de famílias saírem de suas casas e andarem pelas ruas, entrando e saindo de locais, todos movimentados. Isso me impressionou”.


Causo 2 – Eu e Ana descobrimos um lugar especial no bairro La Boca, não em sua área comercial, mas numa mais afastada, frequentada só por locais. Um Mercado Popular, antigo frigorífico, teto alto e com pequenas lojas e no fundo, um pequeno, modesto, discreto e aconchegante restaurante. Um local onde se reúnem os que gostam de sair de casa, os botando o bloco na rua. Vejo ali garis, braçais, funcionários públicos, aposentados, jogadores de carteado, rufiões, desocupados, enfim, tudo o que se possa imaginar. Ou seja, não existe lugar mais prazeroso. E nós, em três, brasileiros, tentando se fazer entender e sendo muito bem recebidos. Provamos suas bebidas e como o prato do dia, uma dobradinha feita ao estilo portenho. O preço é bem diferente do das lojas a menos de três quadras, o frequentado por turistas. Nos esbaldamos e algo me chama muito a atenção. Pode parecer algo banal, mas não é e faço questão de relatar. Numa mesa num dos cantos, dois senhores jogam ali na mesa xadrez. Fazia tempo não presenciava ninguém jogando xadrez nas ruas (sei que em Cuba o fazem muito nas praças). Espero a partida acabar e vou puxar conversa. Digo que no Brasil, muitos como eles jogam também nas praças e até em bares, mas jogo de damas e dominó. Rimos todos, dizem gostar também muito de dominó, mas quando querem algo mais sério, optam pelo xadrez e as disputas por ali, segundo eles, são acirradas. Viajo imaginando isso.
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Causo 3 – Em plena calle Defensa, feira de San Telmo, domingo, muitos tipos se travestem de personagens nostálgicos e ali, com encenações, inclusive com vestuário a caráter, interpretam, ou melhor, incorporam os personagens. Vi um Chaplin de excelente qualidade, com trejeitos de endoidecer gente sã. Todos cobram para fotos, vivem disto. No Caminito tem até um Maradona. Sem problema. Escolho um deles e pago o justo preço para um distinto senhor, esse o próprio Gardel. Fixou na parede no local os dizeres “El pátio de Cardelito”. Cantava lindamente em cima de um banquinho e abaixo, outro cartaz, esse escrito a mão, “Gardel Vive”. Parei para ouvir e constatei, vivia mesmo. Era o próprio. Quem não possui a capacidade de enxergar isso, não deve nem parar diante dele e de toda a preparação feita para ali estar nas manhãs. Se canta bem ou não, algo imperceptível para quem o vê e a abnegação, o esmero nos pequenos detalhes. Me perco do grupo de brasileiros, pois fico hipnotizado pelo distinto argentino, que se quisesse me levaria tudo o que tinha nos bolsos. Um senhor de aproximadamente 80 anos, lindinho de cima embaixo, me arrebata. Ouço suas canções e imagino o que o levou a ali estar. Ao final de uma canção, ele se queda diante da caixa onde cada um coloca o que lhe concebe. Aproveito e puxo conversa, sobre a belezura do que vi, ele ali naquela idade, o repertório, sua abnegação e coisa e tal. Resoluto e em poucas palavras resume sua situação: “Preciso estar aqui, ganho quase nada e sem isso aos domingos, passo necessidades”.

Eu tenho uma história para cada personagem que fotografo nas ruas, pois além do click eu os observo. Ana vivia me puxando pelos colarinhos, pois me atrasava nas andanças, estava absorto no que via, inebriado pelos tipos todos, hipnotizado pelos personagens das ruas. Adoraria escrever mais e mais de tudo o que vi, mas ando com pouco tempo. E com pouco tempo, nada sai a contento. Sou obrigado a escrevinhar somente essas poucas linhas, pois outras obrigações do dia a dia me chamam e dizem, serem mais necessárias e urgentes que essa, a de relembrar histórias vividas. Tomara que amanhã continue a me lembrar de todas elas e possa contar com os detalhes todos que ainda permanecem na minha frágil e esquecida memória. Tenho dito.

Impossível não sair disto tudo inebriado.
Descrever o que esses olhos enxergam pela aí é mais que envolvente.
Faço disso tudo algo onde busco forças para continuar resistindo a esses tempos sombrios, principalmente os que estão por vir.

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