domingo, 14 de outubro de 2018

CARTAS (193)


HOMENAGEM DESTE HPA PARA O HOMEM DA CAMISA VERMELHA, DOS SAPATOS COLORIDOS E DO RABO DE CAVALO MAIS BONITO DESSA TERRA

BOEMIA PERDE UM DOS SEUS BALUARTES, ALEMÃO - Carta publicada na Tribuna do Leitor, edição de hoje do Jornal da Cidade - Bauru SP
Henrique Perazzi de Aquino - jornalista, professor de História e fiel súdito kananguista


O Alemão da Kananga tem um nome de batismo, Orlando Domiciano da Silva, mas quando assim identificado, poucos o conhecem. Deitou fama nessas plagas por ousar fazer uma casa noturna na Nova Esperança, reduto de boêmios e de todos os pé de valsas de Bauru e região. Certa feita estava lá tocando com seu regional, dia de semana e eis que adentra o local nada menos que Rildo Hora, o famoso gaitista. Dividem o palco e o mesmo também ocorre noutra feita com Monarco. Dos que reverenciam a noite na aldeia bauruense, todos sem tirar nem por, já saracotearam suas ancas sob seu comando.

Alemão trabalhou a vida inteira levando choque, numa especialidade que o fez viajar muito pela antiga CESP. Um catedrático no quesito eletricidade, mas pouco reconhecido, pois meses atrás entrou com ação de reparação salarial e teve o seu abruptamente cortado. Penava e resistia, como sempre soube fazer. Ao invés de reclamar foi à luta e o Kananga passou a tocar mais e mais pela aí, ele sempre no comando da troupe, com seu violão a tiracolo e até bem pouco tempo com o vistoso rabo de cavalo nos cabelos. Sempre foi um ousado, irreverente e amante da boa música, tendo como um dos preferidos e fonte de inspiração o sambista João Nogueira. Sabia e cantava tudo desse magistral cantante, ambos com vidas dedicadas à boêmia e a resistência, em todos seus sentidos e formas.

Seu coração deu de dar problemas de uns tempos para cá, sinais que ele percebia e a partir deles intensificava as noitadas com boa música. Privilegiados fomos todos os seus seguidores. Eu me apaixonei desde o primeiro momento e dele nunca quis me divorciar, espécie de pacto de amor eterno, indissolúvel. Ao vê-lo com suas calças com vinco perfeito, sapato brilhante branco ou de cores berrantes, junto das impecáveis camisas vermelhas (suas preferidas), fui um dos tantos fiéis seguidores. Hoje, com sua morte, faço parte da turma dos inconsoláveis, ciente de que na reunião de infinitos predicados à seu favor, não existe mais no mercado peça de reposição a altura para substituí-lo. Nesses anos todos, só mesmo a gaúcha Cleusa Madruga, sua esposa para conseguir botar alguma rédea em tão garboso cidadão. Ele se resignava, a contragosto, como todo rebelde.

Choro copiosamente pela sua ausência, uma das mais sentidas nos últimos tempos. Hoje, num tempo onde muitos ficam receosos até de envergarem o vermelho como vestimenta, esse senhor ousou muito mais do que simplesmente amar essa cor. Um corajoso como poucos, desses cujos seres dançantes prestam eternas reverências. Um mestre, cuja história merece ser contada, difundida e propagada. Carolice passava longe do seu dia a dia e isso por si só é mais que um memorável feito.

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