segunda-feira, 8 de outubro de 2018

MEMÓRIA ORAL (231)


CONSCIÊNCIA PRECOCE - O MENINO DE JAÚ QUE BATIA LATA, FALOU BONITO E ENCANTOU A TODOS NO ATO DO "ELE NÃO!"*

* Texto deste HPA escrito após o ato ELE NÃO! em Bauru, reformulado e com mais dados, enviado para publicação em alguns órgãos da imprensa livre. Servindo hoje como esperança para dias melhores, mais conscientes e daí vale a melhorada e renovada republicação. Vivemos momentos onde a esperança precisa vencer o ódio e ela pode nascer de nossas crianças, jovens, adolescentes. Eis um belo exemplo:
 
Em Bauru, interior de São Paulo (aproximadamente 400 mil habitantes), como de resto no país, eventos ocuparam as ruas no sábado, 29/09 com os atos do “ELE NÃO!”. Acompanhei este de perto, desde já a maior manifestação nas ruas da cidade nesse período pré-eleitoral. Praticamente ignorado pela mídia local, preocupada em enaltecer os avanços do capiroto, enquanto boa parte da cidade apontava suas preferências para o lado oposto. Diante de tudo o ali possibilitado, a caminhada, o percurso contagiante, as palavras de ordem gritadas e repetidas por todos, algo chama a atenção quando da palavra aberta aos presentes, microfone disponibilizado para as mulheres (exceção para alguns) diante do prédio da Câmara Municipal, enfim o evento foi organizado por elas.


Um garoto observa tudo com olhar pidonho, buscando uma forma de participar daquilo tudo. Observa atentamente todos os grandões se revezando nas falas. Não se segurando nas calças e diante daquele mundão de gente quis também dar o seu quinhão de participação. E deu, foi um dos pontos mais lindos de todas as falas contestando esse candidato pregando a bestialidade como regra do jogo. As mulheres, todos sabemos, foram mesmo um encanto nos arrebatando para as ruas. Todos estiveram mais que juntos, coesos, unidos e gritando contra as injustiças todas, mas o arrebatamento veio com o garoto.

Um até então desconhecido, além do que foi dito ali na sua apresentação ao microfone. Ele é de Jaú, cidade vizinha (60 km de Bauru) e pede para a apresentadora, diante do revezando nas falas, com a singeleza peculiar dos pequenos: "Criança também pode falar?". Ela pergunta seu nome, idade e lhe passa a palavra. Falou pouco, dando o recado da forma mais simples, porém com segurança, em alto e bom som, engrossando a voz e calando o agito no entorno, todos com a respiração suspensa. Não foi diferente da de tantos outros, mas foi a calando mais fundo nos presentes. “Eu sou um menino que percebe o que acontece. Sei que hoje as coisas não estão boas. Vejo minha família sofrendo, lutando muito e estamos aqui para não deixarmos a coisa piorar. Eu só queria dizer para todos que ELE NÃO. A gente precisa andar pra frente e não pra trás”. E saiu de cabeça baixa, recebendo a seguir abraços múltiplos e variados. Fez alguns chorar.


No ato todo segurava uma lata com os dizeres “RESISTE”. Conversando com os seus descubro algo mais. Fazem parte de um pequeno grupo, são de Jaú, onde no mesmo dia ocorreria um ato, mas favorável ao capiroto, daí contrataram um van e vieram todos, seus pais e representantes da comunidade umbandista Ilê Axé Omô Obá dar com os costados em Bauru. Lucia Silva, sua mãe diz algo mais: “Realizamos uma série de trabalhos sociais entre eles percussão, canto e dança. Fico muito feliz em ver que o mesmo não é em vão, pois através da fala dele deu o recado direitinho. Seu nome é Richard Jorge de Oliveira, 10 anos de idade”. Outra jauense, Lucia Silva descreve algo mais: “A manifestação de Jaú foi a resposta do desenvolvimento que temos lá, um desenvolvimento racista e de coronéis. Fizeram uma passeata a favor do Bolsonaro eu não poderia participar de uma passeata como essa sendo eu uma mulher negra candomblecista. Juntei os meus e viemos para cá”.

Outros tantos fizeram o mesmo. Abel Barreto, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Gália e Duartina vai no mesmo tom: “Se lá na minha região a mobilização é diminuta e quando a gente vai pra rua reúne poucas pessoas, quando tem algo maior acontecendo em outro lugar, venho e com o carro lotado”. De Pirajuí, outra cidade no entorno, o professor Cássio Cardozo de Mello é enfático: “Participo do ato suprapartidário do #EleNão em respeito a memória de todos os militantes que foram submetidos a tortura durante o Estado de exceção militar implantado em 64 e de muitos que desaparecem ou caíram mortos, notadamente ao meu primo José Roberto Arantes de Almeida e de sua companheira Aurora Maria Duarte, a Lola. Por isto repudiamos Bolsonaro que representa a intolerância e a violência!”.

Os motivos da ampla mobilização são variados. Esses todos fizeram questão da aproximação ao Richard, lhe estendem a mão e o puxam para um abraço. Palmira Souza uma dessas, fazendo questão de procurar a família de Richard e lhes dizer emocionada: "Crianças são nosso futuro. O filho de vocês me renova as esperanças". Com sua lata pendurada ao pescoço ele perambulou pelo lugar até o final, chupou sorvete, teve seu dia de glória, gritou os slogans todos ali entoados e por fim, quando lhe reencontro, chego perguntando sobre a repercussão. Assustado, me encara: “Por que, falei algo demais?”. Tive de lhe tascar mais um abraço.

Henrique Perazzi de Aquino – Bauru SP, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).

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