quarta-feira, 28 de novembro de 2018

CENA BAURUENSE (178)


SAIR ÀS RUAS – O QUE PRESENCIO PELA AÍ...*
* A inspiração para escrevinhar esse texto veio quando de minha volta das ruas, abro o facebook e me deparo com a tira abaixo, do MIGUEL REP, publicada no diário argentino Página 12, o melhor jornal impresso do nosso mundo latino.

Dói sair às ruas desta Bauru, terra dita por alguns como “sem limites”, por outros como “coração do estado de São Paulo” e permanecer indiferente a tudo o que rola na beirada das calçadas. Prefiro o termo “Capital da Terra Branca”, essa de terra vista como ruim, de produção não tão fértil e vivendo nela, uns tanto tentando de tudo e mais um pouco para sobrevivem nas e das ruas em condições as mais inadequadas possíveis, já que emprego virou artigo de luxo.

Não vivo sem a convivência estreita com tudo o que venha das ruas. A cada trombada poderia produzir uma história de vida, uma experiência diferente e cheia de vida, luz e encanto. A resistência popular se faz e se mostra em cada curva de esquina. Numa breve saída hoje, relato algo para entristecer gente ainda sã.

Na esquina da Ezequiel com a Rio Branco, sentado num jardim onde antes era o HSBC e hoje é mais um Bradesco, o famoso senhor de barbicha pontuda, quase sempre com uma camisa corintiana e vendendo amendoins. Ficou sentado de mangas compridas a manhã toda no mesmo lugar, enquanto estava sombra no lugar e dali não saiu mesmo com o abrasador sol.

Na porta do Itaú da mesma Ezequiel um senhor me olha com uma carinha de dar pena e me chama de doutor. Vendeu doces e eu ruim da diabetes digo que na saída vejo o que faço. Sai do banco mais triste do que quando entrei, ele não me reconhece mais, mas volta a me chamar de “doutor”. Dou a ele o valor do doce, mas nada levo e fico a imaginar quanto consegue arrebanhar até o final da tarde.

Na porta do Santander da Rio Branco uma travesti loira, provavelmente moradora de rua, suja e em andrajos me aborda na entrada e diz estar com fome. Vejo que não está só, tem um cara do seu lado, mas quem pede é ela. Reviro os bolsos e nada encontro, fico sem jeito e digo que na saída vejo o que faço. Resolvo o que me levou até ali e troco o pouco que tinha deixando algum para ela na saída.

Deixo o carro estacionado na Rio Branco entre a Ezequiel e a Kennedy, com a última FOILHA Da Zona Azul que tinha, fico uns vinte minutos estacionado e na hora de sair, chega um senhor, perto de uns 60 anos, portanto pouco mais da minha idade e pede se não lhe dou a folha ainda não findada do estacionamento. “Vou repassar para outro e ganhar algum. Posso?”, me diz. Claro que pode e ainda leva todas as moedas que tinha no console do carro.

No cruzamento da Gustavo com a Rodrigues, o rapaz chega com um cartaz fixado na cabeça e diz viver vendendo adesivos contra a violência com a mulher. Cada um sair por R$ 2 reais e dessa forma viaja pela aí, sem eira nem beira, sobrevivendo com o que consegue nos semáforos deste imenso mundão. Antes de comprar pergunto possui algum caráter religioso, de fundo evangélico neopentecostal. Quando me disse que não, fico com um. Ele se volta pra mim e diz: “Eu sabia que não ia me decepcionar, estava escrito nos seus olhos”.

Encontro com o paraplégico que antes vendia CD e filmes DVD piratas, esteve preso, responde processo e hoje circula pelas ruas sem rumo, pois ainda não conseguiu encontrar nada para substituir o ganha pão anterior. Me chama de “doutor”, nos conhecemos da feira dominical e quando vou me despedir pede se não lhe pago um pastel, pois já é quase 14h e comeu quase nada desde que desceu para cidade tentar bolar algo que possa fazer daqui por diante para ganhar algum. Vou até a pastelaria, pago um e o deixo comendo no balcão.

Teria mais, mas fiz tudo rapidinho e voltei apressadamente para meu “bunker” aqui no mafuá, donde fico matutando do que pode surgir de benesses nesse novo nada alvissareiro desgoverno capirotista para solucionar o aumento indiscriminado de gente em situação de penúria pelas ruas. Descrente de tudo, sei que, se para esses a coisa anda rui, deve piorar mais e mais. E o que será desses todos, completamente desassistidos de tudo, desamparados de entendimento do que se passa e sem saber sair da situação onde se encontram? Como ser feliz presenciando isso a cada giro a pé pelas ruas da aldeia onde nasci, vivo e pelo que sei, continuarei insistindo e dando murros em ponta de faca como forma de tocar a vida?
Eu saio às ruas em busca de ar, respirar e me inspirar, encontrar o alento para continuar buscando algo... O que mesmo, hem?

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