terça-feira, 6 de novembro de 2018
DIÁRIO DE CUBA (102) e FRASES DE UM LIVRO LIDO (134)
NOSSAS RELAÇÕES COM CUBA E ALGO DELA NO LIVRO DE GUTIÉRREZ, “ANIMAL TROPICAL” – ME INSTIGA A VIDA NAS REBARBAS DAS CIDADES, AINDA MAIS SENDO HAVANA
O pessoal do Bolsonaro já anuncia provável não relacionamento com CUBA. Era o esperado. Desde a chegada do golpista Temer isso já estava em curso. Com um chancelar do quilate de Aloysio Nunes é impossível relações diplomáticas de qualidade. Nem imagino quem será o interlocutor de Bolsonaro, mas antevejo problemas mil, vide o imbróglio já criado com o Egito no quesito mudança da embaixada para Jerusalém. O fato é um só, CUBA incomoda por ser o que é, isso que muitos consideram como o atual paraíso terrestre (eu um deles). Os motivos são claros, evidentes. Por lá a vida é simples, corre tranquila, calma, sem sobressaltos, as necessidades básicas do povo são supridas, ninguém passa fome. São pobres, não miseráveis. Possuem uma vida cultural intensa, são inteligentes, a educação a eles propiciada permite discernirem muito bem o joio do trigo. Vivem pro coletivo e não pra proposta individual. Daí, gente como esses no comando hoje do planeta, somente interessados nas tais leis do mercado, deus Mamom da riqueza acima de tudo e todos, ver algo vicejando numa pequena ilha do Caribe no contraponto disso, gera mesmo inquietação, pois precisam ser eliminados pelo bem dos seus negócios. Imagina se o povo começar a se inspirar neles e querer ter uma vida saudável como a dos cubanos? Se isso ocorrer, o sistema capitalista rui, cai por terra. No momento procuro um lugar calmo, sem esse stress vivido nas entranhas do capitalismo para terminar meus dias. No nosso atual (que nem adentramos, começa de fato dia 01/01/2019), com gente já propondo eliminação física de opositores, sei que "resistir é preciso", mas quero viver. Cuba é opção em todos os sentidos.
Terminei de ler meses atrás mais um livro sobre a ilha, o “ANIMAL TROPICAL” (edit. Cia das Letras, 344 págs, 2002), do dissidente Pedro Juan Gutierrez. Veja que belezura isso dele ser dissidente, escrevinhar bem e mal da ilha, mas não a abandonar. Teve suas experiências na Europa, mas voltou para a balbúrdia onde construiu sua vida. Adoro isso de relatos sobre cantos desconhecidos de países, situações inusitadas, propostas alternativas de vida, viver na adversidade e na confluência de interesses coletivos. Cuba propicia isso e isso me arrebata. Gutierrez escreve gostoso, comecei e não queria mais parar. Já procuro outros livros dele. Um libertino, gosta de sexo mais que tudo, vive bem, com algum recurso vindo do exterior para lhe complementar sua renda, mas cai de boca no que o país tem de melhor, o viver sem moralismos abestados tolhendo a liberdade humana. Ele teve uma experiência em Estocolmo (uma amante sueca), e disso conta algo: “A única coisa que posso fazer sempre, em Estocolmo, em Havana, onde for, é construir meu próprio espaço. A liberdade tem de ser construída por nós mesmos”. O encanto para mim vem da vivência entre os tipos mais populares dos becos e ruelas de Havana, tocando sua vida entre boêmios, músicos, desempregados, marginais, vizinhos, prostitutas, pequenos marginais e trabalhadores de uma forma geral. Sua visão de vida é machista, recheada de erotismo. Dela estrai algo de bom e a apresento nas frases escolhidas por mim para ressaltar a validade da leitura:
- Adoro as negras. Não vou dizer que os negros são uma raça superior porque isso seria fascismo invertido, mas estou convencido de que é preciso se misturar mais. Provocar a mestiçagem. Fabricar mais mulatos e mulatas. A mestiçagem salva. Por isso gosto das negras”.
- “Quando se vive num lugar como este não se pode escrever lentamente. Aqui tudo se desmancha entre as mãos. Nada perdura. E é preciso procurar mais. Todo dia”.
- “Minha liberdade eu construo escrevendo, pintando, mantendo a minha visão simples do mundo, espreitando na selva como um animal, impedindo as intromissões na minha vida privada. (...) A gente caminha atrás da liberdade e da felicidade. E assim se vive. É só a isso que se pode aspirar”.
- “Gosto muito dela. O que mais me atrai é esse modo de ser livre. Se todas as intenções e convençõe4s da sociedade incomodam a vida, simplesmente as põe de lado. Tranquilamente. Pega todo o monte de obstáculos, afasta-os e segue seu caminho. Ela segue do seu jeito”.
- “Claro que tem de se sentir como animal. Impossível se sentir como uma macieira ou como uma pedra. Nós somos animais. O que acontece é que atualmente não é mais de bom gosto lembrar que somos isso, simples animais. Mamíferos, para ser preciso”.
- “A solidão é terrível. A gente se afeiçoa até por um cachorro ou um gato, que são animais idiotas, como não vou me afeiçoar por essa mulher quente e depravada? O melhor de tudo é isso; a sua depravação, a sua total ausência de decência, de normas. A grande puta”.
- “Xangô, me ajude a escrever um best-seller para ver se eu chego até o uísque. (...) Ama-se uma cidade quando ali se foi feliz e se sofreu. Quando se amou e se odiou. (...) Se não se tem história onde se viver, a gente não é um grão de pó voando no vento”. - “Deitei para tomar sol e lembrei que trinta anos atrás eu tinha só vinte anos. Era jovem, desinformado e feliz. Acreditava em alguma coisa e tinha aspirações. Não sabia exatamente a quê. Mas nessa época eu acreditava, procurava e aspirava encontrar alguma coisa. (...) As vezes, tento pensar. É isso que se deve fazer. Pensar, refletir serenamente. Sobre o quê? Sobre o nada”.
- “Escrever na primeira pessoa é como se desnudar em público. (...) A maioria dos seres humanos não pensa por si mesma. As pessoas agem por imitação, e chega num momento em que até para respirar precisam de um líder que mostre como fazer. E sempre há um líder por perto”.
- “Definitivamente, eu nunca vi uma puta que seja uma puta a vida inteira. Isso é durante um tempo. E quem não foi, às vezes tem vontade de ser. (...) O homem é um animal de hábitos. (...) os melhores casais são de gente muito diferente. Quando um não tem nada a ver com o outro”.
- “Os poderosos tem medo das ideias e da palavra. Ficam apavorados. (...) Mulher é mais inteligente que a gente, Trucu, mais astutas, mais valentes, mais decididas, mas ágeis de cabeça. (...) me nego a conviver com a burrice. (...) Assim é a vida. Dor e prazer. (...) Sou um exibicionista. Strip-tease. É isso que eu faço; strip-tease. (...) decididamente sou um tipo vulgar e sem-vergonha. Um biscateiro mais. Parece vocação. Não gosto de mulher elegante, aristocrática, perfumada”. - “As pessoas estão sempre pontas a fazer mal para os outros. (...) Eu gosto de me divertir com os homens. (...) é mentira que os homens gostam de puta. Gostam das putas nas ruas e no puteiro, mas em casa querem uma senhora. Propriedade particular e não pise na grama. (...) Todo homem é igual criança. Todos precisam de uma mulher para cuidar deles. (...) ...assim mantém o macho esgotado e ele não consegue ir com as outras. Encantadora a astúcia feminina. Adoro as mulheres. E aprendo com elas”.
- “A loucura ronda sempre. A perda da razão. O melhor é deixar a mente em branco e não lutar. A distância do local de origem gera às vezes a desordem. Mente em branco. (...) As pessoas se esquecem de tudo e se imbecilizam por dinheiro. Tem medo é acham que o dinheiro é o bálsamo. Metem medo neles para poderem controlar”.
- “Uma boa pingolada resolve muita coisa. Pelo menos tira as enfermidades, o mau humor, a tristeza, a depressão, a tosse, faz esquecer a falta de dinheiro. (...) Gosto de andar sujo, sujo no mercado, vendendo alface, tomate, o que for. Gosto dessa gente. Me sinto bem no meio deles”.
- “Fico velho. Evidentemente. Os jovens não tem nada para relembrar. Eu sim. Tenho memória demais. Às vezes, acho que minha memória é excessiva. Embora eu prefira ver a parte positiva disso: uma grande memória é como uma grande raiz. Fornece seiva ao corpo. E esse suco me inunda e me sustenta”.
- “Ela me deixa em liberdade e eu a deixo em liberdade. Deixar em liberdade o ser amado é um gesto de grandeza espiritual. (...) Ninguém revela gratuitamente a chave para abrir sua caixa-forte. (...) Nessa idade ninguém tem escrúpulos. Escrúpulos são adquiridos. (...) Uma punhetinha de vez em quando é normal. Nessa idade é normal. E agora acho que nas minha idade também. Às vezes, não há outra solução”. - “Como as pessoas conseguem viver tão entediadas? (...) Adoro mulheres que sabem gastar seu dinheiro. (...) Nenhum homem de negócios é decente. Nenhum político é decente. Ninguém é decente. (...) Não me importa se roubaram de um turista que exibia seu ouro em um país onde as pessoas passam fome. Fome e anemia! Isso sim é indecente. Indecente é o que você vai fazer: usar a sua corrente de ouro na frente dos seus vizinhos famintos”.
- “Nós, gorilas, somos todos selvagens. Alguns parecem domesticados, mas é só um truque para poder viver na cidade. (...) Certas fronteiras só pisando pessoalmente. Quando se tenta repartir com o outro, deixam de existir. (...) Os homens são uns bandidos e aproveitadores. Por isso gosto de acabar com eles e tirar o dinheiro deles (de um boy que sai com turistas). (...) Ninguém sabe o que quer neste mundo. A gente vive no caos e na confusão”.
- “Nos últimos anos têm passado aqui arquitetos alemães, espanhóis, italianos e franceses. Fazem vídeos e tiram fotos. Pressinto que viver no litoral de Havana está se transformando em um luxo. (...) Senão existisse a África e as negras e as mulatas, o que seria da humanidade? (...) Somos todos fdp e todos gostamos de ter alguém abaixo da gente, para acachapar e pisotear. (...) As pessoas não gostam de saber a verdade. (...) Podia ter ficado em vinte países e viver como os outros. Ah, mas não, você, de teimoso e estúpido, volta sempre para a sujeira. (...) Ela não sabe que em Havana tem de pisar em brasa e não se queimar. (...) Nosso papel é lutar pelos pesinhos de cada dia”.
Que bela narrativa, Henrique!
ResponderExcluirVanda Silvia Novelli