RETRATOS DE BAURU (222)

O ESTRADEIRO FOTÓGRAFO CALIL NETO VAI NOVAMENTE BATER ASAS E DE BICICLETA

 Bauru conhece muito pouco de alguns dos seus mais ilustres filhos, afilhados, agregados e acondicionados. Tem gente que bateu asas cedo, ganhou o mundo, deitou fama por onde passou, fez a América e o mundo todo, mas passa incólume pelas ruas de sua aldeia. Conhecido pelo padeiro da esquina, mais por comprar ali seu alimento diário e nada pelo que traz consigo de conhecimento e trajetória de vida. Conheço muitos nessa situação. Final do ano a esposa Ana me pede para ir no lançamento de um livro de fotos sobre os 15 anos do Hospital Estadual, pois ela estaria em aula. Vou e lá fico de queixo caído quando me deparo com alguém que dizia me conhecer e quase nada sabia dele. Sai de lá e fui pesquisar, o queixo caiu novamente e o encanto nasceu, descobri alguém que já tinha sido descoberto faz tempo e com uma história dessas para entornar o caldo, babar na fronha. Vou tentar ser sucinto, mas dele, que me abriu a casa para essas fotos, escreveria a manhã toda e até esqueceria de que bato cartão na feira.

CALIL NETO é um homenzarrão de quase dois metros de altura, largura em boa medida, olhos estalados, simplão até não mais poder e um jeito de te olhar, que ou te devora ou te conquista. Empatia, no meu caso, imediata e creio, recíproca. Que linda história de vida. Fotógrafo uma vida inteira, tendo registrado tudo o que conheço por válido e necessário nessas últimas décadas. As greves com Lula no ABC e sua primeira prisão, as mais lindas imagens dos bastidores de todos Águas Claras, a praça Benedito Calixto e registros nunca vistos do Lira Paulistano, o agreste, as Chapadas todas, entranhas florais deste país e muito mais. Tudo está lá guardado em arquivos no seu computador. Tem livros mais que lindos publicados, um com a flora dos grotões, algo impagável, pelo qual ganhou algum e viajou até cansar. Bem, cansar não cansou, pois agora, quando diz ter dado um jeito de se ajeitar financeiramente, comprou e equipou uma boa bicicleta e não mais residirá no loca lde seu oficial pouso, porto seguro quando das andanças, localizada ali na Capitão Alcides. Sairá país afora, pedalando nos seus 60 e poucos anos, um pouco por dia, parando aqui e ali, olhando, assuntando, cheirando, provando, testando e seguindo em frente. Calil não tem amarras que o prenda mais em lugar nenhum e diante de tudo o que vê ocorrendo (um fotógrafo marxista e agora, pedalista) com o país, deu o salto e está nos preparativos para mais uma aventura. Quando questionado, me disse: “E fazer o que continuando paradão por aqui?”. Pronto, fui convencido numa frase. Não vou escrevinhar nada mais de seu currículo, pois para isso existe o google e uma pá de gente que o conhece por aqui e pode dizer muito mais de tudo o que possa juntar do que já fez na vida. Senti a grandiosidade num bater de olhos, o desprendimento noutro e agora o invejo, pois queria sair junto dele recebendo essa brisa na cara e nos cornos. Não posso, fico e torço muito para que tudo dê muito certo. Ainda do dia do lançamento de mais um livro, esse em conjunto, disse estava se desfazendo de coisas que não podia carregar. Fui escolhido para receber algo, uma coleção do Fradim, do Henfil, simplesmente por ter visto por esses meios internéticos de minha admiração pelo espevitado e arteiro mineiro. Calil Neto é desses que a gente senta numa mesa de bar, fica ouvindo suas histórias a noite toda e não quer mais ir embora. Baita cara e para quem não conhece, saibam que é bom se apressar em bater no seu portão, pois suas malas estão quase prontas.