sábado, 16 de março de 2019

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (126)


GARIMPO PERMANENTE
Mônica, Chico e Ana.
 

Fui ontem assistir no meio dos designers bauruenses a palestra "Design do Passado - Do Século XIX aos anos 1940", com o conceituado e experiente professor Chico Homem de Mello, no SESC Bauru, 20h e mesmo não sendo do metiê, saio de lá bastante impressionado com o apanhando histórico apresentado, traçando uma trajetória bem demonstrativa do que foi a produção gráfica no Brasil no período. Desde a primeira impressão trazida ao país, até os primeiros impressos feitos na cidade do Rio de Janeiro, quando D. João foge de Portugal e traz consigo no navio as primeiras impressoras, algo que havia acabado de adquirir da Inglaterra e foram estreadas no Brasil. De lá para cá, a evolução da grafia nos impressos, do tipógrafo trabalhando em pé, saindo dali as capas de livros, revistas, logos, publicações e principalmente, fazendo questão de ressaltar, quem foram os que deram o pontapé inicial na arte impressa no país. Uma aula dessas onde, por não ser designer, ali estava para acompanhar Ana Bia Andrade e saio de lá cheio de novos ensinamentos, alguns já tentando repassar por aqui na forma de um texto mais abrangente, envolvendo outros segmentos profissionais.

Além do apanhado histórico, ao final da apresentação, Chico responde perguntas do pessoal da platéia e com seu jeito bastante didático, envolvente e profundo conhecedor do tema onde se debruça há décadas, respondendo a pergunta da professora Mônica Moura, após ele praticamente abrir seu arquivo pessoal, sua coleção de achados gráficos históricos, ela o questiona sobre essa nunca terminada procura pelos tesouros gráficos e ele, sugere ser exatamente o título que dou para esse texto: "Produzo uma espécie de garimpo permanente. Vasculho, vou atrás, fuço, frequento sebos e lugares onde sei poderei encontrar raridades e junto essas coisas, raridades para mim. Vou preenchendo um grande álbum de figurinhas que não termina nunca". Ouvi aqui e embasbacado fiquei, pois me vejo praticando exatamente a mesma coisa, me considerando também outro praticante desse tal de permanente garimpo.

Pessoas como o Chico e este mafuento escrevinhador são juntadores de tralhas variadas e múltiplas. Tralhas para muitos, preciosidades para outro tanto de pessoas. Pesquisadores de uma forma geral juntam objetos. Muitas vezes nos faltam espaços e no meu caso, enquanto conseguir manter vivo o Mafuá, esse bocadinho juntado ao longo de minha vida estará salvaguardado. Cada um na sua, ele com seu objeto de pesquisa, eu com o meu, ambos seguindo algo que um dia li, uma definição do historiador Luiz Antonio Simas para seu ofício: "Sou o historiador das insignificâncias". Alguém que dá demasiado importância para os pequenos detalhes das coisas, gosta de andar pelas vicinais, preferindo pesquisar sobre a senzala, ao invés da casa grande. Chico Homem de Mello vasculha confins dos sebos, como um citado por ele, o do Messias na capital paulista, atrás da praça da Sé, onde passa horas e assim como eu, recolhe peças raras da imprensa brasileira. Muito do que ele compra eu também o faço, como exemplares d'O Malho, Careta, Senhor, Realidade, Cruzeiro, Revista da Semana, Pif Paf, etc. Praticamos isso com gosto e afinco, ele com seu objeto de pesquisa, eu por enquanto como mero amante da imprensa nativa, pelo menos a que me identifico. Não posso ver exemplares d'O Pasquim e já quero trazê-los todos. Minha orientadora de mestrado, professora Maria Cristina Gobbi ralhava comigo, "desapegue", mas até presente momento, pouco tenho conseguido nesse sentido.

Da palestra, além dos ensinamentos a me incentivar na prática ajuntativa, renovada a cada domingo de ida para a banca do Carioca, onde ele ao me ver, se aproxima sorrindo e já diz, igualmente como os livreiros amigos do Chico fazem com ele: "Olha só o que achei, é a sua cara". Como resistir a isso? Todo domingo trago algo e o Mafuá se avoluma. Pois bem, teve algo mais, também no final, já na sessão de perguntas ele discorre sobre a sua profissão ter um código seguido como regra. Algo assim, "ser designer é..." e algo como um livrinho de regras a serem seguidas e quando saindo delas, um entendimento generalizado de ter cometido um deslize. Ele, ao se mostrar contra essas regras gerais,
deixa claro que bom mesmo é quebrar essas regras. Não se mostra contra seguir parâmetros, mas não estar bitolado a eles, sempre buscando algo novo, despojado, criativo e inovador. Amei isso do profissional deixar de lado aquelas regrinhas básicas ditas como caminho único e buscar outro, novo.

Encerro o texto com algo ocorrido comigo hoje e a exemplificar magistralmente o escrito até aqui. Adilson Chamorro é dono de uma banca de antiguidades no centro bauruense e hoje ao ir até lá para comprar meu ingresso para o jogo do Noroeste amanhã, me faz questão de entregar, doar para mim, jornais com datas importantes, como a Folha SP do dia do atentado em New York, o Globo da morte do Cazuza, dia do golpe militar, data redonda de um jornalão e sua edição especial, etc. Ganhou de um cliente e escolheu a mim para deixar o acervo. Nem tudo pode ter o uso adequado, mas não tinha como descartar e trago, guardo no mafuá, folheio e escolho um lugar para permanência até saber de fato o que farei com tais preciosidades. Muitos outros agem exatamente da mesma forma para comigo e isso me enche de orgulho e contentamento. Ser o escolhido de muitos, como me fez o Alemão, o da Kananga, poucos dias antes de falecer, parece que antevendo o que iria lhe ocorrer, diz que sua coleção de LPs ele queria que fosse anexada ao Mafuá. Percy Copieters, também poucos dias antes de falecer agiu da mesma forma e me doou quadros, livros em espanhol e um pedacinho do seu acervo, guardados até hoje. Lázaro Lazaro Carneiro Carneiro me entrega tempos atrás um livro com o dia de uma exposição em sua casa. Dias atrás, outro grande, o fotógrafo Calil Neto, sabendo ter apreço pelo Fradim, gibis do Henfil, me pede para ir em sua casa buscar a coleção dos primeiros da série, verdadeiras raridades. Tenho uma coleção de LPs para ir buscar na casa de uma dileta miga perto do SESC e estou em débito para com ela. E assim, este mafuento dá prosseguimento a essa saga do "garimpo permanente", algo do qual não sei como e nem sei se quero me desvencilhar, mesmo ciente da famosa frase, dita a mim por não sei mais quem, mas nunca mais me saindo da cabeça: "A pior coisa para um colecionador se chama viúva. No dia seguinte de sua morte, tudo estará na calçada". Nem isso me desanima...

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