segunda-feira, 8 de abril de 2019

FRASES DE UM LIVRO LIDO (139)


SABE AQUELE LIVRO QUE A GENTE LÊ DE UMA SÓ SENTADA (NÃO SERIA GOLFADA)? EIS UM.
Cada livro que leio tem uma história só dele e a desse conto aqui e agora. Fui levar a mana Helena na Humanidade Livre e lá diante da Geladeira Cultural deles, exposta ali na calçada, uma iniciativa onde você pega livros, recoloca outros, devolve esse quando lido ou simplesmente leva como o fiz, fui arrebatado por um GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ. Já tive esse tempos atrás, MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES, creio que presente do amigo Orlando Alves, não me lembro. Sei é que o li, ficou na estante, sumiu antes da devastadora enchente e agora trago esse, noite de domingo. Essa história sempre me chamou a atenção. Um senhor, bem a cara do latino letrado, 90 anos, frequentador de bordéis, ao estilo de Nabocov, liga para a cafetina do lugar e diz querer uma jovem virgem para passar uma noite. Agindo dentro do “politicamente correto”, muito em voga hoje, a obra estaria irremediavelmente condenada, porém não, ela ganha corpo a partir exatamente desse item. A noite acontece, outras tantas mais, nenhuma com sexo, mas com um envolvimento desses que só a pena de um grande escritor consegue ir desvendando e dando conotações a te prender na leitura de cabo a rabo. Foi o que fiz. Hoje pela manhã levei Ana Bia na Unesp e ele me pede: “Me espere, devo demorar no máximo hora e meia, descer e depois subir é improdutivo”. Esperei e sentado dentro do carro li, melhor que isso, livro todas as 128 páginas nesse curto espaço de tempo.
Li e grifei o livro todo. A história por si só merece uma ampla divagação, boa discussão sobre a velhice e onde e como nos metemos vida afora no percurso já percorrido. A edição é de 2015, editora Record, tradução impecável de um dos melhores jornalistas brasileiros, Eric Nepomucemo. Pincelo algumas frases escolhidas a dedo para aguçar a curiosidade dos que se interessarem por leitura tão obscena, perturbante e perigosa:

- “Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver”, pág. 7.
- “...e para viver comecei a vender o que estava sobrando, e que terminou sendo quase tudo, exceto os livros e a pianola de rolos”, pág. 10.
- “Nunca fiz nada diferente de escrever, mas não tenho vocação nem virtude de narrador, ignoro por completo as leis da composição dramática, e se embarquei nessa missão é porque confio na luz do muito que li pela vida afora”, pág. 11.
- “E me acostumei a despertar cada dia com uma dor diferente que ia mudando de lugar e forma, à medida que passavam os anos. Às vezes parecida ser uma garrotada da morte e no dia seguinte se esfumava. Nessa época ouvi dizer que o primeiro sintoma da velhice é quando a gente começa a se parecer com o próprio pai. (...) A verdade é que as primeiras mudanças são tão lentas que mal se notam, e a gente continua se vendo por dentro como sempre foi’, mas de fora os outros reparam. Na quinta década havia começado a imaginar o que era a velhice quando notei os primeiros ocos da memória”, pág. 13.
- “...é um triunfo da vida que a memória dos velhos se perca para as coisas que não são essenciais, mas raras vezes falhe para as que de verdade interessam. Cícero ilustrou isso de uma penada: Não há ancião que esqueça onde escondeu seu tesouro”, pág. 14.
- “(para a cafetina) Nunca tinha pago uma única multa, porque seu quintal era a arcádia da autoridade local, do governador até o último bedel da prefeitura, e não era imaginável que à dona daquilo tudo faltassem poderes para delinquir a seu bel-prazer”, pág. 23.
- “(como se paga certos serviços contratados) Com regras fixas: cada coisa paga por separado, em dinheiro e por antecipado. E assim foi”, pág. 30.
- “Urinei na privada sentado e como me ensinou, desde menino, Florina de Dios, para que não molhasse a beira do vaso, e ainda, modéstia à parte, com um jorro imediato e contínuo de potro bravio”, pág. 33.
- “Escrevo esta memória no pouco que resta da biblioteca que foi de meus pais, e cujas estantes estão a ponto de desmoronar graças ao trabalho paciente de cupins”, pág. 37.
- “Os adolescentes da minha geração, ávidos pela vida, esqueceram de corpo e alma as ilusões do porvir, até que a realidade ensinou a eles que o futuro não era do jeito que sonhavam e descobriram a nostalgia. (...) A quem me pergunta respondo sempre com a verdade: as putas não me deram tempo para casar”, pág. 45.
- “(enquanto patrões brigam, jornalistas de órgãos rivais são amigos) ...dentro do espírito da cidade foi sempre de bom alvitre que se mantivessem intactas as amizades da tropa enquanto os marechais travavam sua guerra editorial”, pág. 48.
- “...um dos encantos da velhice são as provocações que as amigas jovens se permitem, achando que a gente está fora do jogo. (...) Uma mulher não perdoa nunca que um homem a despreze na estreia”, pg. 51.
- “Que bom que você não virou uma desses velhos assanhados que aumentam a idade para que todo mundo ache que está muito bem”, pág. 53.
- “Acho contra a natureza que um homem se entenda melhor com seu cão do que com sua esposa, que o ensine a comer e a descomer na hora certa, a responder perguntas e a compartilhar suas penas”, pág. 59.
- “(sobre o gato) Observe-o, não o acostume ao senhor, mas, ao contrário, o senhor que se acostume a ele, e deixe-o em paz, até ganhar sua confiança”, pág. 60.
- “...da mesma forma que os fatos reais são esquecidos, também alguns que nunca aconteceram podem estar na lembrança como se tivessem acontecido. (...) A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente”, págs, 67 e 68.
- “Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que sou só pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco. (...) ...tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados”, págs. 74 e 75.
- “O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança”, pág. 79.
- “(para a cafetina) Você é a única pessoa do Partido Liberal que manda nesse governo”, pág. 90.
- “E me perguntei assombrado: Em que pensa uma mulher enquanto prega um botão? (...) ...o amor me mostrou tarde demais que a gente se arruma para alguém, se veste e se perfuma para alguém, e eu nunca tinha tido para quem”, pág. 93.
- “Havia achado, sempre, que morrer de amor não erra outra coisa além de uma licença poética. (...) Não trocaria por nada neste mundo as delícias do meu desassossego”, pág. 95.
- “Cada vez dizem coisas de você no rádio, que elogiam você pelo carinho das pessoas e chamam você de professor do amor, imagine só, penso que ninguém conheceu suas graças e sua manhas tão bem como eu. De verdade, disse a ela, ninguém conseguiria aguentar você melhor que eu. (...) Acontece que a gente não sente por dentro, mas de fora todo mundo vê”, pág. 109.
- “Hoje olha para trás, vejo a fila de milhares de homens que passaram pelas minhas camas, e daria a alma para ter ficado com um, mesmo que fosse o pior. Graças a Deus encontrei meu chinês a tempo. É como ser casada com o dedo mindinho, mas é só meu. (...) ...não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor”, págs. 110 e 111.
- “Em tempos melhores, o governador tinha feito a oferta tentadora de me comprar em bloco os clássicos gregos, latinos e espanhóis para a Biblioteca Estadual, mas não tive coração para vendê-los. Depois, com as mudanças políticas e a deterioração do mundo, ninguém do governo pensava nas artes nem nas letras”, pág. 114.
- “Desde então comecei a medir a vida não pelos anos, mas pelas décadas”, pág. 119.
- “...me atravessou a ideia complacente de que a vida não fosse algo que transcorre como o rio revolto de Heráclito, mas uma ocasião única de dar a volta na grelha e continuar assando-a do outro lado por noventa anos a mais”, pág. 120.

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