quinta-feira, 9 de maio de 2019
CHARGE ESCOLHIDA A DEDO (146)
KANNÃ, ADESIVO DO PEIXE NO CARRO, A CONVERSA DEFRONTE O BARRACO E O PONTO A QUE CHEGAMOS Uma sucessão de fatos me faz sentar a bunda na cadeira neste exato momento e fazer uma reflexão sobre um alerta dado a mim por um dileto amigo, domingo passado, quando estivemos juntos assistindo a uma apresentação teatral dentro do ainda assentamento urbano, o Kannã, localizado próximo à Bauru/Marília, mais precisamente atrás do IPMET da Unesp, área nobre, cuja reintegração está em vias de ocorrer, para prejuízo de milhares de moradores.
Esse um fato, mas o que me traz aqui é outro motivo. Fomos assistir a peça (linda e divinal, por sinal) e na saída, diante de tantas ruelas, todas de chão batido de terra, porém sem nenhum lixo nas ruas, muito parecidas umas com as outras, tive que parar para perguntar qual a melhor saída. Estava um tanto perdido. Recebi a informação e algo me passava batido, quando o amigo, num veículo atrás, me seguindo naquele momento, num papo a seguir me conta de um algo a mais.
"Não sei se você reparou, mas aquele pessoal que você parou para perguntar não eram moradores do Kannã e assim como nós, visitantes. Olhei atentamente para o carro deles e no vidro traseiro o adesivo do peixe com a sigla partidária, essa desse partido ligado à igreja evangélica neopentecostal. Se tivesse olhado mais atentamente para o que faziam, teria visto que, estavam em duas pessoas, provavelmente um casal, visitando casas de moradores e ali entronizando a sua linha política e religiosa. Eles, na verdade, meu caro Henrique, fazem o que a esquerda deixou de fazer faz tempo. Souberam ocupar o espaço perdido por nós e hoje, nadam de braçada nas periferias do país inteiro. Vão de casa em pessoa, pessoa por pessoa", me disse.
Foi o início de uma longa conversa, uma boa reflexão. Erramos e muito nessas últimas décadas. Ele me remete com saudade ao tempo das pastorais católicas, todas com ampla penetração junto das camadas periféricas, não só dos grandes centros, mas por todos os lugares. Aquilo tudo se foi e hoje, um arremedo continua acontecendo, sem o incentivo da direção da igreja católica. O mesmo se deu com os sindicatos. Esses hoje não atuam mais nas portas das fábricas e diretamente naquele tão necessário contato com os operários e sindicalizados. Os motivos já foram amplamente discutidos, o fato é que desse abandono, alguém soube ocupar esses espaços e hoje, o que se vê é exatamente aquilo presenciado lá no Kannã. Alguém continua fazendo isso, estabelecendo esse contato e, com certeza, não são para finalidades de libertar esse povo, de conscientizá-lo, mas para que siga, desta feita, cordeiro de outra linha de pensamento e ação. O resultado da última eleição, como seu deu o convencimento junto das massas empunhando seus celulares e crentes numa mensagem libertadora é a resposta.
O tempo perdido, se houver alguma vontade política de recuperação ou algo parecido, será arduamente batalhado, ombro a ombro nos dias atuais, pois inexorável perceber que o terreno perdido já foi ocupado e quem o fez, dele não arredará pé facilmente. O fizeram na conversa e é exatamente essa conversa com o povo, onde ele estiver, o que não foi feito por quem pretende o libertar do jugo de estar atrelado a uma linha de pensamento conservadora. A peça de teatro com temática libertadora ali apresentada é um belo passo no sentido de abrir mentes, mas o que mais mesmo ocorre por ali além disso? Sim, vejo muitos da linha progressista alinhados com o movimento social, mas o tempo perdido causou tanta perda que, algo muito mais intenso se faz necessário, espalhado país afora, para se repensar em reconquistar a mente dos hoje sendo encaminhados para essas igrejas. Não existe meio termo, igrejas não libertarão ninguém, não conscientizarão ninguém, o negócio deles é bem outro, que isso fique bem claro.
Aquele carro parado lá no Kannã, o casal indo de casa em casa, falando aos moradores de política, de religião, de comportamento segundo a visão igrejeira é o que mais se vê pela aí. Fácil identificar o que está por detrás disso tudo, a grande manipulação em curso e já dominando os espaços. Esses e os milicianos. Perdemos parte significativa da guerra, mas não, ainda, o todo. Nada sendo feito, talvez isso ocorra muito em breve, mais até do que imaginamos. O trabalho de formiguinha, mesmo nesses adversos tempos, obscuros até a medula, se faz necessário. Urgente a retomada coletiva, do contrário, em breve, o inimigo seremos nós, os que ousarem defender os dominados. Esses mesmos nos demonizarão. Cabeça feita, difícil a reversão.
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